Como notas prévias, há que esclarecer que os textos bíblicos tratam Deus e
os seus anjos e santos utilizado as formas pronominais da 2.ª pessoa gramatical
do singular e bem como as com ela relacionadas. Assim temos tu,
te, ti, contigo e teu (s), tua (s). Porém, a liturgia em Português
trata estas entidades utilizando a 2.ª pessoa gramatical do plural.
Por outro lado, o texto de Mateus, é
primariamente dirigido a cristãos provindos do judaísmo para lhes explicar que
em Jesus de Nazaré se cumpriram plenamente todas as promessas
veterotestamentárias referentes ao Messias esperado. Por conseguinte, a cada
passo afirma que tudo aquilo sucedeu para que se cumprissem as Escrituras ou
expressão similar (vd Mt 1,22; 2,15.23; 5,17; 8,17; 12,17;
13,35). Além disso, também
o texto de Mateus, na linha tradicional do judaísmo evita, por respeito, a
expressão literal do nome de Deus substituindo-o por palavras equivalentes. Por
exemplo, em vez da expressão Reino de
Deus, Mateus diz Reino dos Céus (vd, por exemplo: Mt 5,3.10; 10,7; 13,11.24.31.33.44.47.52; 18,1.3.4;
19,13-14). E há trechos
no Evangelho de Mateus (vd Mt 5,6-7; 5,9; 7,1-2; 7,7-8) em que se indica a ação de Deus sem O
nomear expressamente (elipse do sujeito lógico).
O
que quer dizer santificado seja o Vosso
nome?
A este propósito o
Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (CCIC), no seu n.º 588, ensina:
Santificar o Nome de Deus é, antes de mais, um louvor que
reconhece Deus como Santo. De facto, Deus revelou o seu santo Nome a Moisés e
quis que o seu povo lhe fosse consagrado como uma
nação santa na qual Ele habita.
Tal ensinamento corresponde
ao que o CIC já formulava no seu n.º 1858:
Ao pedirmos: “santificado seja o vosso nome”, entramos no desígnio
de Deus, que é a santificação do seu nome – revelado a Moisés e depois em Jesus
– por nós e em nós, bem como em todas as nações e em cada homem.
Por seu turno La Biblia
Latino-america (1995, San Pablo) explica (em nota a 6,9):
Santificado sea tu nombre, es decir: Que tu nombre sea
reconocido y proclamado santo! Que tu esplendor u generosidad se vean en
aquellos que han passado a ser tus hijos.
Tendo iniciado a oração como o título/vocativo Pai nosso que estais nos céus, começam as invocações/petições como
o Kadish judaico, santificando o nome de Deus e seguindo
expressa a vontade de que a vontade de Deus e o Reino aconteçam. Com efeito, depois de termos
feito a composição do lugar, colocando-nos na presença de Deus nosso Pai para O
adorarmos, louvarmos amarmos e bendizermos, o Espírito filial faz brotar dos
corações dos crentes sete petições, que são, ao mesmo tempo, sete bênçãos (cf CIC/Catecismo da Igreja Católica, 2803). As três primeiras,
mais teologais, atraem-nos para a glória do Pai; as quatro últimas constituem
como que os caminhos para Ele, expõem a nossa miséria à sua graça: Abismo atrai abismo (Sl 42/41,8). O primeiro conjunto de petições leva-nos até Ele e para Ele: o teu nome, o teu Reino, a tua vontade! É próprio do amor
pensar, antes de mais, n’ Aquele que amamos. Em cada um dos três pedidos, nós
não “nos” nomeamos, mas o que nos move é o “desejo ardente”, “a ânsia” do Filho
bem-amado pela glória de seu e nosso Pai: “Santificado
seja [...], Venha [...], Seja feita...”. São três súplicas que já
foram atendidas no sacrifício de Cristo salvador, mas estão hoje orientadas, na
esperança, para o cumprimento final, enquanto Deus ainda não é tudo em todos (cf CIC, 2804).
