sábado, 6 de junho de 2015

O afã da privatização da TAP em vésperas de eleições - ou o valor da amizade negocial

O Público, de 5 de Junho, pela pena de Pedro Sousa Carvalho, recorda a declaração, de 19 de julho de 2014, de António Pires de Lima, o Ministro da Economia, de que “não lançaremos a privatização a poucos meses das eleições legislativas”. Foram estas as palavras firmemente proclamadas pelo insigne governante a propósito da venda da TAP.
Ora, segundo a ideia de calendarização persistentemente assegurada pelo Presidente da República, na linha do desejo “constitucional” da coligação PSD/CDS, as eleições para a Assembleia da República serão o mais tardar a 14 de outubro, segundo a lei eleitoral, mas a 11 de outubro, já que a mesma lei determina que as eleições ocorrerão em domingo ou feriado.
E, não obstante, Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes, declarou, a 5 de junho, prazo-limite da entrega das respetivas propostas definitivas, já otimizadas, dos concorrentes, que “o Governo espera que a Parpública analise rapidamente as duas propostas melhoradas para a privatização da TAP a fim de poder tomar uma decisão no próximo Conselho de Ministros”, como se pôde ler no Expresso on line, de 5 de junho.
O mesmo membro do Governo afirmou também que, embora o Governo desconheça ainda o seu teor e condições,  a receção de duas propostas melhoradas para a privatização da TAP é um “bom sinal”.
E eu pergunto-me como é que um governante consciente pode fazer uma afirmação tão contraditória. Não conhece o conteúdo, mas sabe que os documentos são bons. Isto apenas se compreenderá se nos ativermos ao facto de o Governo estar apostado em fazer da venda da TAP ponto de honra do cumprimento do seu programa eleitoral, o que não faz a propósito de outras matérias relevantes. Ou será que por trás desta correria contra tudo e contra todos, pondo em causa a própria confiança institucional, estarão interesses negociais de privados que é necessário satisfazer?
Tal é a incerteza de Sérgio Monteiro que, em conferência imprensa com a Secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, no Ministério da Economia, na tarde de 5 de junho, formulou o voto seguinte: “Nós esperamos certamente uma melhoria de propostas. É um bom sinal de princípio termos recebido duas propostas [esta tarde], não sabemos ainda os detalhes. Oxalá os candidatos tenham atendido ao repto do senhor ministro”. (vd Liliana Coelho, in no Expresso on line, de 5 de junho de 2015).
Por seu turno, a Secretária de Estado do Tesouro, questionada sobre os valores das novas propostas, disse desconhecer para já esses dados:  “Não temos essa informação ainda. Agora compete à Parpública fazer os relatórios sobre as propostas” (id et ib).
Para Sérgio Monteiro, a TAP tem “valor estratégico”, já que a apresentação de duas propostas melhoradas dá garantias de competitividade no processo de privatização da transportadora aérea.
Não podemos, entretanto, esquecer que a dita melhoria de propostas, feita a contragosto, segundo informação vazada para a opinião pública, resulta do “aviso de amigo” que o Ministro da Economia fez aos candidatos à compra de 61% do capital da TAP.
É caso para concluir que este ministro tem sempre boas razões para deixar cair as suas opções políticas. A mexida favorável ao contribuinte no IRS e o não regresso da taxa do IVA da restauração para os 13% deveram-se à solidariedade que o ministro tem para com o Governo; agora, a venda intempestiva da TAP (de interesse dito público estratégico, financeiro, económico e social) deve-se à solidariedade amiga entre os concorrentes e os governantes: o Governo constrói um caderno de encargos, que garante (?) a marca TAP, o hub em Lisboa, o centro de decisão em Portugal, a manutenção dos postos de trabalho, todas as linhas de navegação aérea de interesse de Portugal, a capitalização da empresa, a assunção dos encargos atuais, a renovação e o aumento da frota; de três necessários para a “validade do concurso”, os dois candidatos mais amigos, aceitam estas condições todas por amizade (o concorrente português, que alegadamente precisava de mais tempo para medir o impacto da greve, foi excluído por não ter apresentado proposta vinculativa); o ministro vem avisá-los em “aviso de amigo” de que têm ainda de melhorar as propostas; e eles, embora a contragosto, melhoraram-nas; e o Governo, embora não conheça o teor, considera-as boas, porque foram entregues no prazo, mostram competitividade – o que significa que a empresa tem valor estratégico.
