O site zenit.org – O Mundo
visto de Roma – noticiou, a 25 de fevereiro, que um mendigo fora sepultado
no Cemitério Teutónico ou Campo Santo Teutónico. Com efeito, Willy Herteleer, flamengo, mendigo e sem teto (ou
sem-abrigo, como se diz em Portugal) durante
vários anos nas imediações da Basílica de São Pedro, foi enterrado no predito
cemitério, localizado dentro do Vaticano.
Vindo da Holanda há cerca de 30 anos, este cidadão, presumivelmente
de 80 anos, perdeu o emprego e passou a viver em condições precárias. Era muito
conhecido, particularmente na igreja da paróquia de Santa Ana (paróquia de residência
do Papa e onde Francisco celebrou a Eucaristia no primeiro domingo que passou
no Vaticano após a sua eleição para o Sumo Pontificado), localizada numa das entradas do Vaticano, onde Herteleer
ia à missa todos os dias. Incitava os jovens à frequência do sacramento da
Reconciliação e a cada passo se lhe ouvia uma das suas frases favoritas: “O meu
remédio é a comunhão”.
Willy Herteleer faleceu em 12 de dezembro no hospital romano
Santo Spirito por mal-estar causado pelo frio; e, no dia 9 de janeiro, decorreu
a celebração exequial na Igreja do Campo Santo Teutónico presidida por Mons.
Amerigo Ciani, após o que o ora ilustre mendigo recebeu simples mas condigna
sepultura no respetivo cemitério. Na verdade, Mons. Ciani, que tem como
passatempo a pintura e retratou o mendigo por duas vezes, foi quem percebeu a
ausência do flamengo. E, informado de que o corpo estava no IML (Instituto de
Medicina Legal),
providenciou o enterro no Vaticano, que o Papa Francisco não teve dificuldade
em autorizar.
A razão de todo aquele espaço de tempo que mediou
entre o óbito e o sepultamento prende-se com o facto de o Hospital não o ter
deixado sair do necrotério sem que alguém o identificasse. Percebida tardiamente
a ausência do sem-abrigo, começaram as buscas do seu paradeiro, sendo
então reconhecido no hospital.
O número dois da Sala de Imprensa da Santa Sé,
questionado por ZENIT, informou que este homem tinha sido encontrado num lar de
idosos no bairro Tuscolano, mas que ele quisera voltar para as cercanias do
Vaticano para converter os outros mendigos que moravam lá. Costumava dormir no
túnel do estacionamento junto com outros oito desabrigados.
Foi para estes e outros sem-abrigo que o Papa mandou
instalar numa das colunatas da Praça de São Pedro um serviço de duche, fornecer
cobertores e disponibilizar uma barbearia – ações de que se encarregou o
esmoler pontifício.
Como curiosidade iconográfica, foi referido que, neste
último Natal, por instâncias do padre Bruno Silvestrini, Pároco da Igreja Santa Ana, quiseram representar o célebre mendigo no presépio que
a cada ano é montado na Igreja de Santa Ana. E ele lá figura à direita, de mão
estendida, entre os pastores.
No dia 21 de
dezembro, a justificar-se por querer homenagear este sem-abrigo, anónimo aos
olhos de muitos, colocando-o entre os pastores, o sacerdote explicava à Rádio
Vaticano:
“Ele frequentava diariamente a Missa
matutina celebrada na Paróquia, ocupando sempre o mesmo lugar. Por mais de 25
anos frequentou diariamente a Missa das 7 da manhã. Era uma pessoa muito, muito
aberta, que fez muitas amizades; falava com os jovens, falava do Senhor,
falava-lhes do Papa, convidava à celebração eucarística. Era uma pessoa rica,
grande de fé. Alguns monsenhores levavam-lhe comida em alguns dias. Depois, não
foi mais visto e logo se soube de sua morte. Nunca vi tanta gente bater à minha
porta para saber quando seriam os funerais... Não pedia nunca, mas era aquele
que te falava e te suscitava, por meio de perguntas sobre a fé, um caminho
espiritual”.
***
O facto não teria relevância se não fosse este cemitério
flamenco-germânico, originariamente destinado à sepultura dos peregrinos que
chegavam do norte da Europa e morriam em Roma, através dos séculos ter sido
destinado a aristocráticos, nobres e cavaleiros teutónicos. Mostra, no entanto,
o objetivo originário para que foi criada a sua confraria, enterrar os defuntos pobres,
consignando a prática de uma da sobras de misericórdia corporais, a para da
obra de misericórdia espiritual, orar a Deus por vivos e defuntos.
No Campo
Teutónico estão sepultadas pessoas de nacionalidade austríaca, sul-tirolesa, suíço-alemã,
luxemburguesa, belga de língua alemã, flamenga, holandesa e de Liechtenstein.