No judaísmo, o nome de
Deus é de importância extrema e a honra do seu nome é o núcleo central da piedade
filial. Os nomes não são encarados como simples denominações ou rótulos, mas
como reflexos verdadeiros da natureza e identidade daqueles a quem eles se
referem. Assim, a oração que santificasse o nome de Deus era tida como
equivalente a santificar o próprio Deus. “Santificado seja” é forma verbal na
voz passiva do presente do conjuntivo com força de imperativo (no caso vertente, a formular um pedido, um desejo), não indicando quem é que está a
santificar ou quem é que deve santificar. Já o grego hagiasthêto é o imperativo da voz média na 3.ª pessoa do singular (voz de que o latim não dispõe, pelo que utiliza a passiva). A voz média retira do verbo o sentido
de mero sofrimento da ação, implicando algum empenhamento de alguém (provavelmente de muitos) na ação em causa – penso que, no caso vertente, serão os discípulos, os
orantes. Uma interpretação é de que este segmento constituirá um apelo a todos
os crentes – e um autoapelo – para se empenharem na honra do santo nome de
Deus. E quem vir esta oração primariamente na perspetiva escatológica concebe-a
como uma expressão de desejo pelo fim dos tempos, quando o nome de Deus
será universalmente honrado (cf CIC,2804).
No Novo Testamento –
após a caminhada nem sempre unívoca do povo de Israel – o nome de Deus
significa o próprio Deus que Se revela aos homens. Por isso, Mateus (vd Mt 6,9) quer significar, com a expressão santificado
seja o teu nome, que a sua sublimidade e perfeição infinitas sejam
reconhecidas (cf Is 29,13; 48,11; Ez 36,23; 39,7; Lc 1,49). Na súplica joânica, Pai glorifica o teu nome (Jo 12,28), Jesus roga ao Pai que manifeste o seu poder e a sua majestade. E na
asserção, Revelei o teu nome aos homens
que me deste (Jo 17,6.26) quer dizer que Eu, o teu Filho humanado, Te fiz
conhecer àqueles que Tu levaste à fé (cf Jo 1,18; 6,37.44;
8,19; 12,45; 14,7; Mt 11,27). Por conseguinte, blasfemar o nome de Deus (cf Rm2,24; Ap 16,9) ou o nome do Senhor (1Tm 6,1) ou o belo nome que foi invocado sobre nós (Tg 2,7) significa ofender,
por palavras, a Deus ou ao Senhor Jesus Cristo (cf Dicionário Enciclopédico da Bíblia – Petropólis,1985,
pgs 1047-1048).
O termo santificar deve, pois, ser entendido,
antes de mais, não no seu sentido causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num
sentido estimativo: reconhecer como santo, tratar de um modo santo. É assim
que, na adoração, esta invocação é, por vezes, entendida como louvor e ação de
graças (cf
CIC, 2807).
Mas esta sublime petição é-nos ensinada por Jesus na forma optativa: um pedido,
um desejo e expectativa na qual Deus e o homem estão empenhados.
Desde a primeira petição
ao nosso Pai, imergimos no mistério íntimo da sua divindade e no drama da
salvação da nossa humanidade. Pedir-Lhe que o seu nome seja santificado é
envolvermo-nos “no desígnio benevolente que Ele de antemão formou a nosso
respeito” (Ef 1,9), para que “sejamos
santos e imaculados diante d’Ele, no amor” (Ef 1,4).
A Bíblia de Jerusalém (BJ) põe em evidência o
paralelismo e a correlação temática deste versículo entre Mateus, Lucas e João
e recordando Ezequiel: santificado seja o teu nome (Mt 6,9); santificado seja
o teu nome (Lc 11,2); e agora Tu, ó Pai, manifesta a minha glória junto
de ti, aquela glória que Eu tinha junto de ti, antes de o mundo existir (Jo 17,6); Eu dei-lhes a conhecer quem Tu és e continuarei a
dar-te a conhecer, a fim de que o amor que me tiveste esteja neles e Eu esteja
neles também (Jo 17,26); quero santificar o meu santo nome, que vós
aviltastes, profanastes entre as nações, para que eles saibam que Eu sou o
Senhor – oráculo do Senhor Deus – quando a seus olhos for santificado por vós (Ez 36,23).
