Passando hoje, dia 12 de junho, o
30.º aniversário da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE, será
oportuno relembrar o acontecimento, as diligências prévias e algumas das consequências.
Efetivamente, a
12 de junho de 1985, Portugal assinou o tratado de adesão à Comunidade
Económica Europeia (CEE). O Primeiro-Ministro,
Mário Soares, liderou a comitiva que, após as necessárias diligências, algumas
bem duras (Que o diga o Dr.
António Marta, responsável pela condução técnica das negociações!), formalizou, nos Claustros do Mosteiro dos Jerónimos, a entrada do país
no projeto europeu.
Portugal atravessava uma grave crise
financeira, acentuada pela recessão da economia mundial. Com efeito, no decurso
da revolução de 25 de abril de 1974, a perda do razoável mercado colonial, acrescida
da necessária integração de milhares e milhares de residentes nas antigas
colónias – aos quais se deu a denominação de retornados nacionais – a economia portuguesa
ficou numa visível situação periférica e com uma acentuada dependência externa.
Foi nesse contexto que o país começou a olhar fixamente para o mercado europeu (o mercado comum) e formalizou o pedido de adesão à CEE em
1977. Porém, foi só na década seguinte que esse pedido teve resposta efetiva (assinado a 12 de junho de 1985, entrou em vigor a 1 de
janeiro de 1986), em simultâneo com a Espanha, naquele que
foi o 3.º alargamento do grupo europeu.
A Comunidade Económica Europeia faz parte
do processo de formação do que hoje é a União Europeia (UE), que teve, na sua
origem, a intenção de fomentar o progresso económico, a liberdade e uma paz
duradoura entre os estados vizinhos da Europa. Tem a sua origem em
1950 na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) com seis países
fundadores: Alemanha, Bélgica, Itália, França, Luxemburgo e os Países
Baixos, que deram os primeiros passos para a união dos países da Europa.
***
Se a situação económica portuguesa
refletia os sobressaltos que as consequências da revolução de abril trouxe ao
país e aos seus nacionais, a conjuntura europeia estava marcada por grandes mudanças estruturais dentro da própria organização
transnacional, facto que, por várias vezes, conduziu a considerável atraso das
negociações da adesão.
De facto, o
pedido de adesão havia sido formalmente acolhido a 28 de março de 1977, tendo
apenas sido aprovado a 29 de março de 1985, depois de muita pressão do governo
do Bloco Central político. O tempo de apreciação foi de oito anos e um dia,
período durante o qual a CEE se foi certificando da solidez e credibilidade do
novo sistema político português, concedendo ao mesmo tempo algumas ajudas
monetárias ao abrigo dos acordos anteriores.
As questões
levantadas durante o tempo das negociações centraram-se na agricultura, nas
pescas e na indústria portuguesa, bem como na necessidade de Portugal não se
tornar num contribuinte líquido do orçamento comunitário, numa primeira fase.
O texto
assinado em 1985 impunha uma fase transitória de acordo com as liberdades a
serem instituídas no espaço europeu – pessoas, bens e capitais. Assim, a
liberdade de trabalhadores só entrou em vigor a partir de 1993, enquanto a
liberdade de estabelecimento teve efeito imediato, o que era vantajoso sobretudo
para os países ricos. Quanto à circulação de bens, o limite estabelecido foi
também janeiro de 1993, de forma que Portugal tivesse tempo de suprimir os
direitos aduaneiros para passar a reger-se pela PEC (Pauta Exterior Comum). No atinente à liberdade de circulação de capitais,
Portugal mostrou-se mais conservador, tentando proteger as empresas nacionais
do domínio europeu, beneficiando para tal de alguma tolerância. O mesmo tipo de
política protecionista foi aplicado a setores-chave como o dos têxteis e da
agricultura, onde a evolução foi feita lentamente de modo a possibilitar a
remodelação (ou
reconversão) do sistema agrícola.
Relativamente à tributação, Portugal não conseguiu deixar de vir a tornar-se
num contribuinte líquido, apesar de ter conseguido a devolução parcial do IVA
até 1991. Por outro lado, o país beneficiou dum sistema de ajudas monetárias
que visava o apoio ao desenvolvimento do país e a sua real integração no
conjunto europeu.