Devido à sua
particular localização, o Cemitério Teutónico de Roma recebe milhares de
pedidos de sepultamento todos os anos, mas respeita cânones bem precisos
segundo os estatutos da fundação. Assim, podem ser sepultados membros da arquifraternidade
responsável pelo cemitério, religiosos de origem alemã e membros dos dois
Colégios Teutónicos de Roma, o de Santa Maria del Anima e o Germânico.
Outrossim, são acolhidas personagens de relevo de origem alemã e flamenga que
tenham prestado serviço à Igreja e morrido em Roma.
A Capela Suíça,
no interior da igreja de Santa Maria da Piedade, é o local de sepultura dos
guardas suíços caídos durante o Saque de Roma, em 1527, e tem afrescos de
Polidoro Caldara, discípulo de Raffaello.
***
O que é o Campo Santo
Teutónico?
Entre a
Basílica de São Pedro e a nova Sala de Audiências Gerais, situa-se o Campo
Santo Teutónico, a mais antiga fundação nacional alemã em Roma. Vedado por um
alto muro, à primeira vista, não chama a atenção, mas logo que se depara com
ele, o visitante sente-se fascinado por esta parcela territorial carregada de
história.
Na
antiguidade, o espaço era ocupado pelo circo de Nero, teatro de inúmeros
martírios de cristãos. No ano 799, finais do século VIII, instituiu-se pela
primeira vez a Schola Francorum,
documentada por imagem em azulejo, que representa Carlos Magno, o fundador. Notícias
mais precisas remontam a meados do século XV, por ocasião do Ano Santo que
atraiu a Roma muitos peregrinos. Procedeu-se, então, à reconstrução da Igreja e
do cemitério, que se encontravam em lamentável estado, e os membros alemães
constituíram, no ano de 1454, uma confraria para sepultamento dos falecidos
pobres. Tal Confraria perdura hoje sob outra forma e é a titular da fundação. No
último quartel do século XV, surgiu a igreja atual segundo o estilo mais
difundido então na Alemanha. E, em 1597, a entidade fundacional foi promovida à
categoria de arquiconfraria sob a designação de “Arquiconfraria de Nossa
Senhora no Campo Santo Alemão em São Pedro.
Desde 1876
funciona também um colégio para sacerdotes estudantes de Arqueologia Cristã, de
História da Igreja e disciplinas análogas, ao qual se acrescentou, em 1888, o
Instituto Romano da Sociedade de Goerres, que possui uma Biblioteca com cerca
de 35 mil volumes.
Nos anos de
1972 a 1975, foi completamente restaurado o acesso à igreja pelo cemitério. É
formado pelo portal de Elmar Hilbrand, de Colónia, oferta do Presidente da
República Alemã, Theodor Heuss, em1957. No batente da esquerda, sob o escudo da
Arquiconfraria, está representada a Virgem com o Menino e uma fusão da águia
bicéfala com a Senhora da Piedade. No batente da direita, a Ressurreição. Os
quadros pictóricos do retábulo do altar-mor, de Macrino de Alba, representam,
ao centro, a Senhora da Piedade, e de ambos os lados, da esquerda para a
direita, São Paulo com São João Batista, Santa Ana com Maria e Jesus e os
apóstolos São Pedro e São Tiago. A lápide de pedra da parte anterior do
altar-mor, encontrada durante o restauro recente e provavelmente originária do
cruzeiro do altar, é um exemplo típico do estilo arcaizante altomedieval.
Como já foi
referido, a Capela dos Suíços, que serviu de sepultura aos guardas caídos em
defesa do Papa durante o saque de Roma, ostenta nas paredes os afrescos de
Polidoro Caldara.
Talvez
guiados pela curiosidade, muitos visitantes demandam frequentemente túmulos
precisos de defuntos famosos do mundo eclesiástico, artístico, político e
diplomático.
(cf http://www.vaticanstate.va/content/vaticanstate/es/altre-istituzioni/campo-santo-teutonico.html,
ac 2015.02.28).
A 21 de novembro de 1997, João Paulo II enviou
a Mons, Erwin Gatz, Reitor do Campo Santo Teutónico, a sua mensagem de
congratulação por ocasião do 12.º centenário de fundação.
Assinala o facto de naqueles dias terem
chegado a Roma visitantes de longe e de perto, para recordarem com alegria as
raízes do lugar em que se formaram, que teve origem na Schola Francorum,
há 1200 anos.
Depois, “ciente da riqueza histórica” do
lugar – Campo Santo Teutónico, cemitério dos alemães e dos flamengos,
circundado pelo Colégio e pela igreja de Santa Maria da Piedade, o Pontífice une-se espiritualmente
àquela assembleia festiva, “que na celebração da Eucaristia dá graças a Deus,
Criador de todas as coisas, por ter fielmente guiado este Instituto ao longo do
decorrer do tempo”.
