domingo, 1 de março de 2015

O Campo Santo Teutónico

O site zenit.org – O Mundo visto de Roma – noticiou, a 25 de fevereiro, que um mendigo fora sepultado no Cemitério Teutónico ou Campo Santo Teutónico. Com efeito, Willy Herteleer, flamengo, mendigo e sem teto (ou sem-abrigo, como se diz em Portugal) durante vários anos nas imediações da Basílica de São Pedro, foi enterrado no predito cemitério, localizado dentro do Vaticano.
Vindo da Holanda há cerca de 30 anos, este cidadão, presumivelmente de 80 anos, perdeu o emprego e passou a viver em condições precárias. Era muito conhecido, particularmente na igreja da paróquia de Santa Ana (paróquia de residência do Papa e onde Francisco celebrou a Eucaristia no primeiro domingo que passou no Vaticano após a sua eleição para o Sumo Pontificado), localizada numa das entradas do Vaticano, onde Herteleer ia à missa todos os dias. Incitava os jovens à frequência do sacramento da Reconciliação e a cada passo se lhe ouvia uma das suas frases favoritas: “O meu remédio é a comunhão”.   
Willy Herteleer faleceu em 12 de dezembro no hospital romano Santo Spirito por mal-estar causado pelo frio; e, no dia 9 de janeiro, decorreu a celebração exequial na Igreja do Campo Santo Teutónico presidida por Mons. Amerigo Ciani, após o que o ora ilustre mendigo recebeu simples mas condigna sepultura no respetivo cemitério. Na verdade, Mons. Ciani, que tem como passatempo a pintura e retratou o mendigo por duas vezes, foi quem percebeu a ausência do flamengo. E, informado de que o corpo estava no IML (Instituto de Medicina Legal), providenciou o enterro no Vaticano, que o Papa Francisco não teve dificuldade em autorizar.
A razão de todo aquele espaço de tempo que mediou entre o óbito e o sepultamento prende-se com o facto de o Hospital não o ter deixado sair do necrotério sem que alguém o identificasse. Percebida tardiamente a ausência do sem-abrigo, começaram as buscas do seu paradeiro, sendo então reconhecido no hospital.
O número dois da Sala de Imprensa da Santa Sé, questionado por ZENIT, informou que este homem tinha sido encontrado num lar de idosos no bairro Tuscolano, mas que ele quisera voltar para as cercanias do Vaticano para converter os outros mendigos que moravam lá. Costumava dormir no túnel do estacionamento junto com outros oito desabrigados.
Foi para estes e outros sem-abrigo que o Papa mandou instalar numa das colunatas da Praça de São Pedro um serviço de duche, fornecer cobertores e disponibilizar uma barbearia – ações de que se encarregou o esmoler pontifício.
Como curiosidade iconográfica, foi referido que, neste último Natal, por instâncias do padre Bruno Silvestrini, Pároco da Igreja Santa Ana, quiseram representar o célebre mendigo no presépio que a cada ano é montado na Igreja de Santa Ana. E ele lá figura à direita, de mão estendida, entre os pastores.
No dia 21 de dezembro, a justificar-se por querer homenagear este sem-abrigo, anónimo aos olhos de muitos, colocando-o entre os pastores, o sacerdote explicava à Rádio Vaticano:
“Ele frequentava diariamente a Missa matutina celebrada na Paróquia, ocupando sempre o mesmo lugar. Por mais de 25 anos frequentou diariamente a Missa das 7 da manhã. Era uma pessoa muito, muito aberta, que fez muitas amizades; falava com os jovens, falava do Senhor, falava-lhes do Papa, convidava à celebração eucarística. Era uma pessoa rica, grande de fé. Alguns monsenhores levavam-lhe comida em alguns dias. Depois, não foi mais visto e logo se soube de sua morte. Nunca vi tanta gente bater à minha porta para saber quando seriam os funerais... Não pedia nunca, mas era aquele que te falava e te suscitava, por meio de perguntas sobre a fé, um caminho espiritual”.
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O facto não teria relevância se não fosse este cemitério flamenco-germânico, originariamente destinado à sepultura dos peregrinos que chegavam do norte da Europa e morriam em Roma, através dos séculos ter sido destinado a aristocráticos, nobres e cavaleiros teutónicos. Mostra, no entanto, o objetivo originário para que foi criada a sua confraria, enterrar os defuntos pobres, consignando a prática de uma da sobras de misericórdia corporais, a para da obra de misericórdia espiritual, orar a Deus por vivos e defuntos.
No Campo Teutónico estão sepultadas pessoas de nacionalidade austríaca, sul-tirolesa, suíço-alemã, luxemburguesa, belga de língua alemã, flamenga, holandesa e de Liechtenstein.