Em consonância com o oráculo de
Ezequiel, a Bíblia do Peregrino (BP) traduz o segmento
desta reflexão como “seja respeitada a santidade, a santidade do teu nome”, e observa que: neste
contexto, santificar não é dar santidade, mas reconhecê-la; já no livro dos
Números, Deus censura os hebreus por eles não O terem santificado (cf Nm 27,14 – Vós
transgredistes as minhas ordens no deserto de Cin, quando a assembleia se
revoltou, em vez de fazerdes reconhecer a minha santidade pelas águas diante
deles); também os Salmos e
Isaías enaltecem a santificação do nome de Deus (Sl 99/98,3.5-6.9;
Is 6,3- o triságio; 29,23- bendirão o meu nome); em Ezequiel, é profetizada a
santificação do nome de Deus entre todas as nações, superando a profanação
lamentavelmente ocorrida (vd Ez 36,20-23; e BP, acima referenciada); o oposto à santificação do nome de
Deus é a sua profanação (fazer mau uso do nome de Deus, invocar o
nome de Deus em vão – vd Ex 20,7; Dt 5,11).
A Tradução Ecuménica da Bíblia (TOB) traduz o segmento em
referência como “dá a conhecer a todos quem tu és”, observando que: a tradução
literal seria, “que o teu nome seja santificado”; o Nome de Deus é (aliás, como já vimos) o termo bíblico tradicional para
designar respeitosamente o seu “ser”, principalmente nos textos cultuais, sendo
que “santificar” a Deus ou ao seu “Nome” é expressão recorrentemente utilizada
na Bíblia e no judaísmo; como Deus é “Santo” por excelência, a expressão
reconhece e proclama tal facto e presta glória a Deus (cf Jo 12,28).
A Bíblia e o judaísmo conhecem dois
modos de santificar a Deus e o seu nome: os legistas e rabinos exortavam
os fiéis a santificar a Deus pela obediência aos seus mandamentos (cf Lv 22,31-33; Nm 27,14; Dt 32,51; Is 8,13; 29,13); os profetas anunciavam
que Deus vai santificar-se, manifestando-se aos olhos de todas as
nações como justo Juiz e Salvador (cf Is 5,16; Ez 20,41;
28,22; 36,23; 38,16; 38,23; 39,27).
Assim como a vinda do Reino de Deus, também
a santificação do nome de Deus somente pode ser assegurada pela ação
do próprio Deus.
Como
é santificado o Nome de Deus em nós e no mundo?
Santificar o Nome de Deus,
que nos chama à santificação (1Ts 4,7), é desejar que a consagração batismal vivifique
toda a nossa vida. É pedir, além disso, com a nossa vida e a nossa oração, que
o Nome de Deus seja conhecido e bendito por todos os homens (cf CCIC,589).
Neste modo de
santificação entra necessária e ativamente Deus e é desejável que entre o
homem, a exemplo de Cristo.
Quanto a Deus, não há margem
para dúvidas. Nos momentos decisivos da sua economia de Salvação, Deus revela o
seu nome; mas revela-o através da realização da sua obra – obra que só se
realiza, para nós e em nós, se o seu nome for santificado por nós e em nós (vd CIC, 2808). Por outro lado, a
santidade de Deus é o foco inacessível do seu mistério eterno. Ao que dela se
manifestou na criação e na história, a Escritura chama Glória à irradiação da sua majestade. Ao
fazer o homem “à sua imagem e semelhança” (Gn 1,26), Deus “coroa-o de glória” (Sl 8,2.6), mas, ao pecar, o homem
é “privado da glória de Deus” (vd CIC, 2809; Rm 1,23). Desde então, Deus vai manifestar a sua
santidade revelando e dando o seu nome, para restaurar o homem “à imagem do seu
Criador” (Cl 3,10).
Na promessa abraâmica e no
juramento que a acompanha, Deus compromete-Se a Si mesmo sem revelar o seu
nome. Foi, depois, a Moisés que o Senhor começou a revelá-Lo e manifestou-O à
vista de todo o povo salvando-o do Egito: revestiu-Se
de glória (Ex 15,1). A partir da Aliança sinaítica,
este povo é seu e deve ser uma nação santa – ou consagrada: em hebreu, santo
e consagrado dizem-se da mesma forma (vd CIC, 2810) – porque nela habita o
nome de Deus.
Contudo, apesar da Lei santa que
o Deus santo lhe deu e tornou a dar e embora o Senhor, por respeito pelo seu
nome, usasse de paciência, o povo desviou-se do Santo de Israel e profanou o
seu nome entre as nações (cf CIC 2811). Ao invés, os justos da Antiga Aliança, os pobres retornados do
exílio e os profetas arderam de paixão pelo Nome, o que hoje é pedido a todos.