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Porém, o Secretário de Estado dos Transportes  não garante que seja possível a Parpública analisar o conteúdo das propostas a fim de o Executivo poder tomar uma decisão no Conselho de Ministros da próxima semana. E justifica: 
“Face ao volume de trabalho que se segue nos próximos dias e o interesse do Governo não podemos ainda confirmar timings, depende da velocidade dos envolvidos, mas esperamos poder cumprir. Nós procuramos que a análise seja rápida e pedimos às equipas trabalho nesse sentido”.
Mas esqueceu-se de dizer que a Parpública tem cinco dias para analisar as duas propostas melhoradas apresentadas pelos empresários German Abramovic e David Neeleman, ao passo que o Conselho de Ministros costuma reunir à quinta-feira e não se prevê uma sessão extraordinária, a menos que se adote o timing da criação do Novo Banco e valha a intervenção por e-mail.
Assegurando que o processo da privatização da TAP é transparente, concorrencial e não discriminatório, Sérgio Monteiro referiu a existência de uma comissão independente que “tem acompanhado o processo e que irá elaborar os relatórios que serão entregues ao Tribunal de Contas e à CMVM”. Mais: confia em que a privatização transforme a TAP “numa empresa maior, mais competitiva” e retirada da “situação financeira em que se encontra”.
No entanto, não vá o diabo tecê-las, Sérgio Monteiro, revelou que já está definido um plano de ajustamento para o caso de o processo falhar, dado que a companhia tem de se tornar rentável.
Afinal, onde mora a confiança inabalável no processo e na amizade que enforma o negócio? Não se tratará, antes, de um Plano B alternativo ao caderno de encargos, a ceder ao concorrente vencedor, para que possa contornar melhor no futuro os contornos do caderno de encargos?
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Além disso, o Governo não pode deixar de ter em conta algumas questões que podem torpedear ou, ao menos, dificultar o negócio. A Comissão Europeia quer tudo: respeito pela concorrência, não injeção de capital público em empresas de cariz concorrencial e controlo de capital de empresas de navegação aérea por cidadão europeus.
Quanto ao respeito da concorrência em si, parece não haver problemas especiais. Pelo contrário, empresas de bandeira e/ou que representem o interesse nacional não deveriam estar sujeitas às leis concorrenciais. Quanto à não injeção de capital público na TAP, o Governo tem acatado obedientemente o princípio, sem que alguma vez tenha ousado invocar o interesse público para ultrapassar tal diretiva. Quanto ao último ponto, aceitar a controversa plurinacionalidade de Germán Efromovich ou a questionável legitimação de David Neeleman através da adjacência de um investidor português extremamente minoritário é artifício que parece saber a amarga falta de patriotismo e/ou europeísmo.
Por outro lado, a Associação “Peço a Palavra”, que engloba o movimento “Não TAP os Olhos”, apresentou no Supremo Tribunal Administrativo (STA) uma providência cautelar – já aceite – contra o facto de não ter havido concurso público para a contratação de duas entidades independentes para a avaliação económico-financeira da TAP, o que é exigido segundo a lei-quadro das privatizações.
Bruno Fialho, daquela associação, diz que neste momento “o Governo está impedido de praticar quaisquer atos referentes a esta privatização. Porém, o Conselho de Ministros, reunido no passado dia 4, usou do direito de resposta perante o STA invocando o interesse público na prossecução do processo de privatização, adiantando que esse interesse é conhecido de todos e alegando que a TAP não aguenta ficar mais tempo sem um investidor privado.
