A imprensa portuguesa on line de hoje, dia 4 de maio, faz eco do caso em torno da afirmação
“Líderes da China e de Taiwan reúnem-se pela primeira vez em seis anos”.
Trata-se, por
coincidência, do primeiro encontro entre Xi Jinping, secretário-geral do
Partido Comunista Chinês (PCC), que lidera a governação de Pequim,
e Eric Chu, novo presidente do Partido Nacionalista (KMT), que governa Taiwan – considerado histórico, segundo a
imprensa oficial chinesa, e que decorreu no Grande Palácio do Povo, no centro
de Pequim.
Xi Jinping
declarou que “as duas partes podem organizar consultas em pé de igualdade na base
do princípio ‘uma única China’ e
alcançar um acordo razoável”.
Segundo a agência
noticiosa oficial chinesa Xinhua, no encontro de hoje, o secretário-geral do
PCC disse que a Republica Popular da China está disposta a “partilhar as suas
oportunidades de desenvolvimento com os compatriotas de Taiwan”. Mais declarou:
“Estamos dispostos a dar prioridade a Taiwan no processo de abertura. A nossa
abertura a Taiwan será maior.”.
A este
respeito, Gao Zhikai, de 53 anos – antigo intérprete de Deng Xiaoping, formado
em língua inglesa, com um mestrado em Ciências Políticas na Universidade de
Yale e um dos mais conhecidos comentadores da televisão chinesa – assegurou à
agência Lusa em Pequim que “as relações entre o PCC, China, e o KMT, Taiwan,
estão constantemente a melhorar” e que “há bons canais de comunicação entre os
dois partidos”.
Eric Chu
chegou a Pequim ontem, domingo, à noite, oriundo de Xangai, onde participou num
fórum sobre o intercâmbio económico, comercial e cultural no Estreito de
Taiwan.
Após o términus
da guerra civil no continente chinês, em 1949, com a vitória do PCC e a
proclamação da República Popular da China, o antigo governo do KMT refugiou-se
na ilha de Taiwan, a cerca de 200 quilómetros da costa leste chinesa, onde
continua a autoproclamar-se representante da República da China (sem o adjetivo relacional “popular”).
***
Pequim
defende a “reunificação pacífica” segundo a fórmula adotada para Hong Kong e para
Macau, “Um país, dois sistemas”.
Porém, contraditoriamente, ameaça “usar a força” se Taiwan declarar formalmente
a independência.
Ora esta
disposição constitui um sinal ambíguo, que vem contrariar o princípio e o
propósito enunciado da negociação entre iguais. Se é certo que Xi Jinping
mostra razoabilidade em pretender a reunificação pacífica, não parece menos
certo que a antecipada ameaça do recurso à força gora o estatuto da boa fé e da
paridade da negociação.
Todavia, não
é de desperdiçar o precedente já criado em termos políticos com a reagregação de
Macau e de Hong Kong e com o precedente das boas relações comerciais entre
Pequim e Taiwan.
Com efeito,
nos últimos anos, não obstante as persistentes rivalidades políticas, a
República Popular da China tornou-se o maior parceiro económico de Taiwan e, em
2008, pela primeira vez em mais de meio século, foram restauradas as ligações
diretas entre o continente e a ilha.
Gao Zhikai, o
mencionado comentador de televisão na China afirma que “as relações económicas
aumentaram significativamente e, em termos políticos, apesar dos altos e baixos
em Taiwan, a tendência geral é boa”. Além disto, acrescentou que “a
reunificação continua a ser o objetivo”, de que nunca desistirão, embora não se
afigure necessário “apressar o processo”.
Gao Zhikai
presta ainda mais informações, quer de caráter genérico, quer ao nível de alguns
indicadores. Assim:
Em termos
genéricos, quase tudo o que na década de 1980 era “made in Taiwan” – sapatos,
brinquedos e outros artigos de produção intensiva – é agora “made in China”, em
fábricas dos mesmos patrões e com mão-de-obra mais barata.
Especificamente,
em novembro passado, 80 mil empresas com capitais de Taiwan estabelecidas no
continente empregavam 15,6 milhões de pessoas – o equivalente a mais de metade
da população da ilha.
E conclui
afirmando que “a integração económica já está a acontecer”.
***
É óbvio que
todos os passos dados e a dar para a reunificação da República da China são de
saudar, sobretudo se forem portadores de uma componente essencial subsequente
ao reatamento de relações políticas e económicas – a reconciliação. E esta
passa por dois marcos essenciais: Pequim tem de desarmadilhar as negociações retirando
a ameaça do recurso à força; e Taiwan tem de passar ao acolhimento da soberania
liderada a partir de Pequim, tentando disputar a sua liderança por meios democráticos
e reivindicando a efetiva autonomia regional.
Não sei é se
o PCC está disposto a passar da relação comercial em termos de igualdade (que lhe dá jeito) à democracia política (que parece não lhe convir), com respeito pelos direitos das pessoas
e dos grupos, bem como da autonomia regional, mesmo que devidamente contratualizada.
Com efeito,
apesar de Hong Kong e Macau terem sido reagregados com o estatuto de RAE (Região Administrativa Especial), o Governo central chinês foi
impondo sub-repticiamente a sua vontade na escolha de alguns dos líderes locais.
E, quando as populações quiseram organizar um referendo meramente de opinião ou
indicativo, as autoridades não gostaram, torpedearam-no, prenderam alguns dos
organizadores e jugularam as manifestações populares.
Pergunto-me
se será mesmo verdade o que vaticinava Jorge Sampaio em 19 d dezembro de 1999
sobre o futuro de Macau, na cerimónia de transferência:
“Nesse quadro, o território gozará de
um alto grau de autonomia, expresso em instituições próprias de poder
legislativo e executivo, e de um poder judicial, servido por tribunais
independentes, que julgarão, em primeira e última instância, as questões que digam
respeito, exclusivamente, a Macau e aos seus habitantes.
“Foi este estatuto
político-administrativo, fundado no primado da Lei, e em que serão as gentes de
Macau quem governará a sua terra, de forma livre e democrática, que a China e
Portugal sufragaram na Declaração Conjunta de 1987; com o compromisso firme de
que os habitantes do território continuarão a gozar dos direitos, liberdades e
garantias, que são património da sua maneira de viver e fizeram a singularidade
e a prosperidade desta terra”.
O medo da democracia
política ainda persiste. Saúdam-se os passos dados, mas há muito caminho ainda não
andado!
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