quarta-feira, 10 de junho de 2015

Também oficiais das Forças Armadas ficaram fora do 10 de Junho

Também a AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas) tomou a decisão de não participar nas comemorações do 10 de Junho, presididas por Cavaco Silva, em Lamego, devido ao modo como os militares vêm sendo tratados pelos sucessivos governos, sendo a gota de água que fez transbordar a taça da indignação dos oficiais a recente promulgação do novo EMFAR (Estatuto dos Militares das Forças Armadas).
***
É certo que o modo despiciente com que o poder político encara a instituição militar começou no consulado primoministerial de Cavaco Silva, por exemplo: com a famigerada lei – conhecida como lei dos coronéis – que levou inúmeros oficiais a solicitar a passagem a reserva e à reforma, com o fito da reestruturação dos serviços do Ministério da Defesa Nacional (MDN), substituindo muitos dos seus ocupantes militares por civis; com a extinção das unidades de comandos; e com a preparação da supressão do serviço militar obrigatório. Se bem me recordo, como reação à política definida pelo Governo, o então Presidente Mário Soares, que alguns dizem não nutrir especial afeição pelas forças armadas, mas era justo, opôs o seu veto político à aprovação da dita lei dos coronéis, que veio a promulgar pelo facto de ela ter sido confirmada pela Assembleia da República nos termos constitucionais; e, antes da sua efetiva extinção, impôs ao Regimento de Comandos o grau de Membro Honorário da Ordem Militar de Avis, no que foi acompanhado pelo Ministro da Defesa Nacional.  
Desde então, a degradação da situação das forças armadas não parou de se acentuar, muito embora os militares tenham sabido mover-se por entre as adversidades conseguindo desempenhar-se cabalmente das missões que lhes são confiadas. Todavia, instituiu-se o regime de voluntariado que, por via da contratação, constituiu uma alternativa minorada ao serviço militar obrigatório (SMO) ou serviço efetivo normal (SEN); criou-se o Dia da Defesa Nacional, jornada obrigatória para ensejo de motivação para a vida militar e abriu-se a instituição militar aos indivíduos do sexo feminino.
E o MDN passou a ter servidores civis em maior número que o dos militares. Nada mal, se a passagem tivesse sido mais progressiva (com a aplicação da lei dos coronéis alguns militares reservistas e/ou reformados tiveram de ser repescados para os serviços do MDN) e se o serviço prestado fosse de maior qualidade. E, se é certo que a defesa não se cinge à componente estritamente militar – e, segundo alguns, nem é esta a componente mais importante da defesa – não podem os poderes políticos dar-se ao luxo de subestimar as suas forças armadas, às quais “incumbe a defesa militar da República” (CRP, art.º 275.º/1), a satisfação dos “compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte(id, n.º 5) e, eventualmente, a colaboração “em missões de proteção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, e em ações de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação” (id, n.º 6).
Ademais, o atual Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas é o primeiro presidente da nova República que cumpriu o serviço militar, pelo que se lhe exige, em coerência com a sua alegada e apurada ciência das matérias presidenciais, uma especial perceção da problemática militar. Porém, os ministros civis, desde o seu tempo de primeiro-ministro, não têm sido melhores do que ele (se, em certa medida, excetuarmos o Dr. Paulo Portas). A OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, SA foi privatizada em 65% do capital para a brasileira Embraer (Um determinado MDN teve a ousadia de afirmar publicamente que as OGMA não sabiam que estavam a reparar motores de avião da Indonésia porque os motores não têm n.º de origem!) e os ENVC (Estaleiros Navais de Viana do Castelo) foram subconcessionados ao grupo Martifer; e a falta de meios nas Forças Armadas para o quotidiano é recorrente. Mas o atual MDN tem sido exemplar no tratamento despiciente dos militares.
***
A respeito do novo EMFAR, o presidente da AOFA), Manuel Martins Pereira Cracel, declarou à agência Lusa:
“Seria uma incongruência manifestar descontentamento com o que se passa com os militares e agora participar num evento com o qual até nos sentimos sentimentalmente irmanados. Depois dos acontecimentos recentes que culminaram na publicação do estatuto que penaliza gravemente os militares e desrespeita e não honra aqueles que juraram defender a pátria, não faz sentido”.
