segunda-feira, 16 de março de 2015

Do irrisório se não fosse dramático…

A governança portuguesa não tem andado no seu melhor nos dias que decorrem. No entanto, não é crível que isso seja marca exclusiva dos últimos anos. Não obstante, é legítimo pôr o enfoque da crítica nos últimos anos, dado que o país se sentiu coagido a sacrifícios descomunais para alegadamente escapar à bancarrota.
Politicamente deixámos de estar sob a vigilância apertada da troika – o que não é verdade do ponto de vista técnico. Eles cá estão a censurar o governo por não prosseguir as reformas. E o vice-presidente da Comissão Europeia pede por favor ao Governo que faça as reformas estruturais, para que o plano Juncker possa ajudar. O Governo faz agora o que não soube fazer dantes. Não tem medo da avaliação da troika, não comenta notícias de jornal e manda esperar pelo comunicado da troika. Afinal, continua a troika a dar as boas e más notícias e não o Governo do país soberano de oito séculos.
A troika duvida da consecução das metas orçamentais, mas a diretora máxima das finanças manda bugiar a opinião da troika, o que antes era impensável. Será porque o tempo do investimento começou em meados de 2013, decretado por Vítor Gaspar, ou porque estamos em ano de eleições legislativas e em varanda das presidenciais?
Por seu turno, Cavaco Silva, que o humorista do Expresso apresenta sentado a segurar o Primeiro-Ministro reclinado no seu regaço, não por este ter sido descido da cruz nem do poder, mas do estado de graça que lhe restava na opinião pública, neste momento, não parece atribuir o principal mérito da folga incremental da economia ao Governo que nomeou e empossou. Com efeito, Passo Coelho, Sócrates ou Durão Barroso – e respetivos acólitos – não podiam ter subido à cruz como Cristo. É que Este nunca mentiu (até morreu como mártir da verdade), nunca prestou falsas declarações, nunca fugiu aos impostos, nunca praticou ou sofreu a corrupção (nem no túmulo), nunca branqueou capitais, nunca usufruiu de pensão choruda de aposentação ou reforma, nunca operou constrangimentos (a não ser ao diabo), nunca deixou de tomar decisões.
Quanto a Passos Coelho, resta o que dele e do seu caso concluiu António Costa: tudo está explicado (quanto mais fala menos explica) e o caso agora está nas mãos dos portugueses. Com efeito, de momento, já não interessa saber de declarou ou não, se estava inscrito ou não, se devia pagar ou não, se pagou ou não, se foi notificado ou não, se podia ou não podia ser notificado. Lamenta-se que se tenha distraído, que não tenha tido dinheiro alguma vez. Não se entende que e como eventualmente tenha pago uma fração da dívida já prescrita e não a totalidade. Não se entende que tenha adiado o pagamento a partir do alegado conhecimento em 2012 para depois de deixar de ser governante (ele pensa candidatar-se nas próximas eleições e pode ganhá-las), a fim de não se poder dizer que era tratado de forma privilegiada ou que estava à espera da decisão do Tribunal Constitucional sobre a lei da convergência do regime público da segurança social com o privado (naquela ocasião estavam em causa as pensões, que eu saiba!). Mas os deputados, nesta última matéria, ouviram e calaram. Não se tolera que o governante mor tenha exibido certidões de não dívida ao fisco e à Segurança social. Se não estava inscrito ou se a dívida prescreveu, como é que a certidão havia de ser positiva? Mas os deputados ouviram e calaram.
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Enfim, mas o Presidente da República, que porfia em não se intrometer nas questões de governo, porque alegadamente não tem funções executivas e quer pairar sobre o espectro partidário, não se fica em pouco. Mais otimista que a OCDE e que o próprio Governo elogiou hoje as políticas da maioria que suporta politicamente o Governo.
Na primeira visita oficial de um Chefe do Estado português à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), Cavaco salientou, no Conselho daquela organização internacional, que “a economia portuguesa apresenta-se mais competitiva, sustentável e integrada na economia global”. Mas, se o executivo português prevê uma taxa de crescimento anual da economia em 1,5% no ano económico de 2015, o Presidente avança com a previsão do crescimento em 2 pontos percentuais. É certo que elogia a governação, mas as razões do minissucesso prendem-se sobretudo com as recentes opções do BCE, a descida do petróleo e a depreciação do euro frente ao dólar (fatores apontados pelas oposições).
No entanto e contraditoriamente, Cavaco elogia o papel relevante dos relatórios da OCDE sobre o país, sem mencionar qualquer deles, em especial o de março, que aponta para uma desaceleração no crescimento da economia. Sabemos até que ultimamente o diferencial entre as exportações e as importações pende para estas.
Porém, recebido pelo mexicano Angel Gurría, secretário-geral da OCDE, foi perante ele e os conselheiros daquela organização que o Chefe do Estado português desenhou um quadro muito positivo da situação do Portugal pós-troikano, relevando a descida do desemprego para a taxa de 13%, a subida das exportações e o “monstro” (assim por ele considerado) – o défice excessivo e a excessiva dívida pública, que atualmente está nos 129% do PIB – entrará em emagrecimento significativo já este ano.
