O Dia Mundial da Criança tem de ser uma jornada de festa em que se
destacam as mensagens, os espetáculos, os convívios, as prendas e as demais
manifestações de carinho para com os petizes. Não obstante, esta efeméride ficaria
extremamente pobre e aquém do espírito que presidiu à sua instituição, se
circunscrita a esta vertente. É importante que as diversas instâncias locais,
regionais, nacionais e internacionais – nas famílias, escolas, institutos
públicos e privados, departamentos governamentais – promovam a reflexão e o
debate sobre: direitos, necessidades, deveres e responsabilidades progressivas
das crianças.
Além disso e de
maneira muito especial, tem de ser um dia que dê origem a muitos outros dias em
que se pense nos milhares de crianças que continuam a sofrer de exploração, maus
tratos, doenças, fome, tráfico e discriminações (discriminação
significa ser-se posto de lado por se ser diferente do grupo predominante) ou sem acesso a
alimentação, habitação, saúde, educação, proteção e segurança.
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Após o termo da II
Guerra Mundial, em 1945, constatou-se que muitos países da Europa, do Médio
Oriente e a China entraram em crise, o que deteriorou as condições de vida. As
crianças desses países viviam muito mal porque não havia comida e os pais
estavam mais preocupados em voltar à sua vida normal do que com a educação dos
filhos. E algumas nem pais tinham. E, porque muitos pais não tinham dinheiro,
tiravam os filhos da escola e punham-nos a trabalhar, às vezes durante muitas
horas e a fazer coisas muito duras em relação à idade, saúde e resistência. Ademais,
mais de metade das crianças da Europa não sabia ler nem escrever e muitas delas
viviam em péssimas condições para a sua saúde.
Por tudo isto, em
1946, um grupo de países da ONU (Organização
das Nações Unidas) começou a tentar resolver o problema. Foi assim que
nasceu a UNICEF, a partir da criação, a 11 de dezembro de 1946, do “Fundo
Internacional de Emergência para as Crianças”, para as ajudar.
Apesar de tudo, não
era fácil trabalhar para as crianças, já que nem todos os países do mundo
estavam interessados nos direitos da criança. Então, a FDIM (Federação Democrática Internacional das Mulheres) propôs, em 1950, às
Nações Unidas que se criasse um dia dedicado às crianças de todo o mundo. Este
dia foi comemorado, pela primeira vez, logo a 1 de Junho desse ano.
Com a criação deste
dia, os estados-membros das Nações Unidas, reconheceram às crianças,
independentemente da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou social o
direito a: afeto, amor e compreensão;
alimentação adequada; cuidados primários de saúde; educação básica gratuita; proteção contra todas as formas de
exploração; e crescimento num clima
de desenvolvimento harmonioso, paz e fraternidade.
Depois, em 1959, estes
direitos das crianças passaram para o papel, pois, a 20 de novembro daquele
ano, várias dezenas de países, que fazem parte da ONU, aprovaram a “Declaração dos Direitos da Criança”.
Da “Declaração dos Direitos da Criança”
consta uma lista de 10 princípios que, se forem cumpridos sempre e em toda a
parte, podem fazer com que todas crianças do mundo tenham uma vida digna e
feliz, afastando todas as modalidades de escravização e exploração infantil, já
que todos se reconhecerão como irmãos por via da sua condição de seres humanos,
em que mais nada conta além da vida e da vida em dignidade.
Princípio 1.º
Toda a criança será beneficiada por estes direitos,
sem nenhuma discriminação de raça, cor, sexo, língua, religião, país de origem,
classe social ou situação económica. Toda
e qualquer criança do mundo deve ter os seus direitos respeitados.
Princípio 2.º
Todas as crianças têm direito a proteção especial e a
todas as facilidades e oportunidades para se desenvolverem plenamente, com
liberdade e dignidade. As leis deverão
ter em conta os melhores interesses da criança.
Princípio 3.º
Desde o dia em que nasce, toda a criança tem direito a
um nome e a uma nacionalidade, ou seja, a ser cidadão de um país.
Princípio 4.º
As crianças têm direito a crescer e a criar-se com
saúde, para o que as futuras mães também têm direito a cuidados especiais, para
que os seus filhos possam nascer saudáveis. Todas
as crianças têm também direito a alimentação, habitação, recreação e
assistência médica.
Princípio 5.º
As crianças com deficiência física ou mental devem
receber educação e cuidados especiais exigidos pela sua condição particular. Porque elas merecem respeito como qualquer outra
criança.