O mesmo responsável fez ainda questão de lembrar que, há poucos dias (mais propriamente, a 29 de maio), uma pequena, mas simbólica delegação da AOFA, representativa dos três ramos das Forças Armadas, quis devolver condecorações recebidas por serviços prestados em combate (com um documento justificativo desta postura) para contestar o novo EMFAR, que, por exemplo, estabelece o aumento da idade da reforma de 65 para 66 anos, a partir de 2016, além de desenhar um outro modelo de convocação de militares na reserva para o desempenho de funções, mas foi impedida de se aproximar do Palácio de Belém por um forte cordão policial, como se de uma grande manifestação se tratasse. “Não fazia agora sentido estarmos presentes quando num gesto simbólico quisemos entregar as medalhas com que fomos condecorados” – recordou.
Com esta atitude, a AOFA engrossou a fila dos convidados que declinaram o convite presidencial, juntando-se à ANS (Associação Nacional de Sargentos) e à AP (Associação Nacional de Praças), que aduziram a ausência como protesto pela forma despiciente como os militares são tratados pelo poder político.
Desta forma, o coronel Pereira Cracel adiantou à Lusa que, em contrapartida, os oficiais associados da AOFA iriam, este ano, comemorar o 10 de Junho em Belém, junto ao monumento que homenageia os combatentes do Ultramar, à semelhança do que tem acontecido em anos anteriores, já que, habitualmente e paralelamente às cerimónias presididas pelo Comandante Supremo das Forças, realizam uma cerimónia de homenagem neste dia.
Assim, a AOFA juntou-se, este ano, à ANS e à AP no boicote que estes têm feito às comemorações do 10 de junho, que decorrem em Lamego, neste ano.
Neste sentido, José Gonçalves, presidente da ANS, declarou:
“Os serviços da Presidência e o Presidente têm tido uma ação incompreensível para com homens honrados que servem o país em várias tomadas de posição e perante medidas diversas. A grande novidade, este ano, é que os oficiais vêm ao encontro do protesto de sargentos e praças, finalmente”.
Entretanto, assegurou que os militares “farão o seu 10 de Junho, como sempre, junto ao monumento pelas vítimas da Guerra Colonial, em Belém”.
Segundo a ANS, o momento evocativo do 10 de Junho, hoje quarta-feira, Dia de Portugal, organizado pela Liga dos Combatentes, teria início às 10 horas e contaria com uma intervenção do presidente da comissão organizadora da homenagem, o general Leonel de Carvalho, e outra de um filho de um militar tombado em combate.
Entretanto, o Presidente da República, cuja postura para com a instituição militar tem sido a que sabemos, teve a ousadia de, no seu discurso, defender que não se devia fazer qualquer reforma da instituição militar sem ter em conta a motivação dos militares, assegurando, não sei como, que não é por uma lei estar publicada que a reforma está feita e que esta deve continuar (?!).
***
Também os lesados do BES ficaram fora das comemorações. Como se pode ler no Expresso, de hoje, on line, “durante as cerimónias militares que comemoram o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, em Lamego, os protestos e apupos não se fizeram ouvir. Mas, à margem da cerimónia, junto à estátua do Soldado Desconhecido, mais de 100 lesados do papel comercial do BES protestavam e gritavam para ser ouvidos”.  
Foi após o termo da cerimónia militar que os ânimos se exaltaram mais. Para além das buzinas e sirenes que se ouviam, bem como os gritos de “justiça” e “queremos o nosso dinheiro”, os manifestantes tentavam romper o cordão policial que limitava o seu perímetro de manifestação, de modo que a unidade especial de polícia encarregada do evento e desta ocorrência, se obrigou a redefinir esse perímetro na Avenida Dr. Alfredo de Sousa, recolocando as baias de segurança. 
Em declarações à SIC Notícias, Ricardo Ângelo, da Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial do BES, confessou que “nós já não conseguimos controlar estas pessoas” e que “sentimo-nos encurralados, sentimos que estamos a ser rejeitados”. Apesar de tudo, garantiu que os manifestantes não têm a intenção de “ser violentos”. 
