sexta-feira, 27 de março de 2015

Acidente intencional ou do mistério à revelação

O Airbus A320 da Germanwings, companhia low-cost detida pela Lufthansa, caiu no maciço Trois-Evêchés (Três Bispos), um dos maciços dos Alpes Franceses, depois de ter levantado voo – o voo GWI925 – às 10 horas da manhã (hora local) do dia 24 de março, em Barcelona rumo a Dusseldorf, onde devia aterrar duas horas depois.
É este o mais grave acidente aéreo desde há quarenta e um anos, em 1974, quando um avião da Turkish Airlines se despenhou após a descolagem, em Paris, originando a morte de 346 pessoas.
Os maciços da região do chocante acidente aéreo têm picos que podem atingir os 3000 metros de altura. No entanto, a queda do avião é considerada misteriosa, já que nada parecia ter falhado e até as condições atmosféricas eram calmas – sem nuvens, sem turbulência e com o vento a soprar de fraco a moderado. Por outro lado, os residentes naquela região de Dignes-Les-Bains dizem que, na zona onde o avião caiu, não há nada, a não ser montanhas e neve. No entanto, o avião despenhou-se numa zona de acesso dificílimo.
O avião seguia com 150 pessoas a bordo, 144 passageiros e 6 tripulantes. A viagem, que deveria ter a duração de duas horas, viu-se reduzida para os 50 minutos. Depois de ter atingido os 35 mil pés de altitude (ou seja, 10668 metros), o aparelho iniciou uma descida acentuada que durou 8 minutos (uma média de mais de 1,33 Km por minuto). O último contacto com a torre de controlo acontecera quando a aeronave ainda estava 6 mil pés (1800 metros).
A maior parte das vítimas tinha a nacionalidade alemã, 67, das quais 16 eram estudantes que regressavam de um intercâmbio escolar; 51 eram espanhóis; e os outros eram turcos, franceses e de outras nacionalidades (em número não especificado). Há quem diga que as vítimas são de 18 nacionalidades diferentes.
Naquele lugar de dificílimo acesso, sem estradas, a que se acede unicamente por helicóptero, os destroços da máquina acidentada estão espalhados por uma área de quase quatro hectares. As operações de resgate mobilizaram 300 bombeiros e 400 polícias e militares. Só no final da tarde do dia seguinte ao da tragédia é que as autoridades começaram a retirar, por helicóptero, os cadáveres das primeiras vítimas do avião da Germanwings, não se sabendo quanto tempo demorará a remoção dos cadáveres e dos destroços.
As famílias das vítimas acorreram a Seyne-les-Alpes, o sítio aonde lhes foi possível aceder. Aí, a Lufthansa criou uma câmara ardente provisória para começar a acolher os cadáveres, tendo também disponibilizado dois aviões para o transporte das famílias (cerca de 400 familiares) a partir da Espanha e da Alemanha. Porém, um grupo de 14 familiares, que não quiseram viajar de avião, foi de autocarro a partir de Llinars del Valles, Espanha.
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Não são ainda conhecidas em pormenor as causas da trágica ocorrência. No entanto, da meia dúzia de hipóteses de causas, parecem os dados estarem a apontar para a nefasta “intervenção humana”.
O maior mistério que envolve o acidente é o facto de ele ter ocorrido na fase de cruzeiro do voo, em que ocorrem menos de um entre 10 casos de acidentes aéreos. As hipóteses que habitualmente se colocam em circunstâncias destas são despressurização da cabine, falha nos motores, anomalia climática, falha mecânica ou eletrónica, falha humana e intervenção humana.
A despressurização da cabine consiste na súbita perda de pressão a bordo ou num incêndio na cabine da pilotagem – o que inibiria a comunicação com os controladores de voo. Porém, um incidente deste tipo não explica a razão de o avião ter iniciado uma descida quando voava a uma altitude de 11.582 metros. Casos anteriores ficaram marcados pelo facto de a aeronave em causa simplesmente voar em linha reta até cair por falta de combustível.
Uma falha nos motores, como um apagão nas duas turbinas do Airbus, podia explicar a perda de altitude, mas a queda seria menos abrupta, nunca em apenas 8 minutos e daria azo a que os pilotos pudessem contactar os controladores para eventual desvio de outras aeronaves, bem como lhes permitiria o desvio para local onde fosse viável um pouso forçado.