Devido à sua particular localização, o Cemitério Teutónico de Roma recebe milhares de pedidos de sepultamento todos os anos, mas respeita cânones bem precisos segundo os estatutos da fundação. Assim, podem ser sepultados membros da arquifraternidade responsável pelo cemitério, religiosos de origem alemã e membros dos dois Colégios Teutónicos de Roma, o de Santa Maria del Anima e o Germânico. Outrossim, são acolhidas personagens de relevo de origem alemã e flamenga que tenham prestado serviço à Igreja e morrido em Roma.
A Capela Suíça, no interior da igreja de Santa Maria da Piedade, é o local de sepultura dos guardas suíços caídos durante o Saque de Roma, em 1527, e tem afrescos de Polidoro Caldara, discípulo de Raffaello.
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O que é o Campo Santo Teutónico?
Entre a Basílica de São Pedro e a nova Sala de Audiências Gerais, situa-se o Campo Santo Teutónico, a mais antiga fundação nacional alemã em Roma. Vedado por um alto muro, à primeira vista, não chama a atenção, mas logo que se depara com ele, o visitante sente-se fascinado por esta parcela territorial carregada de história.  
Na antiguidade, o espaço era ocupado pelo circo de Nero, teatro de inúmeros martírios de cristãos. No ano 799, finais do século VIII, instituiu-se pela primeira vez a Schola Francorum, documentada por imagem em azulejo, que representa Carlos Magno, o fundador. Notícias mais precisas remontam a meados do século XV, por ocasião do Ano Santo que atraiu a Roma muitos peregrinos. Procedeu-se, então, à reconstrução da Igreja e do cemitério, que se encontravam em lamentável estado, e os membros alemães constituíram, no ano de 1454, uma confraria para sepultamento dos falecidos pobres. Tal Confraria perdura hoje sob outra forma e é a titular da fundação. No último quartel do século XV, surgiu a igreja atual segundo o estilo mais difundido então na Alemanha. E, em 1597, a entidade fundacional foi promovida à categoria de arquiconfraria sob a designação de “Arquiconfraria de Nossa Senhora no Campo Santo Alemão em São Pedro.
Desde 1876 funciona também um colégio para sacerdotes estudantes de Arqueologia Cristã, de História da Igreja e disciplinas análogas, ao qual se acrescentou, em 1888, o Instituto Romano da Sociedade de Goerres, que possui uma Biblioteca com cerca de 35 mil volumes.
Nos anos de 1972 a 1975, foi completamente restaurado o acesso à igreja pelo cemitério. É formado pelo portal de Elmar Hilbrand, de Colónia, oferta do Presidente da República Alemã, Theodor Heuss, em1957. No batente da esquerda, sob o escudo da Arquiconfraria, está representada a Virgem com o Menino e uma fusão da águia bicéfala com a Senhora da Piedade. No batente da direita, a Ressurreição. Os quadros pictóricos do retábulo do altar-mor, de Macrino de Alba, representam, ao centro, a Senhora da Piedade, e de ambos os lados, da esquerda para a direita, São Paulo com São João Batista, Santa Ana com Maria e Jesus e os apóstolos São Pedro e São Tiago. A lápide de pedra da parte anterior do altar-mor, encontrada durante o restauro recente e provavelmente originária do cruzeiro do altar, é um exemplo típico do estilo arcaizante altomedieval.
Como já foi referido, a Capela dos Suíços, que serviu de sepultura aos guardas caídos em defesa do Papa durante o saque de Roma, ostenta nas paredes os afrescos de Polidoro Caldara.
Talvez guiados pela curiosidade, muitos visitantes demandam frequentemente túmulos precisos de defuntos famosos do mundo eclesiástico, artístico, político e diplomático.
A 21 de novembro de 1997, João Paulo II enviou a Mons, Erwin Gatz, Reitor do Campo Santo Teutónico, a sua mensagem de congratulação por ocasião do 12.º centenário de fundação.
Assinala o facto de naqueles dias terem chegado a Roma visitantes de longe e de perto, para recordarem com alegria as raízes do lugar em que se formaram, que teve origem na Schola Francorum, há 1200 anos.
Depois, “ciente da riqueza histórica” do lugar – Campo Santo Teutónico, cemitério dos alemães e dos flamengos, circundado pelo Colégio e pela igreja de Santa Maria da Piedade, o Pontífice une-se espiritualmente àquela assembleia festiva, “que na celebração da Eucaristia dá graças a Deus, Criador de todas as coisas, por ter fielmente guiado este Instituto ao longo do decorrer do tempo”.
