segunda-feira, 18 de maio de 2015

Deselegâncias institucionais

Parece que as deselegâncias institucionais vieram para fazer escola.
Já tínhamos assistido à acusação de deslealdade democrática da parte de Silva a Pinto de Sousa e à contrarresposta deste àquele, acusando-o de ter sido a mão escondida por trás do arbusto a gerar a crise política de 2011. Já víramos Paulo Portas a demarcar-se inúmeras vezes da linha governativa oficial e Passos Coelho a desejar que o seu partido governasse sozinho e prestes a subscrever um acordo de coligação pré-eleitoral com o CDS, quase ao mesmo tempo que permitia que se dissesse Urbi et Obri – e o confirmou – que Portas apresentara por SMS a sua demissão do Governo no início do verão de 2013.
Já quase nos esquecíamos do alijar de responsabilidades por parte dos detentores de cargos políticos para quadros da Administração Pública: veja-se retroativamente os casos de Albuquerque ou Núncio, de Teixeira da Cruz e Costa Moura, de Arrobas e Casa Nova.
Agora, a 13 de maio, perante os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a Ministra da administração Interna resolveu, sem aviso prévio aos partidos da coligação, adiar para a próxima legislatura uma das bandeiras de Governo com que Passos Coelho acenara na campanha eleitoral de 2011 – a reorganização da GNR e da PSP. “Não há tempo para se avançar com as leis orgânicas da PSP e GNR”, disse a titular da pasta da Administração Interna. Adiantou que fizera uma avaliação às alterações das leis orgânicas da PSP e da GNR, tendo considerado que “até ao final da legislatura” não se pode avançar com essas propostas, pois, “não foi feito oportunamente trabalho sobre este assunto”.
Recorde-se que, entre as alterações à lei orgânica da GNR, estava a reativação da Brigada de Trânsito e da Brigada Fiscal.
Como justificação para o seu posicionamento improdutivo, a Ministra da Administração Interna (MAI) não teve pejo em derrubar e arrasar o trabalho de Miguel Macedo, seu antecessor e que chegou a ser considerado um dos ministros exemplares deste Governo.
Dizia-se abertamente que Miguel Macedo deixara de sobraçar a pasta da Administração Interna unicamente para não dificultar a atividade do Governo e não o beliscar na sua credibilidade, embora houvesse rumores de ligações perigosas da sua parte com algumas das personalidades sobre as quais recaiu a constituição de arguido no caso dos vistos dourados – o que o ex-ministro veio de pronto a desmentir, indo mesmo ao ponto de solicitar à Assembleia da República o levantamento da imunidade parlamentar para esclarecer tudo junto do poder judiciário (o que não foi concedido por o ora deputado não ter sido constituído arguido nem arrolado como testemunha).
Depois de arrasar o trabalho do seu antecessor, Anabela Rodrigues garantiu aos deputados, que a questionaram insistentemente sobre o atraso na aprovação do novo estatuto da PSP e das propostas das leis orgânicas da PSP e da GNR, que, chegada ao Ministério, não encontrou “qualquer proposta de estatuto” a que se “pudesse agarrar”. E, durante a segunda parte da audição na predita comissão parlamentar, a professora catedrática e sucessivamente ex-diretora do Centro de Estudos Judiciários e da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra revelou, mais uma vez sem avisar previamente a coligação, que já não há tempo, nesta legislatura, de apresentar as propostas das novas leis orgânicas da PSP e GNR, anunciadas desde o começo do mandato e bandeira de campanha – o que deu azo a que fontes de ambos os partidos da maioria tenham concluído que “já não há tempo nesta legislatura, para aceitar as propostas das novas leis orgânicas”.
Estas declarações da Ministra contrariam e desmentem o que tem sido assumido pelos sindicatos e reconhecido por fontes do próprio Ministério da Administração Interna, que seguiram este processo, de que, há pelo menos dois anos, decorriam negociações, que abrangiam uma proposta da própria direção nacional da PSP. O documento terá ficado “praticamente finalizado” em finais do ano de 2014.
Anabela Rodrigues não se limitou a desmentir o seu antecessor e o próprio Primeiro-Ministro – que tinham o objetivo de “clarificar o sistema policial português”, “explorando sinergias com a consequente redução de custos” e a “eliminação de zonas de conflitualidade”, através das respetivas leis orgânicas e estatutos – mas desmentiu-se a si própria. A Ministra, em dezembro do ano passado, tinha declarado publicamente que aqueles diplomas tinham “prioridade absoluta” e que “muito brevemente” haveria “notícias sobre” os mesmos. Cinco meses depois, enredou-se mas malhas da burocracia e desistiu.
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Àquelas declarações da governante na referida comissão parlamentar um deputado da maioria, visivelmente irritado, comentava: “Mesmo que fosse verdade – e sabemos que não é – nunca devia ser dito, por uma questão de respeito institucional. Ainda mais sendo do mesmo governo. É inconcebível esta atitude”.
Também assim o penso, já que o Governo tem funções predominantemente executivas e de superior coordenação da Administração Pública – pelo que se lhe exige perceção técnica ao nível da gestão das pessoas, tempos, espaços e agendas – e não é propriamente o palco da discussão política até às últimas consequências. Essa função está confiada, em termos da soberania, ao Parlamento e, em termos das opções políticas de fundo, aos partidos políticos.