Anomalia climática é hipótese praticamente descartada, pelas razões acima enunciadas.
A falha mecânica ou eletrónica é sempre uma hipótese a considerar, sobretudo se tivermos em conta o funcionamento por computorização e, em especial, de noite e/ou em caso de mau tempo. Mas o avião da Germanwings voava de dia, o que, a ter sucedido, teria dado aos pilotos melhores condições de orientação. Além disso, embora o treinamento de pilotos estabeleça que o controlo da aeronave tem prioridade sobre comunicação, um problema do género teria sido facilmente reportado aos aerocontroladores.
Uma falha humana, a não ser que os pilotos tivessem perdido o controlo total do aparelho ou se tivessem equivocado com possíveis problemas eletrónicos, possibilitaria uma tentativa controlada de redução da altitude e a informação ao controlo de voo.
E a intervenção humana, ou seja, a interferência indevida de alguém na pilotagem do A320 nunca podia ser descartada.
Ora, as autoridades envolvidas na investigação do acidente em causa afirmaram não suspeitarem de qualquer tipo de incidente como ato de terrorismo ou tentativa de sequestro, caso em que poderiam ter sido avisadas, via rádio ou por código, as competentes autoridades. Afastaram mesmo a hipótese de ter sucedido uma explosão do aparelho no ar, dado que destroços tão pequenos não são caraterísticos de avião que tenha rebentado no ar.
Com o aparecimento de uma das caixas negras da aeronave todas as hipóteses de causa do despenhamento foram arredadas, se bem que não em definitivo, com exceção da última, a intervenção humana indevida, pelos vistos, não de agentes externos à pilotagem.
Os diversos órgãos de comunicação social de hoje, dia 26, enunciaram explicitamente que o ato de despenhamento fora provocado deliberadamente pelo copiloto na ausência do comandante do cockpit, confirmando a informação avançada pelo New York Times, que tem como fonte um militar, um dos investigadores. Segundo este, começa por se ouvir uma conversa “normal, branda”, entre os dois pilotos, poucos minutos após a descolagem do aeroporto de Barcelona. Depois, um dos pilotos abandonou a cabine, sem que se conheça o motivo, e não conseguiu reentrar. O piloto, do exterior, começou por bater à porta de forma suave, mas, como não obteve resposta, bateu com mais força e tentou mesmo derrubar a porta, sem o conseguir. Há quem avance a hipótese de o piloto “fechado no exterior do cockpit”, ter tentado o derrube utilizando uma machada.
O copiloto, por sua vez, encerrado dentro do cockpit, parece ter deliberado o propósito de pulverizar a aeronave, pelo que deve ter travado o sistema de abertura da porta pelo sistema de código a partir do exterior da cabine e ter-se-feito surdo (não tinha morrido no ar) aos rogos do piloto.
Quem conhecia o copiloto aponta-lhe problemas e situações temporárias de depressão, tendo inclusivamente sucedido que terá sido forçado a interrupção de uma ação de formação por via do seu estado depressivo. Por outro lado, informação de última hora afiança que o copiloto Andreas Lubitz escondera da sua entidade patronal a situação de baixa médica, tendo as autoridades encontrado o documento médico rasgado.
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Após os acontecimentos do 11 de setembro de 2001, as companhias de navegação aérea passaram a utilizar obrigatoriamente o sistema de blindagem da porta de acesso ao cockpit a partir do exterior e consequente condicionamento de acesso, para prevenir ações de terrorismo ou de sequestro. A pilotagem comunica com a restante tripulação e com os passageiros através de intercomunicador. Para entrar no cockpit, é preciso ter autorização expressa da pilotagem no momento ou digitar o código de acesso (a mesma coisa não acontece para sair). Porém, neste caso, a abertura da porta só funciona se o sistema não se encontrar imobilizado a partir do interior.
Também a maior parte das companhias de aeronavegação impõe que nunca estejam menos de duas pessoas dentro do cockpit. Se alguma delas tiver de sair, deverá ser solicitada a presença de outra pessoa, mesmo que não seja especialista, para que possa acorrer a eventual emergência pessoal do “timoneiro”.

