quinta-feira, 19 de março de 2015

Por um exército europeu

O Presidente da Comissão Europeia pronunciou-se, a 8 de março, em entrevista ao semanário alemão Welt am Sonntag, pela criação de um exército europeu, no pressuposto de que será uma forma de contribuir para delinear uma política externa de defesa e segurança comuns perante países como a Rússia e outros blocos extraeuropeus, no âmbito de um projeto estratégico coerente.
Não se trata, na intenção e opinião de Jean-Claude Juncker, de um exército a mobilizar de imediato, mas para demonstrar ao exterior, em especial à Rússia, que a União Europeia toma a sério a defesa dos seus valores. Constituirá uma resposta comum aos desafios que se colocam à Europa no mundo, consubstanciando a sua assunção das responsabilidades. Porém, não representará uma concorrência com a NATO.
Também já a Ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen, já se tinha pronunciado em fevereiro a favor desta ideia, mas admitindo que não era para implementar a curto prazo. Não obstante, entende que é uma ideia a pôr sobre a mesa de estudo e a desenvolver, se efetivamente se caminha para uma verdadeira União Europeia.
Se os europeus querem uma união eficaz nos setores fundamentais – chamem-lhe federação, chamem-lhe Estados Unidos da Europa – é óbvio que a defesa e a segurança comuns têm de ser encaradas como valências fundamentais da UE, tão importantes como a comunidade de mercado, união económica, união monetária, união bancária. Este desiderato pode, a meu ver e em tese, ser satisfeito com umas forças armadas europeias (e não só exército) ou com uma obrigação pactual de cada país estar preparado para responder ao apelo da autoridade de defesa europeia em tempo útil. Penso, no entanto, que esta segunda modalidade será de mais difícil consecução, dado que os Estados-Membros estão a emagrecer cada vez mais os orçamentos nacionais e os efetivos em pessoal para as suas forças armadas. Ademais, a mobilização e prontidão “ad hoc” de uma força armada não é fácil.
Como reação da Rússia às declarações de Juncker, regista-se a declaração exemplar do deputado russo Leonid Slutski, presidente da comissão parlamentar para os Assuntos da Comunidade de Estados Independentes (criada com o desabar da união Soviética), na sua conta na rede social Twittter: “Estamos perante uma versão europeia de paranoia: declarar a necessidade de criar um exército unido para fazer frente à Rússia, a qual não tem o propósito de estar em guerra com ninguém”.
Penso que a criação de um exército europeu expressamente para fazer frente à Rússia significa uma postura de prosápia, não eficaz e cujo objetivo não era necessário enunciar. Em meu entender, a criação de umas forças armadas europeias deverá acontecer, mas por outros motivos.
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Entretanto, vozes há que se levantam contra a ideia de um exército europeu comum. Entre essas, destaca-se Renato Epifânio, presidente do Movimento Internacional Lusófono, no Público de 17 de março, que julga viável ter portugueses a “defender a integridade territorial e a paz interna de países lusófonos”, mas não a combater contra a Rússia.
Critica mesmo o Presidente da Comissão Europeia na sua “fuga para a frente” ao idear a criação de um exército europeu, no momento em que está iminente a desagregação europeia. E afirma que “nos estão a deitar areia para os olhos” quando afiançam que “esse exército europeu seria a melhor forma de conter a ‘ameaça russa’ na Ucrânia”, uma vez que, segundo o colunista, “quem promoveu este conflito com a Rússia foi a própria União Europeia, ainda que com o apoio dos EUA, ao fazer um rol de promessas à Ucrânia que não poderia cumprir”. Mais: “ao ter incentivado uma atitude antirrussa junto das autoridades ucranianas, tudo o que a União Europeia fez foi promover a própria desintegração interna da Ucrânia, por mais que se venha a manter alguma unidade formal, a bem do respeito das aparências diplomáticas”.
O distinto colunista chama a atenção para o facto de não se poder ignorar a geografia europeia, o facto de viver na Ucrânia, em particular na sua zona leste, uma extensa comunidade russófona e a partilha, de há séculos, da história política da Ucrânia com a Rússia. Assim, acusa “o estado de alucinação dos nossos governantes, a começar pela Comissão Europeia”, que parece querer agora “fazer tábua rasa” do que se tem passado com a Ucrânia. E apela ao realismo sob pena de se caminhar para o desastre, acreditando que “a própria realidade se encarregará de fazer abortar essa proposta de um exército europeu”.
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Por seu turno, António Figueiredo Lopes, no DN, de hoje, dá conta de que as declarações de Juncker “apanharam de surpresa grande parte dos líderes europeus”, suscitando “reparos no próprio Parlamento Europeu” e desencadearam a reação “da NATO a recomendar que se evitem duplicações e se reforce a complementaridade UE/NATO”.
Por mim, considero ambígua a advertência da NATO. Percebo a sua preocupação com as duplicações, mas apelar para o reforço da complementaridade permite uma leitura de admissibilidade do exército europeu. Por exemplo, umas forças armadas europeias robustas constituiriam uma considerável aba de reforço da NATO e poderiam intervir sempre que à NATO não conviesse intervir como NATO, mas apenas como retaguarda de apoio.
Figueiredo Lopes – que, além do desempenho de outros cargos governativos, foi secretário de Estado e Ministro da Defesa Nacional e da Administração Interna e desfruta, como poucos, de larga experiência internacional e conhecimento geopolítico – questiona o interesse do assunto para Portugal, mas, de imediato, exprime a opinião de que, “pelo seu posicionamento estratégico” e “pela sua história, a União Europeia e a NATO são vitais para a segurança e a defesa nacional”.
