É corrente hoje nos órgãos de
comunicação social, sobretudo no Público,
a notícia de que o patrão do Grupo Sonae vai para a reforma aos 77 anos de
idade, mas não sem cuidar do futuro das empresas do grupo, conforme o teor de
comunicado distribuído, devendo as suas intenções na matéria ser formalizadas
na festa que decorrerá na sede do Grupo na Maia. Tal festa assinalará os 50 anos
que passaram desde a entrada, em 1965, do jovem engenheiro na então conhecida Sociedade
Nacional de Aglomerados e Estratificados, cujo controlo assumiu em 1974.
Registam alguns, como José Manuel
Rocha no diário cuja propriedade é detida pelo grupo, que “ainda é uma
incógnita” aquilo que “Belmiro de Azevedo vai fazer aos 77 anos, depois de meio
século num grupo que passou da indústria de aglomerados para uma presença
marcante na distribuição moderna, na sociedade da informação, no turismo e em
muito outros setores.
Porém, fonte do grupo garantiu ao
Público que o empresário vai
efetivamente deixar “os cargos de direção no grupo Sonae”, mas “não vai ficar
quieto e o país irá ficar a ganhar”.
Alguns dos seus conterrâneos –
segundo os quais ninguém na sua terra natal estranhou o termo da carreira
empresarial do mais velho dos oito filhos da costureira Adelina Ferreira Mendes
e do carpinteiro e agricultor Manuel de Azevedo, de Tuias, Marco de Canaveses –
falam mesmo de um projeto do engenheiro químico para o país. Parece estar em
causa a fundação dum museu na casa que foi dos pais – de real significado para
a freguesia, mas de relativo peso no país.
O que é certo e seguro – diz o Público – é apenas que a Efanor
Investimentos, a sociedade através da qual Belmiro exerce o controlo sobre o
grupo Sonae, não irá propor o seu nome para a próxima administração, a eleger
na assembleia geral marcada para 30 de abril, conforme foi ontem comunicado
através da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários). Todavia, as declarações
televisivas da notória personagem apontam para a ideia de que continuará a presidir
ao conselho de administração do grupo, mas sem qualquer função executiva.
Por
seu turno, o texto da Sonae SGPS revela que a lista de nomes propostos para os órgãos
executivos “será divulgada oportunamente”, mas adianta que configurará a
fórmula do exercício da presidência executiva a dois, pouco comum nos grandes
grupos económicos portugueses, mas que acontece, por exemplo, no Deutsche Bank. Segundo o advogado da SRS
Pedro Rebelo de Sousa, especialista em governo de sociedades, este modelo pouco
comum “tem de ser muito bem explicado”, caso contrário, tornar-se-á um pouco
confuso para os acionistas.
E
o Público adianta que Belmiro de
Azevedo deixa a posição de chairman da Efanor, ou seja, a
sua presidência não-executiva. Por isso, a empresa irá propor que
o seu filho Paul Azevedo ocupe o lugar. Mas este será também co-CEO (presidente
executivo), cargo que repartirá com o atual vice-presidente da Sonae SGPS Ângelo
Paupério e que nos últimos anos liderou a Sonaecom, a proprietária do Público.
Diga-se
também entre parêntesis que, em Portugal, os CTT são a única companhia do
PSI-20 em que o chairman acumula a presidência executiva da empresa.
O
comunicado aponta como vantagem da solução de presidência executiva bicéfala ou
repartida por dois o assegurar de “uma filosofia de continuidade da gestão da
sociedade para o futuro, em coerência com aquela que sempre foi desenvolvida
até este momento em concertação com os interesses estratégicos dos seus
acionistas.”
Por
outro lado, a saída de Belmiro não acontece de modo imprevisto nem repentino.
Ela deu passos progressivos. Assim, deixou a presidência executiva da Sonae
SGPS em 2007 e escolheu para lhe suceder no cargo o predito filho Paulo Azevedo.
Manteve-se como presidente não executivo e passou a dedicar mais tempo à Sonae
Indústria, companhia que, ao enfrentar uma grave crise de mercado, se viu
obrigada a proceder a uma profunda reestruturação de negócios.
Fernanda
Câncio, no DN de hoje, cita o que
terão dito a Belmiro no início da sua vida profissional: “Nesta coisa de saber e de mandar há três maneiras: ou se é filho do
patrão, ou se casa com a filha do patrão ou então é quem sabe. Mas só que sabe
é que manda”.