Princípio 6.º
Todas as crianças devem crescer num ambiente de amor,
segurança e compreensão; devem ser criadas sob o cuidado dos pais, e as mais
pequenas jamais deverão separar-se da mãe, a menos que seja necessário (para
bem da criança). O governo e a sociedade
têm a obrigação de fornecer os cuidados especiais para as crianças que não têm
família nem dinheiro para viverem decentemente.
Princípio 7.º
Toda a criança tem direito a receber educação primária
gratuita, e também de qualidade, para que possa ter oportunidades iguais para
desenvolver as suas habilidades. E, como
brincar também é uma boa maneira de aprender, as crianças também têm todo o
direito de brincar e de se divertir.
Princípio 8.º
Seja numa emergência ou acidente, ou em qualquer outro
caso, a criança deverá ser a primeira a receber proteção e socorro dos adultos.
Princípio 9.º
Nenhuma criança deverá sofrer por negligência (maus
cuidados ou falta deles) dos responsáveis ou do governo, nem por crueldade e
exploração; não será nunca objeto de tráfico (tirada dos pais e vendida e
comprada por outras pessoas). Nenhuma
criança deverá trabalhar antes da idade mínima, nem deverá ser obrigada a fazer
atividades que prejudiquem a sua saúde, educação e desenvolvimento.
Princípio 10.º
A criança deverá ser protegida contra qualquer tipo de
preconceito, seja de raça, religião ou posição social. Toda a criança deverá crescer num ambiente de compreensão, tolerância e
amizade, de paz e de fraternidade universal.
Estes princípios dizem
respeito ao que as crianças podem fazer e ao que as pessoas responsáveis por
elas devem fazer para que as crianças sejam felizes, saudáveis e se sintam
seguras e amadas.
Entretanto, também a criança tem deveres para consigo mesma
e para com as outras crianças e para com os adultos para que
também eles gozem dos seus direitos.
Se tudo isto for respeitado
e cumprido, no futuro as crianças poderão viver em sociedade como bons adultos
e contribuir para que as outras crianças também vivam felizes
***
Ora, o Dia Mundial da Criança foi muito
importante para os direitos das crianças, mas mesmo assim nem sempre são
cumpridos. Por isso, quando a “Declaração
dos Direitos da Criança” fez 30 anos, em 1989, a ONU aprovou a “Convenção sobre os Direitos da Criança”,
que é um documento muito completo (e extenso) com um conjunto de
normas para proteção dos mais pequenos (tem
54 artigos), escritas de forma tão simples e clara que todas as
pessoas são capazes de entender. Constituem um normativo de desenvolvimento e
atualização dos direitos da criança, que se tornou, a partir de 1990, um
instrumento normativo (uma lei) internacional.
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Apesar de o “Fundo Internacional de
Emergência para as Crianças” ajudar muitas crianças, havia milhões de crianças
de países pobres que continuavam ameaçadas pela fome e pela doença (principalmente em África, na Ásia, na América Latina e
no Médio Oriente).
Neste contexto dramático, uma organização
que se dedica à defesa dos direitos das crianças não podia ficar de braços
cruzados. Assim, em 1953, aquela pequena entidade torna-se um
membro constante das Nações Unidas e passa a chamar-se “Fundo das Nações Unidas
para a Infância”, mas mantendo a sigla que a tornou conhecida no mundo inteiro
– UNICEF.
O seu principal objetivo é recolher fundos
para os programas mundiais de ajuda a crianças. Porém, serve também para
informar e sensibilizar as pessoas para as necessidades e direitos de todas as
crianças, onde quer que vivam.
Desde então, a UNICEF ajuda milhões de
crianças e trabalha em mais de 140 países, sobretudo naqueles que são considerados
em vias de desenvolvimento, através de programas de saúde, educação, nutrição (alimentação), água e saneamento. O escopo é melhorar
as vidas de muitas crianças sem condições em cada dia que passa. Por outro
lado, em cenário de guerra e/ou de catástrofe natural, a UNICEF ajuda
eficazmente as pequenas vítimas.
O dinheiro que a UNICEF utiliza advém de
doações voluntárias de pessoas comuns, dos governos e de ONG (organizações não governamentais) – não são geridas
pelo governo. Uma forma de colaborar acessível às crianças em prol das crianças
que mais precisam consiste no envio de cartões UNICEF aos amigos e familiares.
Outra forma é a oferta da ajuda ativa diretamente nas instalações da UNICEF ou
a contribuição a partir dos pais, motivando-os para a importância desta
organização.
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Neste ano de 2015, o Dia Mundial da Criança ficou marcado por
um episódio protagonizado por cerca de 1500 crianças de Portalegre (envolvendo muitas dezenas de pais, professores e educadores) sob a orientação da
Câmara Municipal e da PSP – a simulação
de um motim.
