O
decoro pode, em termos genéricos, definir-se como o respeito pelas normas de
convivência, pelas boas maneiras, a decência e a compostura. Ao nível
ético-moral, será a honestidade, integridade, a honra, a dignidade. No âmbito
da literatura e da estética, é a adequação do estilo ao tema. E, no atinente à
apresentação pública, compagina o comedimento, o recato, um certo pudor no
falar e no agir, o equilíbrio entre o respeito e o à vontade.
O
vocábulo português provém do nome masculino latino decor, decoris (com “o”
longo), a significar: beleza física, formosura; ornamento, enfeite;
conveniência, o que fica bem, o que convém. Com o “e” breve, é um adjetivo, que
significa belo, formoso, elegante, ornado, enfeitado.
Da
sua família lexical e semântica são: decoro,
decorare (verbo), que significa ornar,
enfeitar, decorar, honrar e distinguir; decoramen,
decoraminis e decoramentum, decoramenti
(nomes neutros), a significar ornato, enfeite; decorosus, a, um (adjetivo da 1.ª classe), que
significa elegante, formoso, brilhante; decore
(advérbio de modo), que significa convenientemente, artisticamente, dignamente;
o advérbio de modo correspondente decorose,
significando elegantemente, formosamente, brilhantemente; decus, decoris (com “o”
breve, nome neutro), a significar decoro, decência, dignidade, glória, honra,
enfeite, ornato, ornamento, beleza moral, virtude, dever; decet, decere (verbo
defetivo), que significa “é conveniente”, “fica bem”, “é mister”, convém; decens, decentis (adjetivo derivado de decet),
a significar conveniente, decente, próprio, que fica bem, regular, bem feito,
formoso, majestoso; decenter
(advérbio de modo), significando convenientemente, com arte, com graça; decentia, decentiae (nome feminino), que significa decência, decoro,
conveniência.
Se
a cada um dos termos supramencionados antepusermos os prefixos “de” ou “in”, teremos vocábulos com o significado contrário ou antónimo.
Como
se pode verificar, “decoro” e palavras da mesma família na latinidade
transportavam-nos para aspetos físicos, morais e sociais; dados naturalmente
conexos com a personalidade ou o ambiente e dados que se trabalham, que se
constroem. Assim, quando falamos do decoro público temos de considerar
obviamente a apresentação, o cuidado da imagem visual e da voz, bem como os
gestos, a postura e as movimentações. Ora, estes cuidados são apanágio de quem
pretende um bom desempenho no mundo dos negócios, na ocupação de um cargo
público, empresarial ou profissional e na liderança de um grupo profissional ou
político.
Porém,
muitas vezes se esquece o aprimoramento da personalidade e de caráter, com as
convenientes virtudes morais e a ética da ação e da relação. A ambição
empresarial, a reivindicação dos direitos, o frenesim concorrencial e a disputa
política não raro levam à perda da noção do decoro, da decência, da consciência
dos limites.
Assim,
quando alguém se locupleta deslavadamente à custa da hipocrisia, do
espezinhamento, da fraude ou da habilidade saloia, da corrupção e quejandos,
apontamos-lhe a falta de decoro, a obscenidade, a indecência, o oportunismo –
quando não o crime, a gestão danosa e outros mimos denominativos. E, quando em
nome da frontalidade, se envereda pela via do insulto, clamamos peça
ultrapassagem dos limites, pela falta de contenção, pela indecência.
Com
efeito, em política é importante cuidar do ser e do parecer – desejavelmente
não uma vertente sem a outra. Cuidar do ser sem o parecer dará como
consequência a ineficácia, cuidar do parecer sem o ser é hipocrisia, soa a oco
e desmascara-se mais cedo ou mais tarde.
Por
isso, o profissional, o empresário, o político devem assumir o cuidado do ser
integral, do caráter e das suas circunstâncias. Sendo autênticos, serão eles
próprios e a comunidade só tem a ganhar. Depois, devem tomar consciência de
que, à medida que a profissão, a empresa ou o cargo público/político os expõem
publicamente, começam a ter de prestar contas à comunidade, mesmo sobre a sua
personalidade e os seus pertences. E, se forem apanhados pelo escrutínio
múltiplo da opinião pública, dos serviços, dos concorrentes, só perdem tempo e
prestígio em ocultar, desmentir, negar. O menos mau que podem fazer é assumir
os erros, explicar-se prontamente com razões que não entrem em contradição com
a substância do perfil desejável e, sobretudo, mostrar à evidência a mudança de
rumo pessoal.