Sabemos que essa é indubitavelmente a perspetiva publicamente assumida pelo Governo. Resta saber se essa é a acolhida pelo STA ou se o interesse público que o Governo tem em vista não será o interesse do Governo ou de quem ele queira proteger.
A predita associação manifestou a plena convicção de que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo irá travar” o processo. E o mencionado responsável associativo fala ainda em ilegalidades no processo, explicitando:
“Antes de ter praticado esta decisão, o Governo deveria ter criado um concurso público para que a privatização tivesse uma supervisão. Esse concurso público não foi feito, foi adjudicado, logo estamos aqui perante uma ilegalidade que, na nossa opinião, não é sanável”.
Por outro lado, sabia-se que a associação denunciara a impossibilidade de o Governo vincular o comprador a manter o hub em Lisboa e o centro de decisão em território nacional.
A isto, o Secretário de Estado dizia por telefone ao programa Prós e Contras, da RTP, que não há nada de ilegal no caderno de encargos e, mesmo que houvesse, não ficaria bem aos portugueses denunciar isso. É óbvio que afirmações destas de um homem público não são comentáveis: ou não há ilegalidades ou, se as há, elas devem ser expurgadas de imediato, independentemente de quem as detete.
Também Manuela Ferreira Leite dizia, há dias à TVI 24, que o serviço público terá de ser cumprido e o seu custo tem de estar devidamente orçamentado. Sendo assim, matematicamente tanto dá atribuir esse bolo orçamental aos privados que prestem tal serviço como ser o Estado a responder pelo serviço público. Privatizar ou não… não passa de opção política, como sabemos.
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Segundo Pedro Sousa Carvalho, é caso para perguntar: “se o país não está a ganhar dinheiro com a privatização da TAP, quem estará”?
Vêm aí a eleições, até já se conhecem alguns dos programas eleitorais. E, no dizer de Pires de Lima, o Governo já deu “corda aos sapatos”, está a privatizar a TAP e nada parece travar a intenção de vender a empresa, custe o custar e ainda que não custe nada ou mesmo que a companhia de bandeira nacional seja vendida por um, dois ou três vinténs.
No dizer do mencionado jornalista, “a pressão e a dramatização que colocou na venda da TAP é tal que o Governo deixou pouca ou nenhuma margem de recuo para abortar a operação, mesmo que as propostas”… “sejam más e lesivas para o interesse do Estado”.
Sousa Carvalho refere:
“Há uma pressão enorme para vender a empresa antes da viragem do ciclo político. São escritórios de advogados, são consultores, são facilitadores de negócios, todos de mão estendida à espera dos honorários, das comissões, das avenças e dos success fee.”
E ainda:
“O failure fee, se o negócio for ruinoso para o Estado, ficará para os contribuintes”.
Ora, o Governo, que emana do Parlamento, onde os representantes do Povo estão mandatados para definir os normativos por que as instituições, os cidadãos e os grupos sociais se hão de reger, deveria ser o provedor do interesse nacional e não um subserviente mandatário de interesses privados, alegando “interesse público” por tudo quanto é sítio.
Ainda que a privatização da TAP borregue, não será o fim do mundo. Não seria a primeira vez, mas a terceira. Se Pinto, que está há muito tempo sem contrato de gestão e sem indicações da assembleia geral para a administração da empresa, já está a implementar um plano de reestruturação (que pode passar por despedimentos e supressão de linhas aéreas) para recuperar os prejuízos provocados pela controversa greve dos pilotos, também pode fazer um plano adequado à recuperação dos prejuízos que ele próprio provocou na companhia. E, como sugere Sousa Carvalho, “se tiver de despedir alguém, que ele seja o primeiro da lista”.

Espero que nenhum dos intervenientes em Prós e Contras nos venha a acusar de ignorantes, que é o argumento daqueles que têm a jactância de tudo saber, aduzido contra opiniões adversas.

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