A governança portuguesa não tem
andado no seu melhor nos dias que decorrem. No entanto, não é crível que isso seja
marca exclusiva dos últimos anos. Não obstante, é legítimo pôr o enfoque da
crítica nos últimos anos, dado que o país se sentiu coagido a sacrifícios
descomunais para alegadamente escapar à bancarrota.
Politicamente deixámos de estar
sob a vigilância apertada da troika – o que não é verdade do ponto de vista
técnico. Eles cá estão a censurar o governo por não prosseguir as reformas. E o
vice-presidente da Comissão Europeia pede por favor ao Governo que faça as
reformas estruturais, para que o plano Juncker possa ajudar. O Governo faz
agora o que não soube fazer dantes. Não tem medo da avaliação da troika, não comenta
notícias de jornal e manda esperar pelo comunicado da troika. Afinal, continua
a troika a dar as boas e más notícias e não o Governo do país soberano de oito
séculos.
A troika duvida da consecução das
metas orçamentais, mas a diretora máxima das finanças manda bugiar a opinião da
troika, o que antes era impensável. Será porque o tempo do investimento começou
em meados de 2013, decretado por Vítor Gaspar, ou porque estamos em ano de
eleições legislativas e em varanda das presidenciais?
Por seu turno, Cavaco Silva, que
o humorista do Expresso apresenta sentado
a segurar o Primeiro-Ministro reclinado no seu regaço, não por este ter sido descido
da cruz nem do poder, mas do estado de graça que lhe restava na opinião
pública, neste momento, não parece atribuir o principal mérito da folga
incremental da economia ao Governo que nomeou e empossou. Com efeito, Passo
Coelho, Sócrates ou Durão Barroso – e respetivos acólitos – não podiam ter subido
à cruz como Cristo. É que Este nunca mentiu (até morreu como
mártir da verdade),
nunca prestou falsas declarações, nunca fugiu aos impostos, nunca praticou ou sofreu
a corrupção (nem no túmulo),
nunca branqueou capitais, nunca usufruiu de pensão choruda de aposentação ou reforma,
nunca operou constrangimentos (a não ser ao diabo), nunca deixou de tomar decisões.
Quanto a Passos Coelho, resta o
que dele e do seu caso concluiu António Costa: tudo está explicado (quanto
mais fala menos explica)
e o caso agora está nas mãos dos portugueses. Com efeito, de momento, já não
interessa saber de declarou ou não, se estava inscrito ou não, se devia pagar ou
não, se pagou ou não, se foi notificado ou não, se podia ou não podia ser
notificado. Lamenta-se que se tenha distraído, que não tenha tido dinheiro
alguma vez. Não se entende que e como eventualmente tenha pago uma fração da
dívida já prescrita e não a totalidade. Não se entende que tenha adiado o pagamento
a partir do alegado conhecimento em 2012 para depois de deixar de ser
governante (ele pensa candidatar-se nas próximas eleições e pode
ganhá-las), a fim de
não se poder dizer que era tratado de forma privilegiada ou que estava à espera
da decisão do Tribunal Constitucional sobre a lei da convergência do regime público
da segurança social com o privado (naquela ocasião estavam
em causa as pensões, que eu saiba!).
Mas os deputados, nesta última matéria, ouviram e calaram. Não se tolera que o
governante mor tenha exibido certidões de não dívida ao fisco e à Segurança
social. Se não estava inscrito ou se a dívida prescreveu, como é que a certidão
havia de ser positiva? Mas os deputados ouviram e calaram.
***
Enfim, mas o Presidente da
República, que porfia em não se intrometer nas questões de governo, porque
alegadamente não tem funções executivas e quer pairar sobre o espectro
partidário, não se fica em pouco. Mais otimista que a OCDE e que o próprio Governo
elogiou hoje as políticas da maioria que suporta politicamente o Governo.
Na primeira visita
oficial de um Chefe do Estado português à OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico), Cavaco salientou, no Conselho daquela organização
internacional, que “a economia portuguesa apresenta-se
mais competitiva, sustentável e integrada na economia global”. Mas, se o executivo
português prevê uma taxa de crescimento anual da economia em 1,5% no ano
económico de 2015, o Presidente avança com a previsão do crescimento em 2
pontos percentuais. É certo que elogia a governação, mas as razões do minissucesso
prendem-se sobretudo com as recentes opções do BCE, a descida do petróleo e a
depreciação do euro frente ao dólar (fatores apontados pelas oposições).
No entanto e contraditoriamente, Cavaco elogia o
papel relevante dos relatórios da OCDE sobre o país, sem mencionar qualquer
deles, em especial o de março, que aponta para uma desaceleração no crescimento
da economia. Sabemos até que ultimamente o diferencial entre as exportações e
as importações pende para estas.
Porém, recebido pelo
mexicano Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, foi perante ele e os conselheiros
daquela organização que o Chefe do Estado português desenhou um quadro muito
positivo da situação do Portugal pós-troikano, relevando a descida do
desemprego para a taxa de 13%, a subida das exportações e o “monstro” (assim por ele considerado) – o défice excessivo e
a excessiva dívida pública, que atualmente está nos 129% do PIB – entrará em emagrecimento
significativo já este ano.