Refere o articulista que a ideia da militarização europeia não é nova, sendo que “o primeiro esforço para a criação de um exército europeu comum com uma direção política única” se reporta à tentativa de constituição da “Comunidade Europeia de Defesa, no início da década de 50”. Depois, aponta “o aparecimento de uma nova ordem mundial” e de “uma nova tipologia de ameaças, riscos e conflitos” que se seguiram ao termo da “guerra fria” na reta final do último quartel do século XX. E entende que então a UE, que fora “desenhada como um projeto de paz, estabilidade e desenvolvimento”, sentiu ter de “preparar-se para novas missões, num cenário geopolítico e estratégico particularmente preocupante” em relação às fronteiras “a leste e a sul”.
É sabido que a letárgica UEO (União da Europa ocidental), criada em 1954, foi extinta em 2011, passando os seus instrumentos principais para a UE. É certo que nos seus últimos anos de existência teve “papel relevante como suporte institucional para a intervenção autónoma em operações de gestão de crises e em missões humanitárias” em que os EUA não pudessem ou não quisessem participar.
Em 1998, começaram a dar-se passos para que a política comum de segurança e defesa viesse a integrar os tratados, trabalhando-se na “constituição dos instrumentos políticos, civis e militares adequados à sua concretização”. Com o Tratado de Lisboa, a Europa passou a dispor de condições para se assumir “como ator global da paz, com capacidade para lançar operações autónomas, com ou sem o apoio da NATO”.
Na opinião de Figueiredo Lopes, não é prioritária tanto a criação de um exército europeu comum, mas a vontade política para ativar os mecanismos previstos no Tratado de Lisboa, nomeadamente: a cooperação estruturada permanente e a utilização dos agrupamentos táticos, o aumento do investimento no setor tecnológico e industrial para colmatação das fragilidades operacionais e reforçar a cooperação entre as diversas forças armadas e a ação em parceria da parte dos Estados-Membros, já que dificilmente um Estado disporá por si só de todas as capacidades para cumprir tão complexas missões.
Ora, tendo sentido a proposta do Presidente da Comissão Europeia, ela pode constituir um fenómeno de queima de etapas, dados os termos e o momento em que foi apresentada.
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A mim, parece-me mais isenta a posição de Figueiredo Lopes que a de Renato Epifânio. Este parece pôr de parte a ideia por indesejável e inviável, ao passo que aquele, parecendo julgar a favor da viabilidade e da desejabilidade de um exército europeu, pelas boas razões que aduz, põe apenas em causa a oportunidade e o modo como a questão foi equacionada pelo atual e algo temerário presidente da Comissão, havendo que proceder, antes, à intensificação da União.
Além da necessidade de o poder político europeu necessitar, a meu ver, de umas forças armadas para assegurar a credibilidade do poder e a eficácia da intervenção estratégica, complementar da diplomacia, há outras razões, entre as quais as da coerência com o projeto europeu e do combate sistémico ao terrorismo.
Há tantas diretivas da União que os Estados-Membros têm de incorporar (atinentes às políticas, à agricultura, às pescas, às florestas, à concorrência, às empresas públicas, à indústria, ao comércio, ao orçamento, à colaboração policial…). E como não equacionar a necessidade de umas forças armadas, até porque o terrorismo espreita de todos os lados e com novas modalidades? Só acreditando que a polícia é suficiente para assegurar a segurança comum, coisa em que nem a França já acredita…
Ora a União Europeia dispõe de instituições constitucionais políticas: o Parlamento Europeu (PE), eleito por sufrágio direto, universal e secreto; o Conselho da União Europeia (CUE), vulgarmente conhecido como Conselho de Ministros, que representa os Governos dos Estados-membros, cujos interesses defendidos buscam um acordo comum; a Comissão Europeia (CE), o executivo da UE; e o Conselho Europeu (não confundir com o Conselho da UE), formado pelos chefes de Estado ou de Governo dos países da União Europeia, que reúne quatro vezes por ano (de acordo com a Lei Única Europeia, deve reunir pelo menos duas vezes por ano ou mais, em sessão extraordinária, convocada pelo seu presidente) para analisar as grandes questões europeias e dar à União os impulsos necessários e definir as suas prioridades e orientar as políticas globais.
Dispõe outrossim a UE de instituições não propriamente políticas, como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (vulgarmente conhecido como Tribunal Europeu de Justiça), tribunal supremo, assistido por um tribunal inferior chamado de Tribunal de Primeira Instância (TPI) e um Tribunal da função Pública, com o objetivo de reduzir a carga de trabalho do tribunal principal; e o Tribunal de Contas Europeu, que garante a correta aplicação dos fundos dos contribuintes europeus.
Depois, vem a instituição financeira, o Banco Central Europeu (BCE), responsável pela política monetária europeia – o banco central da moeda única europeia.
Há ainda ouros órgãos e agências. Os órgãos são comparáveis a instituições de menor nível (embora não beneficiem deste estatuto), com funções concretas, mas a área em que se podem implantar é transversal ou, eventualmente, aplicada por campos mais específicos, mas com amplos poderes que vão muito além da gestão. São independentes no exercício das suas funções. As agências, por sua vez, são filiais de outras instituições, mas com autonomia funcional, geralmente qualificadas em áreas especializadas da gestão delegada.