Pelo Tratado
firmado, como se disse, a 12 de junho de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos, Portugal
foi admitido efetivamente como membro de pleno direito da Comunidade Económica
Europeia (CEE).
***
Entre o pedido de
adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1977, até à assinatura
do Tratado, em 1985, decorreram oito anos e um dia de negociações integrando
pareceres, acordos e declarações, tendo-se registado diligências públicas significativas
em relação a esta matéria nos anos de 1977, 1978, 1980, 1982, 1984 e 1985.
A 11 de março de 1977,
na sua alocução alusiva ao pedido, Mário Soares classificava o ato como:
Em primeiro lugar, desafio para Portugal, pois não
ignoramos de modo algum as nossas fraquezas nem as nossas atuais dificuldades.
Desafio também para a Europa, pois, ao bater-lhe à porta, sentimos que
exprimimos a dimensão europeia das mudanças políticas e sociais ocorridas ou em
curso no sul da Europa. Ignorar esta realidade nova só iria aumentar as
diferenças que separam ainda, em termos económicos, esta Europa do sul da
Europa do norte, com todos os perigos de desintegração e de rutura para a
Europa, a longo prazo.
Tomando em
consideração aqueles largos anos de negociações, é possível estabelecer uma
cronologia com os elementos seguintes:
- 11 de março de 1977 – o Primeiro-Ministro
português, Mário Soares, explica as razões do pedido de adesão, no decorrer de
uma visita à Comissão, em Bruxelas.
- 28 de março de 1977 – o Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, José Medeiros Ferreira, dirige uma carta
ao Presidente do Conselho, onde, em conformidade com a posição tomada pela
Assembleia da República, é pedida a adesão de Portugal à Comunidade Económica
Europeia, de acordo com o disposto no artigo 237.º do Tratado que institui a
CEE.
- 20 de abril de 1978 – a Comissão Europeia faz uma comunicação
sobre o alargamento onde analisa a situação dos diferentes setores da economia
portuguesa.
- 19 de maio de 1978 – a Comissão Europeia pronuncia-se a favor da adesão,
tecendo considerações complementares sobre a forma como Portugal estava a
assimilar as políticas e os regulamentos comunitários e sobre o modo como o
poderia fazer futuramente.
- 6 de junho de 1978 – o Conselho de Ministros da Comunidade Económica Europeia
pronuncia-se, por unanimidade, a favor do pedido português.
- 18 de dezembro de 1980 – sendo Carlos Alberto da Mota Pinto o Primeiro-Ministro, é aprovado o acordo, sob
forma de troca de cartas entre a Comunidade Económica Europeia e a República
Portuguesa, relativo à criação de uma ajuda de pré-adesão a favor de Portugal,
que totalizou 100 milhões de ecus (O
ecu era a moeda de referência para as permutas financeiras no quadro da CEE:
ainda não havia o euro, circulando no respetivo país amoeda nacional) e se destinou a projetos
ou programas de melhoramentos das estruturas industriais, modernização dos setores
agrícola e das pescas e desenvolvimento de infraestruturas.
- 17 de novembro de 1982 – sendo Francisco
Pinto Balsemão o Primeiro-Ministro, por
resolução do Parlamento Europeu (JOCE
C 334/82, pg. 54), o PE reitera a vontade política de ver a Espanha e
Portugal juntarem-se à Comunidade, o mais tardar a 1 de janeiro de 1984.
- 25 e 26 de junho de 1984 – o Conselho Europeu de Fontainebleau confirma que as
negociações para a adesão de Espanha e Portugal devem ser concluídas, o mais
tardar, até 30 de setembro de 1984, comprometendo-se até lá, a Comunidade a
envidar esforços, designadamente criando as condições adequadas para o êxito do
alargamento quer nas negociações com Espanha relativamente ao setor das pescas
quer na reforma da organização comum do mercado do vinho.
- 24 de outubro de 1984 – é assinada, em Dublin, uma Declaração Comum do Conselho Europeu, Governo
Português e Comissão Europeia, tendo tanto a Comunidade como Portugal
constatado um consenso sobre um número importante de capítulos das negociações
e sendo definido o objetivo de o novo alargamento da Comunidade se tornar uma
realidade em 1 de janeiro de 1986.