Miguel Macedo, por seu turno, que afirmara várias vezes que as leis orgânicas da PSP e da GNR estavam prontas, não quis comentar, desta feita, as declarações da sua sucessora.
Do seu lado, o deputado do PS Filipe Neto Brandão criticou “a ligeireza” com que a governante assegurou não existirem condições para se avançar com as leis orgânicas. Este deputado do maior partido da oposição adiantou que a Ministra “choca de frente com todas as intervenções do seu antecessor nesta comissão”, recordando que Miguel Macedo afirmou várias vezes no parlamento que as propostas das leis orgânicas estavam praticamente concluídas.
Anabela Rodrigues refutou a acusação, afirmando que não respondeu com ligeireza à questão das alterações às leis orgânicas. “É uma questão de objetividade. Não há tempo. Não foi feito trabalho oportunamente sobre esse assunto”, ripostou.
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Em relação a outra matéria, o deputado socialdemocrata Carlos Peixoto confrontou, na sessão da referida comissão parlamentar, a Ministra com a putativa perda de competitividade dos vistos gold portugueses, face a recentes alterações legislativas sobre a atribuição de vistos de residência em Espanha. Porém, foi o ex-deputado do CDS João Almeida, na sua qualidade de secretário de Estado da Administração Interna, quem acabou por responder ao deputado do PSD. “Ao Ministério da Administração Interna compete assegurar as condições de segurança e transparência do regime de atribuição dos vistos”, observou o político centrista, numa referência às recentes alterações feitas à lei. E acrescentou que “a competência dos vistos cabe a outras áreas da governação”.
Não obstante, o deputado socialdemocrata argumentou que o facto de Espanha ter procedido à desburocratização do sistema dos vistos dourados, “passando a facultar autorizações de residência por cinco anos automaticamente renováveis”, enquanto em Portugal o período de residência temporária continuará a ser de um ano, renovável por períodos de dois e até cinco anos, e implicando todo o processo “mais burocracias”, pode fazer decrescer o interesse dos investidores estrangeiros no país. O novo regime de vistos inclui a verificação consular da documentação entregue pelo candidato ao visto e a apresentação da caderneta predial, para confronto do preço do imóvel a adquirir com o seu valor patrimonial tributário.
Também o deputado centrista Telmo Correia dirigiu pertinentes críticas à ministra das polícias, desta vez por causa das esquadras que “às vezes só têm um ou dois homens” (Faz-me lembrar o posto da GNR de Beirais, da série televisiva Bem-vindos a Beirais, só com um 1.º cabo e um guarda), tornando-se ineficazes em termos de policiamento de proximidade.
Ora, foi precisamente sobre as polícias que Anabela Rodrigues deu novidades, mas não aquelas que os parlamentares queriam ouvir: admitiu não haver tempo para alterar, até ao final da legislatura, as leis orgânicas da PSP e da GNR, conforme ela própria tinha dito em dezembro que iria fazer. Mais afirmou que estavam em fase de negociação os estatutos da PSP e da GNR e estão em fase de lançamento os concursos de admissão de pessoal para cada uma das duas estruturas policiais.
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Face às declarações da ministra, os sindicatos afetos à PSP marcaram uma reunião geral, enquanto a Associação dos Profissionais da Guarda admite a realização de uma manifestação para breve. Acusam ainda Anabela Rodrigues de ter ignorado o prazo para assinar os contratos de seguro dos 140 vigilantes das florestas, que deviam ter ido para o terreno, a 13 de maio – situação que só foi resolvida com a pronta intervenção do secretário de Estado.
“Não estamos nervosos, estamos muito nervosos. O que está a acontecer é gravíssimo e pode começar muito em breve a pôr em causa a operacionalidade da força”, desabafou, em tom visivelmente apreensivo, um general da GNR, com funções no comando-geral, refletindo o sentimento da hierarquia ao mais alto nível em torno do desempenho da Ministra.
A par da indisposição dos sindicatos da PSP, por causa do estatuto, e da coligação, por causa da prestação polémica da titular da pasta da Administração Interna, o incómodo atinge em cheio os comandos das maiores polícias. Lançamento de concursos a esgotar o prazo, despachos de nomeações por homologar, contratos de aquisição de bens e serviços por autorizar – constituem cenários que atingem a gestão corrente, quer da GNR, quer da PSP e que resultam na demora “insustentável” da ministra em executar, a tempo e horas, o expediente do MAI relacionado com o dia a dia das polícias. “Está ser extremamente complicado gerir uma força com mais de 20 mil homens sem haver um mínimo de previsibilidade em questões básicas. Tem-se exigido um enorme esforço que nos dispersa da nossa ação principal que é a segurança dos cidadãos”, refere um superintendente colocado na Direção Nacional da PSP.

Bastará um alto currículo académico para governar eficazmente? Só depende da pessoa!

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