Como órgão de garantia, temos o Provedor de Justiça Europeu. Como órgãos consultivos, o Comité Económico e Social Europeu, que representa sindicatos, organizações patronais, ONGs e outras organizações socioeconómicas de importância europeia; e o Comité das Regiões, que representa as autoridades regionais e locais, as suas perspetivas e interesses. Como órgão financeiro, temos o Banco Europeu de Investimento (BEI), que tem como missão contribuir para um desenvolvimento regional equilibrado através da integração económica e coesão social.

Há como órgãos interinstitucionais: o Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, que edita, imprime e distribui informação sobre a UE e as suas atividades; o Serviço Europeu de Seleção de Pessoal, que seleciona o pessoal das instituições da UE e de outras agências; e a Autoridade para a Proteção de Dados (AEPD), que garante o respeito, por parte das instituições e órgãos da UE, do direito dos indivíduos à privacidade no processamento de dados pessoais.

Quanto às agências, temos as Agências para a Política Externa e de Segurança Comum e as Agências de Coordenação e Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal.
Ao primeiro grupo pertencem: o Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, que contribui para a construção de uma cultura europeia comum de segurança e promove a discussão estratégica; e o Centro de Satélites da União Europeia.
As segundas foram criadas para ajudar os Estados-Membros a cooperar no combate ao crime organizado internacional. Executam as tarefas respeitantes ao âmbito do diálogo, da assistência e da cooperação entre polícias, alfândegas, serviços de imigração e da justiça dos Estados-Membros. São a Europol, responsável por facilitar as operações de luta contra o crime na União Europeia; e a Eurojust, que reforça a cooperação judiciária entre os Estados-Membros.
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Permita-se-me o repto: quem reparar no elenco de instituições, órgãos e agências exposto, verá, a não ser que não queira ver, que só flautam umas forças armadas europeias, para ajudar à festa, melhor, à concretização do desígnio europeu.

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