O Público, de 5 de Junho, pela
pena de Pedro Sousa Carvalho, recorda a
declaração, de 19 de julho de 2014, de António Pires de Lima, o Ministro da
Economia, de que “não
lançaremos a privatização a poucos meses das eleições legislativas”. Foram
estas as palavras firmemente proclamadas pelo insigne governante a propósito da venda da TAP.
Ora, segundo a ideia de calendarização
persistentemente assegurada pelo Presidente da República, na linha do desejo “constitucional”
da coligação PSD/CDS, as eleições para a Assembleia da República serão o mais
tardar a 14 de outubro, segundo a lei eleitoral, mas a 11 de outubro, já que a
mesma lei determina que as eleições ocorrerão em domingo ou feriado.
E, não obstante, Sérgio Monteiro,
Secretário de Estado dos Transportes, declarou, a 5 de junho, prazo-limite da
entrega das respetivas propostas definitivas, já otimizadas, dos concorrentes,
que “o Governo espera que a Parpública analise rapidamente as duas propostas
melhoradas para a privatização da TAP a fim de poder tomar uma decisão no
próximo Conselho de Ministros”, como se pôde ler no Expresso on line, de 5 de junho.
O mesmo
membro do Governo afirmou também que, embora o Governo desconheça ainda o seu
teor e condições, a receção de duas propostas melhoradas para a
privatização da TAP é um “bom sinal”.
E eu
pergunto-me como é que um governante consciente pode fazer uma afirmação tão
contraditória. Não conhece o conteúdo, mas sabe que os documentos são bons.
Isto apenas se compreenderá se nos ativermos ao facto de o Governo estar
apostado em fazer da venda da TAP ponto de honra do cumprimento do seu programa
eleitoral, o que não faz a propósito de outras matérias relevantes. Ou será que
por trás desta correria contra tudo e contra todos, pondo em causa a própria
confiança institucional, estarão interesses negociais de privados que é
necessário satisfazer?
Tal é a
incerteza de Sérgio Monteiro que, em conferência imprensa com a Secretária de
Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, no Ministério da Economia, na tarde
de 5 de junho, formulou o voto seguinte: “Nós
esperamos certamente uma melhoria de propostas. É um bom sinal de princípio
termos recebido duas propostas [esta tarde], não sabemos ainda os detalhes.
Oxalá os candidatos tenham atendido ao repto do senhor ministro”. (vd Liliana Coelho, in no Expresso on line, de 5 de junho de 2015).
Por seu
turno, a Secretária de Estado do Tesouro, questionada sobre os valores das
novas propostas, disse desconhecer para já esses dados: “Não temos essa informação ainda. Agora
compete à Parpública fazer os relatórios sobre as propostas” (id et ib).
Para
Sérgio Monteiro, a TAP tem “valor estratégico”, já que a apresentação de duas
propostas melhoradas dá garantias de competitividade no processo de privatização
da transportadora aérea.
Não
podemos, entretanto, esquecer que a dita melhoria de propostas, feita a
contragosto, segundo informação vazada para a opinião pública, resulta do
“aviso de amigo” que o Ministro da Economia fez aos candidatos à compra de 61%
do capital da TAP.
É caso
para concluir que este ministro tem sempre boas razões para deixar cair as suas
opções políticas. A mexida favorável ao contribuinte no IRS e o não regresso da
taxa do IVA da restauração para os 13% deveram-se à solidariedade que o
ministro tem para com o Governo; agora, a venda intempestiva da TAP (de interesse dito público estratégico,
financeiro, económico e social) deve-se à solidariedade amiga entre os
concorrentes e os governantes: o Governo constrói um caderno de encargos, que garante (?) a marca TAP, o hub em Lisboa, o centro de decisão em
Portugal, a manutenção dos postos de trabalho, todas as linhas de navegação
aérea de interesse de Portugal, a capitalização da empresa, a assunção dos
encargos atuais, a renovação e o aumento da frota; de três necessários para a
“validade do concurso”, os dois candidatos mais amigos, aceitam estas condições
todas por amizade (o
concorrente português, que alegadamente precisava de mais tempo para medir o
impacto da greve, foi excluído por não ter apresentado proposta vinculativa); o
ministro vem avisá-los em “aviso de amigo” de que têm ainda de melhorar as
propostas; e eles, embora a contragosto, melhoraram-nas; e o Governo, embora
não conheça o teor, considera-as boas, porque foram entregues no prazo, mostram
competitividade – o que significa que a empresa tem valor estratégico.