Evoca as suas “recordações pessoais” do tempo de estudo em Roma, afirmando que, à semelhança dos “membros do Colégio no Campo Santo Teutónico”, “na Cidade Eterna” aprendera “intensamente Roma: a Roma das catacumbas, a Roma dos mártires, a Roma de Pedro e de Paulo, a Roma dos confessores. E adianta que, ao partir para a Polónia, levou consigo “não só uma grande bagagem de cultura teológica, mas também a consolidação” do seu “sacerdócio” e o aprofundamento da sua “visão da Igreja”.
Reconhecendo as capacidades formativas da instituição, salienta “a competência e a formação” que ela transmitiu a “inúmeras personalidades”, a fim de “plasmarem em sentido cristão a vida da sua nação, sob o ponto de vista científico, eclesial e social”, dado que aqui as pessoas são formadas “num lugar privilegiado, que é capaz de ampliar a sua visão, conferindo- lhe uma dimensão europeia e universal”.
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A Ordem dos cavaleiros teutónicos
Instituição diferente, embora aparente semelhanças quanto a membros e algumas das finalidades e que não deve confundir-se com o Campo Santo Teutónico, é a ordem militar dos cavaleiros teutónicos de Santa Maria de Jerusalém, mais conhecida como a Ordem Teutónica (Deutscher Orden; em latim, Ordo Domus Sanctæ Mariæ Theutonicorum), que emparceira com a Ordem Militar de Malta (ou do Hospital) e a Ordem Militar dos Templários (ou dos Cavaleiros do Templo).
Foi ordem militar cruzada, vinculada à Igreja Católica por votos religiosos pelo Papa Clemente III. Formada em Acre, em Israel, no tempo das Cruzadas, no final do século XII, os seus membros envergavam sobrevestes brancas com uma cruz negra. Tinha a sua sede em Montfort, fortaleza edificada nos tempos do Reino de Jerusalém (1099-1291), cujos vestígios se conservam no norte de Israel.
Após a derrota dos cristãos no Oriente Médio, os cavaleiros passam em 1211, a convite do rei André II da Hungria, para a Transilvânia, onde fundam a cidade de Brasov. Porém, expulsos em 1225, transferem-se para o norte da Polónia, onde criam o estado da Ordem Teutónica (1224-1525). A sua agressividade e poder ameaçam os países vizinhos, sobretudo o Reino da Polónia e o Grão-Ducado da Lituânia.
Entre 1229 e 1279, a Ordem apoderou-se de consideráveis áreas na Prússia, onde os cavaleiros construíram muitas cidades e fortes. Por volta de 1329, os cavaleiros controlavam, por mandato papal, toda a região do Báltico, do golfo da Finlândia à Pomerânia, na Polónia.
Entretanto, na parte sul dos seus domínios, a ordem foi abolida, em 1225, e as suas terras tornaram-se a Prússia. Depois de 1558, a parte norte (Estónia e Letónia) foi dividida entre a Polónia, Rússia e Suécia. Em 1410, na batalha de Grunwald (também conhecida como batalha de Tannenberg), um exército polaco-lituano comandado pelo rei polaco Ladislau II Jagelão derrotou a Ordem e pôs fim ao seu poderio militar. O poder da Ordem continuou a declinar até 1525, quando Alberto de Brandemburgo, seu grão-mestre, se passou para o luteranismo e assumiu o título e os direitos hereditários de duque da Prússia (embrião do Reino da Prússia, catalisador do futuro Império Alemão). O Grão-Magistério foi então transferido para Mergentheim, donde os grão-mestres teutónicos continuavam a administrar as consideráveis posses da Ordem no Sacro Império Romano-Germânico.
Foi esta uma das mais poderosas e influentes Ordens na Europa. Integravam-na como seus membros a família real prussiana e muitos outros nobres germânicos. Os soberanos e os nobres dos Estados antecessores da Alemanha, inclusive a família soberana do Império Alemão (1871-1918) e da Prússia (1525-1947), os von Hohenzollern, eram membros da ordem.
Com a extinção decretada por Napoleão Bonaparte em 1809, a Ordem perdeu as últimas propriedades seculares, mas logrou sobreviver até ao presente. O decreto papal emitido por Pio XI, a 21 de novembro de 1929, transformava os cavaleiros teutónicos numa ordem clerical, sem a componente militar, composta por sacerdotes, frades e freiras. Atualmente, tem a sua sede em Viena, de Áustria, e trabalha primordialmente com objetivos assistenciais. A cruz teutónica está na origem da célebre “Cruz de Ferro”, que fora abusivamente utilizada pelo regime hitleriano e persiste como condecoração em uso nas forças armadas alemãs.

Mais uma utilização de matéria religiosa para fins iníquos!

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