***
Não
raras vezes, tem acontecido que as figuras públicas cometem dislates em público
que ficam a longas milhas do decoro público. Recordo, a título de exemplo, que
o Primeiro-Ministro do I Governo Provisório respondeu a repórter que desejava
saber da evolução dos acontecimentos políticos que fosse à bruxa. Um Chefe do
Estado que se recandidatava ao cargo assumiu com uma determinada força política
o compromisso de apoio mútuo em eleições (legislativas e presidenciais), mas,
vencidas as eleições legislativas por força política contrária, apressou-se a
declarar publicamente que o seu programa presidencial ao desta. Um Presidente
da República que pretendia entrar em Lisboa em autocarro como se fosse um
anónimo cidadão, bradou para o homem da GNR que desaparecesse e dissesse ao
colega que fizesse o mesmo. Um ministro do Estado no Parlamento chamou
ignorante a uma deputada líder de bancada parlamentar. Um secretário d Estado
da área da educação não sabia dirigir-se ao Parlamento. Um chefe de Estado,
convidado para uma cerimónia, não se sujeitou às regras protocolares da instituição
que o convidou e exigiu a presença da esposa ao seu lado. Um Presidente da
República veio queixar-se pela televisão de que estava sob escuta do Governo,
que as pensões de reforma / aposentação que percebia talvez nem dessem para as
despesas e que estava por nascer quem fosse tão honesto como ele ou mais do que
ele – para não falarmos do apelo ao sobressalto democrático ou da acusação de
falta de lealdade de um primeiro-ministro que nomeara e empossara.
No
último quadriénio, primeiro-ministro e ministros aconselharam a emigrar,
pediram que não fôssemos piegas, identificaram a salsicha da educação, não
foram eleitos coisíssima nenhuma, mandaram lixar as eleições, quando falam ao
telefone é como se falassem para um gravador e assim por diante. Uma conhecida figura
pública chamou barata tonta à Ministra da Justiça. Mas esta também não se coibiu
de publicamente difamar funcionários que trabalharam para o seu Ministério e processá-los
judicialmente.
Ultimamente,
evidenciaram-se mais dilates.
Miguel
Cadilhe, esquecendo o seu controverso perfil, criticou a política (também a
economia), acusando que não segrega atempadamente o “puro sacana, o velhaco”.
Portas, acossado por causa do caso dos submarinos, compara José Magalhães e
Ana Gomes à mosca que anda com as patas para cima: “Mais a sua amiga Ana
Gomes. Todo o resto do mundo está errado", defendeu, para logo a seguir
fazer uma comparação: Faz-me lembrar
aquela história que se contava, do Octavio Paz: que as moscas andavam todas com
patas para baixo e depois há uma mosca que anda com as patas para o ar e acha,
essa mosca que anda com as patas para o ar, que as outras moscas estão todas
erradas e ela é que está certa".
O advogado de
José Sócrates disse a uma jornalista do Correio
da Manhã, Tânia Laranjo, que “cheirava
mal” e “devia tomar banho”. Está em causa o modo
como João Araújo se dirigiu à jornalista no final da apreciação do pedido de “habeas
corpus” pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em que lhe dirigiu, em resposta,
a palavra naqueles termos. A jornalista vai, por isso, apresentar uma
queixa-crime ao Ministério Público contra o advogado de José Sócrates, João
Araújo, e uma outra à Ordem dos Advogados.
Paulo
Morais disse abertamente que a sede legislativa já não reside efetivamente no Parlamento,
mas nas grandes sociedades de advogados (aqui, o dislate não é do comunicador,
mas do facto), que ganham por um trabalho que fazem a jeito, defendem os
clientes perante leis que redigiram (materialmente são suas). Os deputados, por
sua vez, estão a colaborar no negócio.
Quem não se lembra do mistério da vírgula, na década de 80/90, que
de São Bento à INCM alterou o sentido de a lei? Ou do apontamento do PR sobre a
alteração, na lei de limitação dos mandatos, das expressões Presidente da Câmara e Presidente da Junta para as expressões Presidente de Câmara e Presidente de Junta, respetivamente?
Como é que se aceita que altos funcionários, detentores de cargos
políticos, antes, durante e/ou após o exercício público, encaminhem dinheiros
seus para paraísos fiscais?
Será verdade o que Paulo Morais refere: que angolanos vêm a
Portugal gastar dinheiro supostamente de Angola, que, afinal nem sequer saiu do
país, porque resulta de empréstimo de banca portuguesa a banca em Angola nas
condições de gestão ruinosa?
***
O decoro público parece estar de gozo de umas longuíssimas férias,
que é imperioso interromper para nunca mais serem concedidas. Ora, para que os cidadãos
se reaproximem da política e esta atinja scores mínimos de dignidade e patamares
razoáveis de serviço público, urge a reforma do sistema partidário e do sistema
político instituinte. Para quando?
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