***
Porém, o Secretário
de Estado dos Transportes não garante que seja possível a Parpública
analisar o conteúdo das propostas a fim de o Executivo poder tomar uma decisão
no Conselho de Ministros da próxima semana. E justifica:
“Face ao volume de trabalho
que se segue nos próximos dias e o interesse do Governo não podemos ainda
confirmar timings, depende da velocidade
dos envolvidos, mas esperamos poder cumprir. Nós procuramos que a análise seja
rápida e pedimos às equipas trabalho nesse sentido”.
Mas esqueceu-se
de dizer que a Parpública tem cinco dias para analisar as duas propostas
melhoradas apresentadas pelos empresários German Abramovic e David Neeleman, ao
passo que o Conselho de Ministros costuma reunir à quinta-feira e não se prevê
uma sessão extraordinária, a menos que se adote o timing da criação do Novo
Banco e valha a intervenção por e-mail.
Assegurando
que o processo da privatização da TAP é transparente, concorrencial e não discriminatório,
Sérgio Monteiro referiu a existência de uma comissão independente que “tem
acompanhado o processo e que irá elaborar os relatórios que serão entregues ao
Tribunal de Contas e à CMVM”. Mais: confia em que a privatização transforme a
TAP “numa empresa maior, mais competitiva” e retirada da “situação financeira
em que se encontra”.
No
entanto, não vá o diabo tecê-las, Sérgio Monteiro, revelou que já está definido
um plano de ajustamento para o caso de o processo falhar, dado que a companhia
tem de se tornar rentável.
Afinal,
onde mora a confiança inabalável no processo e na amizade que enforma o
negócio? Não se tratará, antes, de um Plano B alternativo ao caderno de
encargos, a ceder ao concorrente vencedor, para que possa contornar melhor no
futuro os contornos do caderno de encargos?
***
Além
disso, o Governo não pode deixar de ter em conta algumas questões que podem
torpedear ou, ao menos, dificultar o negócio. A Comissão Europeia quer tudo: respeito
pela concorrência, não injeção de capital público em empresas de cariz
concorrencial e controlo de capital de empresas de navegação aérea por cidadão
europeus.
Quanto ao
respeito da concorrência em si, parece não haver problemas especiais. Pelo contrário,
empresas de bandeira e/ou que representem o interesse nacional não deveriam
estar sujeitas às leis concorrenciais. Quanto à não injeção de capital público
na TAP, o Governo tem acatado obedientemente o princípio, sem que alguma vez
tenha ousado invocar o interesse público para ultrapassar tal diretiva. Quanto
ao último ponto, aceitar a controversa plurinacionalidade de Germán Efromovich ou a questionável legitimação de David Neeleman
através da adjacência de um investidor português extremamente minoritário é
artifício que parece saber a amarga falta de patriotismo e/ou europeísmo.
Por outro lado, a Associação “Peço a Palavra”, que engloba o
movimento “Não TAP os Olhos”, apresentou no Supremo Tribunal Administrativo (STA) uma
providência cautelar – já aceite – contra o facto de não ter havido concurso
público para a contratação de duas entidades independentes para a avaliação
económico-financeira da TAP, o que é exigido segundo a lei-quadro das
privatizações.
Bruno Fialho, daquela associação,
diz que neste momento “o Governo está impedido de praticar quaisquer atos
referentes a esta privatização. Porém, o Conselho de Ministros, reunido no
passado dia 4, usou do direito de resposta perante o STA invocando o interesse
público na prossecução do processo de privatização, adiantando que esse
interesse é conhecido de todos e alegando que a TAP não aguenta ficar mais
tempo sem um investidor privado.