- 18 de dezembro de 1984 – é adotado o segundo acordo de pré-adesão, em que se se estabeleceu uma comparticipação financeira de
50 milhões de ecus, visando essencialmente as estruturas dos setores agrícola e
das pescas.
- 31 de maio de 1985 – a Comissão Europeia
emite parecer ao Conselho favorável à adesão, considerando que o alargamento
das Comunidades ao Reino de Espanha e à República Portuguesa contribuirá,
nomeadamente, para consolidar a defesa da paz e da liberdade na Europa.
- 11 de junho de 1985 – o Conselho decide que o Reino de Espanha e a República
Portuguesa podem tornar-se membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e,
ao mesmo tempo, noutra decisão da mesma data, aceita igualmente os pedidos de
admissão destes países na Comunidade Económica Europeia e na Comunidade
Europeia da Energia Atómica (CEEA).
- 12 de junho de 1985 – é assinado o
Tratado de Adesão da República Portuguesa à Comunidade Económica Europeia (CEE)
e à Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA) em Lisboa, nos Claustros do
Mosteiro dos Jerónimos.
Por força do Tratado, que
entraria em vigor a 1 de janeiro de 1986, Portugal torna-se o 11.º membro das
Comunidades.
Assinaram o Tratado: o
Primeiro-Ministro, Mário Soares, o Vice-Primeiro-Ministro, Rui Machete, o
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, e o Ministro das Finanças e do
Plano, Ernâni Lopes.
Mário Soares, no seu discurso
da cerimónia referiu-se à adesão nos termos seguintes:
Para Portugal, a adesão à CEE representa uma opção
fundamental para um futuro de progresso e modernidade. Mas não se pense que
seja uma opção de facilidade. Exige muito dos portugueses, embora lhes abra
simultaneamente, largas perspetivas de desenvolvimento.
***
A circunstância política que então contextualizou
a assinatura do tratado constituiu desde logo um mau presságio: o Primeiro-Ministro
que assinou o documento que vinculava Portugal estava já sob a espada do
anátema sobre o Governo em funções, já que a rodagem de um determinado automóvel
à cidade da Figueira da Foz levou a que o congresso do PSD ditasse uma nova
liderança partidária na pessoa de Cavaco Silva, que anunciou denunciar o contrato
de legislatura com o PS imediatamente após a assinatura daquele documento, ato
que ia implicar, a muito curto prazo, a dissolução da Assembleia da República,
a que se seguiriam eleições legislativas e a consequente destruição do Governo
do bloco central político.
Garantia-se a liberdade de circulação de pessoas,
capitais e bens e a empregabilidade em qualquer país do espaço europeu. Tornámo-nos
um país de subsídio-dependentes, enquanto se esmigalharam a agricultura, as grandes
empresas, as pescas, a marinha mercante. A floresta arde em grandes dimensões
em cada verão (cada vez mais longo) que passa, país fica
esmagado pelas diretivas da UE – o novo rosto da CEE – que atingem todos os setores
da vida dos cidadãos dos Estados-Membros. As forças armadas portuguesas são o
mártir da penúria financeira e do despeito governamental. Sendo difícil
reeditar o bloco central político, mantém-se de pedra e cal o bloco central de interesses
e, também por isso, a alternância política em pouco ultrapassa as malhas de
estilo, fracassada que foi a política da 3.ª via. Os capitais circulam efetivamente,
mas usualmente de dentro para fora, se excetuarmos os legais RERT (regimes excecionais de regularização tributária)
Passados 30 anos, é mesmo preciso relançar
o debate sobre o projeto europeu e proceder à criação de um sistema que induza
a articulação entre a supervisão europeia e autonomia de Cada Estado-Membro. Talvez
seja proveitosa a retoma do texto de Mário Soares, em 1977, acima transcrito. Haja
vontade política em cada país e lucidez nas instituições europeias!
***
Cf A assinatura da adesão à CEE [em linha]. http://ensina.rtp.pt/artigo/a-assinatura-da-adesao-a-cee/, ac. 2015-06-12
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