Porém,
o empresário não era filho de patrão nem casou com a filha de um; parece ser
filho do trabalho, do estudo e da ida à luta. E, neste sentido, que talvez não
em outros, será uma referência a ter em conta. A mencionada Fernanda Câncio
entende que ele será mais “produto combinado do pouco Estado Social existente
no pré-25 de Abril, das peripécias do período revolucionário e, claro, das suas
próprias e reconhecidas capacidades – de mando, desde logo”.
Na
escola primária, a coisa começou por correr mal, alegadamente por culpa do
primeiro professor (Já ao tempo a culpa era dos professores!), mas, graças a um professor
mais atento, lá conseguiu superar, após o que foi para a cidade do Porto, aos
cuidados de um tio, fiscal de obras, onde frequentou com êxito o Liceu
Alexandre Herculano, passando a frequentar, em 1956, a Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto, onde concluiu a licenciatura em Engenharia Química em
1964, após um interregno para o cumprimento do serviço militar. No último ano
de estudos, para conseguir dinheiro, começou a trabalhar na Efanor (Empresa
Fabril do Norte),
que abandonou dois anos depois, entrando, por convite (devido
ao prestígio que granjeara como aluno na Faculdade Engenharia), como Diretor de Investigação e
Desenvolvimento na Sonae (Sociedade Nacional de Aglomerados e
Estratificados), de
Afonso Pinto de Magalhães, também banqueiro e presidente do FCP (Futebol
Clube do Porto). Com
a partida de Pinto de Magalhães para o exílio, por força das vicissitudes do
PREC, Belmiro assumiu o controlo da Sonae.
No
ano de 1967, assumiu a função de Diretor-Geral e Administrador Delegado da
Sonae e, em 1973, por sentir um défice de formação na área da gestão
empresarial, partiu para os Estados Unidos, onde frequentou o “Program for
Management Development”, na Harvard Business School, em Boston. Realizou
posteriormente mais três pós-graduações: “Financial Management Program” na
Universidade de Stanford, “Strategic Management” na Universidade de Wharton e
“Global Strategy” na Universidade de Los Angeles, Califórnia.
Quando
assumiu a direção superior da Sonae, o empresário tinha nas mãos uma empresa
que se dedicava à produção de aglomerados de madeira, mas sobretudo a forte
ambição de expandir o universo de negócios. Conseguiu este desiderato quando
ganhou músculo financeiro através da colocação em bolsa de várias empresas que
pertenciam ao seu universo de negócios.
Mas
a grande viragem que o grupo encetou em Portugal deu-se quando entrou no
negócio da distribuição moderna, através do lançamento da rede de hipermercados
Modelo / Continente, que acabou por alavancar, também, o avanço para a
construção de vários centros comerciais espalhados pelo país.
Outra
aposta marcante da sua carreira empresarial foi a das telecomunicações, onde
criou um dos principais grupos portugueses, que acabou por se aliar à ZON,
dando lugar à atual NOS. Nesta área, fica para a história a OPA (oferta pública de aquisição) que lançou
sobre a Portugal Telecom, que acabou por não surtir efeito depois de uma forte
oposição da gestão da companhia e de alguns dos seus principais acionistas. Paulo
Azevedo, então presidente da Sonaecom, foi uma das figuras que emergiram, neste
processo, bem como Ângelo Paupério, que foi o responsável pela montagem de uma
operação financeira como nunca tinha havido em Portugal.
Em
paralelo com a atividade empresarial, surgiu, em 1991, a Fundação Belmiro de Azevedo, que desenvolve a política de mecenato
da empresa, nas áreas da Educação, das Artes, da Cultura e da Solidariedade, em
ações de parceria com indivíduos e entidades e contando com os colaboradores da
empresa em ações de voluntariado. E,
em 2008, esta Fundação abriu em Matosinhos o Colégio Efanor, no lugar das
velhas instalações fabris onde Belmiro de Azevedo deu início à sua carreira
profissional.
Também,
partir do início de 2015, a Missão
Sorriso, criada na área da cadeia das lojas Continente, passa a integrar o grupo Sonae. Ao longo de vários
anos, este projeto tem vindo a trabalhar com médicos e profissionais de saúde
para uma maior humanização dos serviços e para a prestação de um melhor serviço
técnico, através da doação de equipamento. Em 2012, ano em que decidiu alargar
o projeto a todos os distritos do país, não só continuou a atuar na área
da saúde e do envelhecimento ativo, como conseguiu apoiar a luta contra a
fome.