Evoca as suas “recordações pessoais” do
tempo de estudo em Roma, afirmando que, à semelhança dos “membros do Colégio no
Campo Santo Teutónico”, “na Cidade Eterna” aprendera “intensamente Roma: a Roma
das catacumbas, a Roma dos mártires, a Roma de Pedro e de Paulo, a Roma dos
confessores. E adianta que, ao partir para a Polónia, levou consigo “não só uma
grande bagagem de cultura teológica, mas também a consolidação” do seu “sacerdócio”
e o aprofundamento da sua “visão da Igreja”.
Reconhecendo as capacidades formativas da
instituição, salienta “a competência e a formação” que ela transmitiu a “inúmeras
personalidades”, a fim de “plasmarem em sentido cristão a vida da sua nação,
sob o ponto de vista científico, eclesial e social”, dado que aqui as pessoas
são formadas “num lugar privilegiado, que é capaz de ampliar a sua visão,
conferindo- lhe uma dimensão europeia e universal”.
(cf http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/speeches/1997/november/documents/hf_jp-ii_spe_19971121_erwin-gatz.html, ac 2015.02.28).
***
A Ordem dos cavaleiros teutónicos
Instituição diferente, embora aparente semelhanças quanto a membros e
algumas das finalidades e que não deve confundir-se com o Campo Santo Teutónico,
é a ordem militar dos cavaleiros teutónicos de Santa Maria de Jerusalém, mais conhecida como a Ordem
Teutónica (Deutscher Orden; em latim, Ordo Domus Sanctæ Mariæ Theutonicorum), que emparceira com a Ordem Militar
de Malta (ou do Hospital) e a Ordem Militar dos Templários (ou dos Cavaleiros do Templo).
Foi ordem
militar cruzada, vinculada à Igreja Católica por
votos religiosos pelo Papa Clemente III. Formada em Acre, em Israel, no tempo
das Cruzadas, no final do século
XII, os seus membros envergavam sobrevestes brancas com uma cruz negra. Tinha a sua sede em
Montfort, fortaleza edificada nos tempos do Reino
de Jerusalém (1099-1291), cujos vestígios se conservam no
norte de Israel.
Após a
derrota dos cristãos no Oriente Médio,
os cavaleiros passam em 1211, a convite do rei André II da Hungria, para a Transilvânia,
onde fundam a cidade de Brasov. Porém, expulsos em 1225, transferem-se para o
norte da Polónia, onde criam o estado da
Ordem Teutónica (1224-1525). A sua agressividade e poder ameaçam
os países vizinhos, sobretudo o Reino da Polónia e o Grão-Ducado
da Lituânia.
Entre 1229 e
1279, a Ordem apoderou-se de
consideráveis áreas na Prússia,
onde os cavaleiros construíram muitas cidades
e fortes. Por volta de 1329,
os cavaleiros controlavam, por mandato papal,
toda a região do Báltico, do
golfo da Finlândia à Pomerânia,
na Polónia.
Entretanto, na
parte sul dos seus domínios, a ordem foi abolida, em 1225, e as suas terras
tornaram-se a Prússia. Depois de
1558, a parte norte (Estónia
e Letónia) foi dividida
entre a Polónia, Rússia e Suécia.
Em 1410, na batalha de Grunwald (também conhecida como batalha de Tannenberg), um exército polaco-lituano
comandado pelo rei polaco Ladislau II Jagelão
derrotou a Ordem e pôs fim ao seu poderio militar. O poder da Ordem continuou a
declinar até 1525, quando Alberto de Brandemburgo, seu grão-mestre, se passou para o luteranismo e assumiu o título e
os direitos hereditários de duque da Prússia (embrião do Reino da Prússia,
catalisador do futuro Império Alemão). O Grão-Magistério foi então transferido
para Mergentheim, donde os grão-mestres teutónicos continuavam a administrar as
consideráveis posses da Ordem no Sacro Império Romano-Germânico.
Foi esta uma
das mais poderosas e influentes Ordens na Europa. Integravam-na como seus
membros a família real prussiana e
muitos outros nobres germânicos. Os soberanos e
os nobres dos Estados antecessores
da Alemanha, inclusive a família soberana do Império
Alemão (1871-1918) e da Prússia (1525-1947), os von Hohenzollern, eram membros da
ordem.
Com a
extinção decretada por Napoleão
Bonaparte em 1809, a Ordem perdeu as últimas propriedades seculares, mas
logrou sobreviver até ao presente. O decreto papal emitido por Pio XI, a 21 de novembro de 1929,
transformava os cavaleiros teutónicos numa ordem clerical, sem a componente
militar, composta por sacerdotes, frades
e freiras. Atualmente, tem a sua sede em Viena, de Áustria, e trabalha
primordialmente com objetivos assistenciais. A cruz teutónica está na origem da
célebre “Cruz de Ferro”, que fora abusivamente utilizada pelo regime hitleriano
e persiste como condecoração em uso nas forças armadas alemãs.
Mais uma
utilização de matéria religiosa para fins iníquos!
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