Mas Cavaco ainda advertiu que, para o nosso sucesso ser efetivo e completo, “a Europa, a União Europeia, a zona euro e, de alguma foram a comunidade internacional, com o G20 à cabeça, também fizeram a sua parte das reformas estruturais para uma prosperidade partilhada”. Eu gostava de acreditar nisto e ter a mesma fé de Cavaco Silva, que tem a ousadia de interpelar os investidores e os mercados: “Ações – não palavras – são o cimento da confiança”. Lá terá de vir outro discurso de Costa, ou de quem exerça papel semelhante, aos chineses e aos angolanos, brasileiros, franceses…
Tudo isto se passou depois do encontro do Presidente com peritos, que contou com a presença de Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Passos Coelho e que neste momento trabalha para a OCDE.
É de acrescentar mais uma nota a este respeito. O Presidente lera o livro de Gomes Canotilho e Vital Moreira, publicado em 1991 e que fora elaborado a pedido de Mário Soares para clarificação dos poderes presidenciais à luz da CRP, uma vez que havia divergência de entendimento entre o presidente e o primeiro-ministro de então (respetivamente, Mário Soares e Cavaco Silva). O Presidente, que então teve dificuldade em aceitar o conteúdo do livro (Recorde-se que a ponte de São João no Porto/Gaia foi inaugurada pelo Ministro das Obras Públicas Ferreira do Amaral, quando estava um de cada lado do Douro, presidente e primeiro-ministro!). Agora, lido que foi o livro e painel dos poderes não sofrei alteração, Cavaco Silva autoexalta meticulosamente a sua ação como presidente incluindo os domínios da política externa e da defesa e vai ao ponto de perspetivar um esquisso de perfil presidencial para os próximos anos (alguns e ele próprio o negam), mas o Presidente, depois de especificar a sua ação no prefácio ao volume Roteiros IX, aponta duas condições de exercício presidencial: experiência em política externa e capacidade de conhecimento e manipulação dos dossiês.
Agora, adverte que nenhum governo pode fugir à necessidade de reformas. É certo que o Presidente diz o óbvio, mas não deixa de o dizer. E podia poupar-nos a ouvi-lo dizer que lhe dá vontade de rir pelos comentários que fazem a respeito do que diz e/ou escreve.
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Os últimos desenvolvimentos noticiosos dão-nos conta de que o Governo remeteu à Comissão Europeia 113 projetos de candidatura ao programa Juncker, dos quais 24 são projetos de PPP (parcerias público-privadas). Isto faz-me perguntar se a bondade das coisas depende das mãos em que elas estejam. Não foi este o Governo que diabolizou as PPP, a Parque Escolar, as Energias Renováveis, o Simplex e os CNO? Porque é que está tudo a regressar, embora com outra designação e outra tutela, nalguns casos (os CNO, agora CQEP, são exemplo disto)? Por isto agora ser bom? Ainda vamos ver o TGV e o novo aeroporto!
Finalmente e por hoje, uma referência ao programa VEM. Fiz eco nas minhas reflexões de um projeto de Resolução do Conselho de Ministros, que gizou o Plano Estratégico para as Migrações (2015-2020), abreviadamente denominado PEM, que tem uma vertente de incentivo e apoio ao empreendedorismo, capaz de atrair quem emigrou, e, por outro lado, faz a gestão da atribuição / distribuição de verbas comunitárias que financiam medidas para emigrantes, imigrantes e “novos portugueses”. Esse projeto entrou, a 26 de janeiro, em discussão pública, por dez dias úteis.
Soubemos, a 12 de março, que o Governo acabou efetivamente de aprovar o Plano Estratégico para as Migrações 2015-2020 (PEM), apresentando como novidade a inclusão de incentivos ao regresso de emigrantes, através de apoios à contratação de desempregados e à criação de emprego próprio em Portugal. Sem quantificar esses apoios nem falar em números, e remetendo detalhes para quando forem lançados os concursos do novo quadro de fundos europeus, o secretário de Estado Adjunto do ministro do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba, alegou que “há muitas décadas” não havia uma política para as migrações que contemplasse incentivos ao regresso de cidadãos portugueses emigrados.
Em conferência de imprensa, no final da sessão do Conselho de Ministros, Pedro Lomba ressalvou, contudo, que o Governo PSD/CDS-PP não vai conceder nenhuns apoios exclusivos aos portugueses no estrangeiro, que não estejam disponíveis para os residentes em Portugal: “Não, absolutamente”, declarou, acrescentando: “São medidas que se aplicarão a quem estiver numa situação de desemprego, tanto aos que estão, como aos que pretendam regressar a Portugal”.
Porém, descaiu-se a dizer que seriam aprovados uns 40 projetos. É o vem devagar!
Tanta quebra de pedra para tão pouco produto! Onde fica a pipa de massa com que Durão Barroso enchia a boca e os ares?
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Depois deste arrazoado, não parece ridículo o modo como se tratam as questões da governança num quadro intenso e extenso de drama humano?

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