A Missão Sorriso começou por apoiar uma
Instituição de Solidariedade Social em 2003, depois alargou a atuação a
unidades pediátricas e, em 2011, apoiou também Agrupamentos de Centros de
Saúde e Instituições de Solidariedade Social. Nos últimos 11 anos,
contribuiu com mais de 9 milhões de euros, que se traduzem em
equipamentos hospitalares, materiais diversos de apoio a crianças e
seniores e ainda em produtos básicos de alimentação e higiene.
***
Se
referi a referência que Belmiro poderá ser como exemplo de quem subiu a pulso e
singrou pelo estudo, trabalho e espreita das oportunidades, também devo apontar
alguns dos pontos em que não pode servir como exemplo.
Desde
logo, a gestão do processo académico de Sócrates. Constituiu este político
governo maioritário na primavera de 2005, em resultado de vitória em eleições
democráticas. A relação com o empresário era amistosa. Quem não se recorda, por
exemplo, da presença pública do Primeiro-Ministro na implosão dos velhos
edifícios de Troia? Entretanto, o dossiê da licenciatura do político estava na
redação do Público. Mas só foi publicado dois anos depois, porque não tinha
sido encontrado o momento oportuno (cito de cor palavras do
então diretor José Manuel Fernandes).
A verdadeira razão reside no facto de, após o devido parecer da CMVM, o Governo
ter utilizado a golden share que
detinha na PT, impedindo assim o êxito da OPA.
Reconhecem-lhe
inteligência, frontalidade e espírito empreendedor, bem como frugalidade e
eficiência, sentido de ética (?), incentivo à inovação constante e
independência do poder político – valores que diz cultivar pessoalmente e
estender a toda a cultura do Grupo (Não sei se acredite). No entanto, é preciso
apontar-lhe a notória displicência, arrogância e descaimento para a
contradição. Não gosta de política, mas por motivos pouco válidos, como terem
os políticos a necessidade de andarem ao fim de semana a explicar isto e aquilo
aos populares. E, quando na segunda metade da década de 90, os deputados
precisaram de o ouvir, marcou a sua presença no Parlamento para as oito horas
da manhã e os deputados sujeitaram-se ao tempo do empresário, o que não fazem a
outros cidadãos (Ele alegou que tinha de trabalhar!). Não alinha na política, mas
apoiou visivelmente o PSD de Passos Coelho nas últimas eleições legislativas e
diz que o Grupo Sonae foi mais prejudicado por governos do PSD que pelos do PS.
Tem
o desplante de dizer que os trabalhadores alemães ganham mais que os
portugueses porque, numa hora, produzem o dobro dos trabalhadores portugueses.
E segue para a admissão de muitos trabalhadores o recurso a empresas de
recrutamento que os colocam só indiretamente ao serviço do Grupo Sonae, ficando
a relação de trabalho estabelecida precariamente com a empresa de recrutamento.
E
ainda hoje disse coisas como isto: quem não trabalha não pode ter dinheiro e
quem não tem dinheiro não pode ter luxos. Todavia, patrocina a solidariedade,
com que intenção?
E
há uma coisa de que fez pregão em tempos e que o Governo pretende copiar, nas desvantagens,
que não nas vantagens: incentivar e premiar a deslocação de trabalhadores para
sítios menos apetecíveis, mas criar desconforto àqueles que não queiram sair da
sua zona de conforto, para melhor servir a empresa. Não sei se tem em conta a
situação familiar dos trabalhadores e os seus gastos adicionais.
Depois
do exposto, tenho sérias dúvidas se o empório empresarial se construiu à custa do
trabalho do empresário ou à custa do trabalho dos outros, sobretudo dos que são
mal pagos; se o mecenatismo e a vertente solidária resultam da real vontade do
grupo empresarial ou da moda, do socialmente correto; se devo compreender o
homem que não acredita na política ou se devo censurar-lhe a deslocação da sede
social do grupo para o estrangeiro para ficar fora da instabilidade fiscal e o
facto de, quando as coisas se voltaram contra os outros empresários no PREC se ter
amoldado acriticamente para sobreviver; e se devo elogiar o homem que subiu a
pulso ou se devo recomendar as pílulas de sabedoria popular: “Não peças a quem pediu, não devas a quem
deveu, não sirvas a quem serviu”.
É
certo que a vida dos homens peca por incoerência, mas alguns abusam!
Sem comentários:
Enviar um comentário