Assegurou que, não desrespeitam “a figura do Presidente da República”, mas que esperam “da parte dele atos reais, não fictícios, porque fictícios estamos nós fartos de ver”.
Ricardo Ângelo revelou, ainda, que os manifestantes tinham sido escoltados desde a autoestrada A24 até àquela avenida e que não lhes fora permitido assistir à cerimónia. “Estamos aqui enjaulados e não podemos demonstrar a nossa indignação a quem de direito”, sublinhou, acrescentando que o objetivo não era interferir nas manifestações, mas apenas entregar uma carta ao Presidente da República, para que interceda por eles. 
Porém, o insólito é que a população da cidade também se sentiu impedida de aceder ao recinto das cerimónias e às suas imediações – tal era o ambiente de condicionamento do trânsito e de controlo das pessoas. A cidade limitou-se a ser palco destas comemorações – situação que peca por tardia, já que esta cidade chegou a dispor de, em simultâneo, uma caterva de unidades militares: Quartel de Santa Cruz, Quartel da Cruz Alta, Quartel de Quintela, Messe de Oficiais, Messe de Sargentos, Secretaria Regimental e DRM (Distrito de Recrutamento e Mobilização).
***
Do meu ponto de vista, é de lamentar que a cidade de Lamego – que tanto acarinhou os militares e sofreu os incómodos da intensa e diversificada instrução dada, durante anos e anos, às tropas de quadrícula e às tropas especiais (rangers, do CIOE, comandos, do COE, e instruendos da Escola de Sargentos), democraticamente acolheu, em 1958, a sessão pública da candidatura de Humberto Delgado e deu forte contributo, através dos seus militares, ao “25 de Abril” e ao “25 de Novembro” – bem merecia a presença de todos os militares, mesmo os forte e razoavelmente descontentes. E merecia não apenas ser o palco das comemorações do Dia de Portugal de Camões e das Comunidades, mas sentir-se participante da celebração numa perspetiva inclusiva e nacional da portugalidade camoniana e humanista (numa das mãos a espada e na outra a pena), em que a componente militar e a componente civil se entrecruzam em termos da devida proporcionalidade e da hierarquia das instituições e equilíbrio dos poderes.
Por isso, não percebo como os presidentes das associações militares, embora eles tenham total razão nas suas razões, não disseram presente numa cerimónia nacional militar integrante do Dia de Portugal. Mas não percebo o porquê da escolta férrea aos manifestantes em Lamego, quando a mesma corda de segurança não se fez antanho em torno de outras manifestações alhures.
Quanto à população da cidade de Lamego, será que ela terá de continuar a pagar o ostracismo a que a votou o Estado Novo (com a boa exceção do ministro Henrique Veiga de Macedo) por ter democraticamente recebido Humberto Delgado ou Marcelo Caetano (ainda em 11 de abril de 1974), esquecendo-se os poderes de que, tal como outras localidades, contribuiu para a afirmação da portugalidade em África, Ásia e Oceania, que, por si, deu a mão com seus recursos, esperanças, temores, simpatia e cumplicidade aos militares que se preparavam para a guerra e exercitou a democracia aprendida, mas não alinhada com o “cavaquistão” distrital?
Finalmente, se é verdade que a denominação de “cidade das cortes” não é sustentável do ponto de vista histórico, não se pode esquecer que foi com o nome de Lamego que se arquitetou, no século XVII, o mito (ou não) das cortes de Lamego, na igreja de Santa Maria de Almacave, para justificar a legitimidade da restauração da independência e o sistema de aclamação em cortes de pretendente ao trono que não descendesse de rei na linha reta. E, ainda, foi o Bispo de Lamego, Dom Miguel de Portugal, o emissário do Reino que junto da Santa Sé teve a espinhosa missão de justificar e fazer aceitar a independência de Portugal face ao regime filipino.
Ora, como é que uma cidade serve para umas coisas e não para outras?

Sem comentários:

Enviar um comentário