Sabemos que essa é
indubitavelmente a perspetiva publicamente assumida pelo Governo. Resta saber
se essa é a acolhida pelo STA ou se o interesse público que o Governo tem em
vista não será o interesse do Governo ou de quem ele queira proteger.
A predita associação manifestou a
plena convicção de que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo irá travar”
o processo. E o mencionado responsável associativo fala ainda em
ilegalidades no processo, explicitando:
“Antes de ter praticado esta
decisão, o Governo deveria ter criado um concurso público para que a
privatização tivesse uma supervisão. Esse concurso público não foi feito, foi
adjudicado, logo estamos aqui perante uma ilegalidade que, na nossa opinião,
não é sanável”.
Por outro lado, sabia-se que a
associação denunciara a impossibilidade de o Governo vincular o comprador a
manter o hub em Lisboa e o centro de
decisão em território nacional.
A isto, o Secretário de Estado
dizia por telefone ao programa Prós e
Contras, da RTP, que não há nada de ilegal no caderno de encargos e, mesmo
que houvesse, não ficaria bem aos portugueses denunciar isso. É óbvio que
afirmações destas de um homem público não são comentáveis: ou não há
ilegalidades ou, se as há, elas devem ser expurgadas de imediato,
independentemente de quem as detete.
Também Manuela Ferreira Leite
dizia, há dias à TVI 24, que o serviço público terá de ser cumprido e o seu
custo tem de estar devidamente orçamentado. Sendo assim, matematicamente tanto
dá atribuir esse bolo orçamental aos privados que prestem tal serviço como ser
o Estado a responder pelo serviço público. Privatizar ou não… não passa de opção
política, como sabemos.
***
Segundo Pedro
Sousa Carvalho, é caso para perguntar: “se o país não está a ganhar
dinheiro com a privatização da TAP, quem estará”?
Vêm aí a eleições,
até já se conhecem alguns dos programas eleitorais. E, no dizer de Pires de
Lima, o Governo já deu “corda aos sapatos”, está a privatizar a TAP e nada
parece travar a intenção de vender a empresa, custe o custar e ainda que não
custe nada ou mesmo que a companhia de bandeira nacional seja vendida por um,
dois ou três vinténs.
No dizer do mencionado jornalista,
“a pressão e a dramatização que colocou na venda da TAP é tal que o Governo deixou
pouca ou nenhuma margem de recuo para abortar a operação, mesmo que as
propostas”… “sejam más e lesivas para o interesse do Estado”.
Sousa Carvalho refere:
“Há uma pressão enorme para vender a empresa antes da viragem do ciclo
político. São escritórios de advogados, são consultores, são facilitadores de negócios,
todos de mão estendida à espera dos honorários, das comissões, das avenças e
dos success fee.”
E ainda:
“O failure fee, se o negócio for ruinoso para o Estado, ficará para os contribuintes”.
Ora, o Governo, que emana do
Parlamento, onde os representantes do Povo estão mandatados para definir os
normativos por que as instituições, os cidadãos e os grupos sociais se hão de
reger, deveria ser o provedor do interesse nacional e não um subserviente
mandatário de interesses privados, alegando “interesse público” por tudo quanto
é sítio.
Ainda que a privatização da TAP
borregue, não será o fim do mundo. Não seria a primeira vez, mas a terceira. Se
Pinto, que está há muito tempo sem contrato de gestão e sem indicações da
assembleia geral para a administração da empresa, já está a implementar um plano
de reestruturação (que pode passar por despedimentos e supressão de linhas aéreas) para recuperar os prejuízos provocados pela controversa greve
dos pilotos, também pode fazer um plano adequado à recuperação dos prejuízos
que ele próprio provocou na companhia. E, como sugere Sousa Carvalho, “se tiver
de despedir alguém, que ele seja o primeiro da lista”.
Espero que nenhum dos
intervenientes em Prós e Contras nos
venha a acusar de ignorantes, que é o argumento daqueles que têm a jactância de
tudo saber, aduzido contra opiniões adversas.
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