As crianças foram divididas
entre polícias e manifestantes para simular a situação de motim. Os
mais pequenos puderam entrar nos carros da polícia, sentar-se nas motos, e
saber mais sobre o trabalho das autoridades. A autarquia divulgou fotografias
da ação no Facebook, mas uma delas suscitou duras críticas nas redes sociais: crianças
em idade pré-escolar simulavam um motim; e, enquanto umas faziam de polícia,
outras representavam manifestantes que lançavam “pedras” feitas de papel às “autoridades”.
No final do “motim” as crianças foram instadas a apanhar os papéis do chão e a
colocá-los no cesto. Depois inverteram-se as funções com os “manifestantes” a
tomarem o lugar dos agentes da autoridade. Repetida a cena, apanhados mais uma
vez os papéis, as personagens do jogo entre o bem e o mal, terminaram
“abraçados e aos beijinhos”.
Por mim, pergunto desde já qual era o lado do
bem, as pedradas sobre a PSP ou o carregar da polícia sobre os manifestantes. A
tratar-se de ato pedagógico, é de má conceção!
Do seu lado, as redes sociais escalpelizaram o
episódio como ato de “educação das crianças para um estado policial”, a
ensiná-las que “o direito à manifestação deve ser combatido”, ou como sinal de
falta de inteligência dos responsáveis “para arranjar atividades que incutissem
civismo e valores às nossas crianças”.
Por seu turno, um dirigente do Sindicato dos
Professores da Zona Sul observou que os professores envolvidos “não se
aperceberam do que se terá passado”, por conseguinte, “não tiveram grande
envolvimento” na encenação do “motim” que, para o sindicalista, suscita “várias
leituras do ponto de vista ético”. E a Associação de Pais do Agrupamento de
Escolas do Bonfim, em Portalegre, considerou “não muito feliz” a ação desenvolvida
pela PSP, assegurando que “algo que tinha uma perspetiva pedagógica e que se
fez no bom sentido do termo acabou por ter um resultado não muito feliz”.
A PSP de Portalegre escusou-se a comentar o
episódio, garantindo que a direção nacional da PSP iria assumir publicamente
uma posição, bem como a Associação Socioprofissional da Polícia, que não teceu
comentários sobre o assunto, alegando desconhecer os pormenores.
Porém, a presidente da Câmara de Portalegre interpreta
a indignação expressa nas redes sociais, sobre a simulação com crianças de 6 e
7 anos, como sinal evidente do aproveitamento político que se pretendeu fazer
desta efeméride, que “teve apenas um fundamento e um propósito pedagógico”. Reconhece,
contudo, que a publicação da fotografia “não foi feliz” pelas muitas leituras
que suscita, mas entende que acaba por não retratar “o contexto do que
realmente se passou”, pois “ os miúdos compreenderam perfeitamente o que era
o bem e o mal”.
A autarca-chefe aduz que os gestos que
realçavam os momentos mais emotivos da simulação de motim, suscitavam a
intervenção de um agente da autoridade que instava as crianças a comentar o
sentido das suas atitudes, quer da parte das que faziam o papel de “polícias de
intervenção”, quer das que assumiam a contestação à autoridade, atirando-lhes
com pedras de papel.
Finalmente, a autarca-presidente reforça que
estas atividades “são validadas por pedagogos e realizadas por profissionais”.
Além do mais, a PSP “é uma entidade acima de qualquer suspeita” e a Câmara
“nunca iria dar cobro a uma situação que violentasse quem quer que fosse”.
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É de lamentar que os professores não se tenham
apercebido do teor do exercício, dado que não podem estar numa atividade com
crianças como se de meras figuras decorativas se tratasse.
Não tem razão a Presidente em argumentar com a
validação da atividade por pedagogos (resta
saber a qualidade destes) nem
para a PSP pode servir qualquer tipo de atividade para cumprir o seu plano de
atividades, como não se lhe reconhece especialização pedagógica. Nem pode a
autarca acusar os críticos de aproveitamento político, quando a autarquia é que
merece o piropo.
Se o erro pode e deve constituir uma boa
oportunidade pedagógica, o mesmo não pode ser provocado para dele vir a tirar
partido. A pedagogia não se pode sobrepor à ética.
Eis um sinal da perversidade da entrega da
“escola” aos municípios, quando ela deveria ser gerida pelos docentes, a quem
se deve reconhecer “autoridade”, dar os meios adequados e assacar as devidas responsabilidades.
As crianças merecem o melhor e sem
ambiguidades!
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