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O que se passou levanta algumas dúvidas quanto a procedimentos e segurança, de índole económica e psicossocial.
Desde já, as companhias de aeronavegação devem libertar o trabalho dos seus profissionais das dívidas pela formação fornecida. Quem quer ter quadros ministra-lhes obrigatoriamente formação gratuita e exigente e não os coloca duradouramente a descontar um bolo considerável do vencimento por dívidas de formação à Companhia. Depois, devem cuidar de vencimento, horário de trabalho e outras condições laborais que respeitem a dignidade humana, profissional e social, sobretudo sem pressões abusivas. Depois, há que motivar os profissionais que a empresa formou para que não procurem outras empresas que ofereçam melhores condições – o que não se consegue pressionando, proibindo ou criando desconforto, mas fazendo uma liderança de comunicação, diálogo e cooperação.
Por outro lado, é necessário que se estabeleça a obrigação de sujeição dos profissionais a testes periódicos de caráter físico, psicológico e de saúde, não deixados à mercê do trabalhador, que obviamente tem a natural tendência para não expor as suas limitações e debilidades, mesmo ocasionais.
Ademais, torna-se imperioso cuidar da manutenção dos equipamentos, aparelhos e peças, fazendo as inspeções e revisões periódicas e eventuais e procedendo às necessárias e atempadas substituições de peças, equipamentos e unidades de frota, bem como cumprir e fazer cumprir todas e cada uma das diretivas, normas e recomendações internacionais, sobretudo no que diz respeito à segurança. Não vale a desculpa por greves, intempéries, tempos de folga, etc. O gestor deve ter em conta todas as vicissitudes por que pode passar  a sua empresa e dotá-la dos necessários recursos humanos, técnicos, logísticos e financeiros.
Finalmente, penso que a verdade da investigação não se torna incompatível com a gestão da informação. Ainda a investigação é a procissão que nem sequer saiu do adro, ainda não tinha aparecido a segunda caixa negra, mas já se punha nas parangonas da comunicação social Urbi et Orbi que o acidente foi deliberadamente provocado por um copiloto que sofria de depressão.
Mais. Já um grupo considerável de familiares das vítimas tinha descartado a hipótese de viajar de avião e optado por transporte de autocarro e viemos a saber que o Airbus 320 tinha 25 anos de operação (Que a idade não tem peso significativo!) ou que os pilotos só são obrigados aos testes psicológicos aquando da admissão e que, noutras circunstâncias, só têm acesso a eles quanto os próprios profissionais tomam a iniciativa. Será que eles, perante a pressão laboral e perante a catalogação social de quem se candidata a estes testes, estarão dispostos sua sponte a expor suas eventuais limitações e debilidades?
Depois, todas as empresas (Mesmo as low cost, que fazem milagres – sabe Deus!), em caso de acidente, procederam às inspeções e revisões regulares e periódicas, não se vendo motivo para proceder a inspeções ou revisões eventuais, e o material era relativamente recente. Não sei se eu estaria à vontade a montar um burro de 25 anos, porque, a meu ver a idade pesa, mesmo a do material!

Diga-se, de resto, a verdade toda sem reservas, mas sem precipitações, sobretudo quando estiver em causa um juízo sobre a responsabilidade de pessoas e um eventual estado de choque das populações.

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