Mas Cavaco ainda advertiu
que, para o nosso sucesso ser efetivo e completo, “a Europa, a União Europeia,
a zona euro e, de alguma foram a comunidade internacional, com o G20 à cabeça,
também fizeram a sua parte das reformas estruturais para uma prosperidade partilhada”.
Eu gostava de acreditar nisto e ter a mesma fé de Cavaco Silva, que tem a ousadia
de interpelar os investidores e os mercados: “Ações – não palavras – são o cimento da confiança”. Lá terá de vir
outro discurso de Costa, ou de quem exerça papel semelhante, aos chineses e aos
angolanos, brasileiros, franceses…
Tudo isto se passou depois
do encontro do Presidente com peritos, que contou com a presença de Álvaro
Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Passos Coelho e que neste momento trabalha
para a OCDE.
É de acrescentar mais uma nota a
este respeito. O Presidente lera o livro de Gomes Canotilho e Vital Moreira, publicado
em 1991 e que fora elaborado a pedido de Mário Soares para clarificação dos poderes
presidenciais à luz da CRP, uma vez que havia divergência de entendimento entre
o presidente e o primeiro-ministro de então (respetivamente,
Mário Soares e Cavaco Silva).
O Presidente, que então teve dificuldade em aceitar o conteúdo do livro (Recorde-se
que a ponte de São João no Porto/Gaia foi inaugurada pelo Ministro das Obras
Públicas Ferreira do Amaral, quando estava um de cada lado do Douro, presidente
e primeiro-ministro!).
Agora, lido que foi o livro e painel dos poderes não sofrei alteração, Cavaco
Silva autoexalta meticulosamente a sua ação como presidente incluindo os
domínios da política externa e da defesa e vai ao ponto de perspetivar um
esquisso de perfil presidencial para os próximos anos (alguns
e ele próprio o negam),
mas o Presidente, depois de especificar a sua ação no prefácio ao volume Roteiros IX, aponta duas condições de exercício
presidencial: experiência em política externa e capacidade de conhecimento e
manipulação dos dossiês.
Agora, adverte que nenhum governo
pode fugir à necessidade de reformas. É certo que o Presidente diz o óbvio, mas
não deixa de o dizer. E podia poupar-nos a ouvi-lo dizer que lhe dá vontade de
rir pelos comentários que fazem a respeito do que diz e/ou escreve.
***
Os últimos desenvolvimentos
noticiosos dão-nos conta de que o Governo remeteu à Comissão Europeia 113
projetos de candidatura ao programa Juncker, dos quais 24 são projetos de PPP (parcerias
público-privadas). Isto
faz-me perguntar se a bondade das coisas depende das mãos em que elas estejam. Não
foi este o Governo que diabolizou as PPP, a Parque Escolar, as Energias Renováveis,
o Simplex e os CNO? Porque é que está tudo a regressar, embora com outra designação
e outra tutela, nalguns casos (os CNO, agora CQEP, são exemplo
disto)? Por isto
agora ser bom? Ainda vamos ver o TGV e o novo aeroporto!
Finalmente e por hoje, uma referência
ao programa VEM. Fiz eco nas minhas reflexões de um projeto de Resolução do Conselho
de Ministros, que gizou o Plano
Estratégico para as Migrações (2015-2020), abreviadamente denominado PEM, que
tem uma vertente de incentivo e apoio ao empreendedorismo, capaz de atrair quem
emigrou, e, por outro lado, faz a gestão da atribuição / distribuição de verbas
comunitárias que financiam medidas para emigrantes, imigrantes e “novos
portugueses”. Esse projeto entrou, a 26 de janeiro, em discussão pública, por
dez dias úteis.
Soubemos,
a 12 de março, que o Governo acabou efetivamente de aprovar o Plano Estratégico
para as Migrações 2015-2020 (PEM), apresentando como novidade a inclusão de
incentivos ao regresso de emigrantes, através de apoios à contratação de
desempregados e à criação de emprego próprio em Portugal. Sem quantificar esses
apoios nem falar em números, e remetendo detalhes para quando forem lançados os
concursos do novo quadro de fundos europeus, o secretário de Estado Adjunto do
ministro do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba, alegou que “há muitas
décadas” não havia uma política para as migrações que contemplasse incentivos
ao regresso de cidadãos portugueses emigrados.
Em conferência
de imprensa, no final da sessão do Conselho de Ministros, Pedro Lomba
ressalvou, contudo, que o Governo PSD/CDS-PP não vai conceder nenhuns apoios
exclusivos aos portugueses no estrangeiro, que não estejam disponíveis para os
residentes em Portugal: “Não, absolutamente”, declarou, acrescentando: “São
medidas que se aplicarão a quem estiver numa situação de desemprego, tanto aos
que estão, como aos que pretendam regressar a Portugal”.
Porém,
descaiu-se a dizer que seriam aprovados uns 40 projetos. É o vem devagar!
Tanta quebra
de pedra para tão pouco produto! Onde fica a pipa de massa com que Durão
Barroso enchia a boca e os ares?
***
Depois deste
arrazoado, não parece ridículo o modo como se tratam as questões da governança num
quadro intenso e extenso de drama humano?
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