É, porém, em Jesus que o
nome do Deus santo nos é revelado e dado, na carne, como salvador (cf CIC 2812): revelado pelo que Ele
é, pela sua Palavra e pelo seu sacrifício. É o coração da sua oração
sacerdotal: Pai santo, [...] por eles Eu
me consagro para que também eles sejam consagrados na verdade (Jo 17,19). Porque Ele próprio santifica o seu nome, é que Jesus nos manifesta o nome do Pai. No termo da sua Páscoa é que o Pai Lhe dá
então o nome que está acima de todo o nome: Jesus
é Senhor para glória de Deus Pai (Fl 2,10).
Quanto
a nós, cumpre-nos uma atitude permanente de ativa resposta à iniciativa do Pai,
tornada mais próxima de nós e mais acessível por obra do Filho e animada pelo
Espírito.
Assim, nós, que, na e
pela água do Batismo, fomos purificados,
santificados, justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do
nosso Deus (1Cor 6,11), sabemos que em toda a
nossa vida, o Pai nos chama à santidade
(1Ts 4,7) e, dado que é por Ele que estamos em Cristo, que
Se tornou para nós [...] santidade (1Cor 1,30), interessa à sua glória e à nossa vida que o seu
nome seja santificado em nós e por nós. Tal é a urgência da nossa primeira
petição (cf
CIC 2813).
Em todo o caso, uma questão
se pode levantar: Por quem poderia Deus
ser santificado se é Ele próprio quem santifica? Ora, porque Ele mesmo
disse “sede santos, porque Eu sou santo”
(Lv 14,44), nós que fomos santificados no Batismo, pedimos
e rogamos para perseverar no que já começámos a ser. E pedimo-lo todos os dias.
Precisamos de uma santificação quotidiana para que, incorrendo em faltas todos
os dias, todos os dias sejamos delas purificados por uma santificação assídua
[...] Portanto, oramos para que esta santificação permaneça em nós.
Depende inseparavelmente
da nossa vida e da nossa oração que o seu nome seja santificado
entre as nações:
Pedimos a Deus que o seu
nome seja santificado, porque é pela santidade que Ele salva e santifica toda a
criação. [...] Este é o nome que dá a salvação ao mundo perdido. Mas nós
pedimos que este nome de Deus seja santificado em nós pela nossa atuação. Porque se nós agirmos bem, o nome
de Deus é bendito; mas é blasfemado se agirmos mal. Escuta o que diz o
Apóstolo: O nome de Deus é blasfemado entre
as nações, por causa de vós (Rm 2,24).
Nós, portanto, pedimos
para merecermos ter tanta santidade nos nossos costumes quanto é santo o nome
de Deus (cf
CIC 2814).
Quando dizemos, Santificado seja o vosso nome, pedimos
que ele seja santificado em nós que estamos n’Ele, mas também nos outros, por
quem a graça de Deus ainda está à espera, para nos conformarmos com o preceito
que nos obriga a orar por
todos, mesmo pelos nossos
inimigos (cf Mt
5,44). É por
isso que nós não dizemos expressamente: santificado seja o vosso nome “em nós”,
porque pedimos que o seja em todos os homens. Esta petição, que as inclui
todas, é atendida pela oração de Cristo, como as restantes seis petições que se
seguem (cf
CIC 2815). A
oração que fazemos ao Pai é nossa, se for rezada em nome de Jesus e com o seu espírito. Na sua oração sacerdotal,
Jesus pede: Pai santo, guarda em teu nome
aqueles que Me deste (Jo 17,11).
Enfim, santificar o Nome de Deus postula
que O glorifiquemos não só dentro dos muros das igrejas nas orações comuns ou
apenas em nossa casa (silenciando-O e afastando-nos de tudo o
que tem a ver com o mundo), mas: pronunciando-O, cantando-Lhe os nossos cânticos e dando-O a
conhecer; contando com Ele, quando estão em causa assuntos do mundo; manifestando
que o Nome de Deus é mais importante, para nós, do que todos os nomes dos
poderosos por quem sentimos muito respeito e admiração; dando-O a conhecer
entre as nações, pois quando o Nome de Deus é santificado, também o nosso é
santificado com Ele; e chamando os outros pelo seu nome, tanto os que estão
perto como os que estão longe, não precisando de humilhar o nome do outro receando
que o nosso seja esquecido, mas tendo confiadamente em conta a palavra do Senhor,
dirigida a cada um: “Não tenhas medo...
chamei-te pelo teu nome: tu és meu (Is 43,1).
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