quinta-feira, 5 de março de 2015

Jogos de Banca ou jogos de interesses?

Recentemente, o CaixaBank catalão, que detém 44,1% do capital do BPI, lançou uma OPA (oferta pública de aquisição) sobre o banco, ou seja quer deter a o controlo da instituição.
Aquele grupo já comprou cinco bancos desde 2010 – Caixa Girona, Bankpyme, Banca Cívica, Banco de Valência e Barclays em Espanha. O jornal espanhol El País refere que o BPI perdera 161 milhões de euros em 2014 e vale 1520 milhões em Bolsa.
Mas, para que a OPA fosse viável, era necessário que a Santoro (o segundo maior acionista), que detém 18,6% do capital do mesmo BPI, concordasse com a desblindagem dos estatutos, pois, de momento, nenhum acionista, qualquer que seja o volume da sua participação, dispõe de mais de 20% dos votos para uma tomada de decisão negocial.
Pronunciando-se sobre a OPA, Isabel dos Santos (filha do Presidente da República Popular de Angola), que detém o controlo da Santoro e o da Sonangol (acionista maioritário do BCP), encontra um negócio alternativo, que julga mais vantajoso para Portugal (?!).
Sendo assim, Isabel dos Santos, não pensa abrir mão do BPI para o ceder aos espanhóis. Pretende, antes, fundir o Banco Português de Investimento (BPI), liderado por Fernando Ulrich, com o Banco Comercial Português (BCP), o maior banco privado português, liderado por Nuno Amado, para vir a criar o maior banco português – com posições em Angola, Moçambique e Polónia e uma estrutura de geração de valor para os acionistas – superando o banco do Estado, a Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Não é a primeira vez que a fusão entre BPI e BCP surge como cenário. A primeira foi em 2006, quando o BCP lançou uma OPA sobre o Banco Português de Investimento. Nove anos depois está sobre a mesa uma nova proposta para fundir as duas instituições. A rejeição da possibilidade de apoio aos espanhóis do Caixabank na OPA lançada sobre o BPI coloca o grupo catalão num impasse, podendo precipitar a queda da operação. Por seu turno, os espanhóis já tinham feito saber que só apoiariam o BPI na aquisição do Novo Banco se a sua OPA tivesse sucesso. Também o sério candidato à compra do Novo Banco pode perder as esperanças em relação a esta aquisição enquanto se mantiver o atual estado de coisas.
Fonte oficial da empresária angolana garante estar, com esta proposta, a “devolver o sentimento da ambição ao sistema financeiro português”, no pressuposto de que propor uma fusão “potencia muito mais valor para as instituições em causa e para a economia portuguesa”. Afinal, os zeladores do nosso bem-estar coletivo não são apenas os chineses – é bom que Portas e Costa o aprendam e façam um discurso de elogio aos angolanos, dizendo que o país está bastante diferente de 2011! A seguir, virão altas figuras do PSD a declarar apoio improvável a Portas e a Costa.
Isabel dos Santos é ainda mais explícita ao argumentar que, enquanto a OPA anunciada pelo grupo catalão “pressupõe uma integração ibérica, legítima à luz dos interesses de quem a faz, mas afastada dos interesses do sistema financeiro português, a nossa proposta de fusão projeta um movimento de consolidação em Portugal”. É óbvio que estas são tiradas de inegável pendor político, para fazer valer, à vista de todos, as convenientes tomadas de posição financeiras e alcançar objetivos económicos privados.
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Isabel dos Santos escreveu, no passado dia 2 de março, uma carta ao BCP e ao BPI, tendo-a também enviado ao presidente do Caixabank. O BPI divulgou-a no dia seguinte por imposição da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM). Nela se refere que a Santoro manteve nos últimos dias contactos “ainda preliminares” com vários acionistas do BCP, e com a gestão de Nuno Amado, concluindo pela existência de abertura para iniciar o processo de negociação com vista à fusão. Na sequência da divulgação da missiva, a Comissão Executiva do BCP veio manifestar disponibilidade, se houver “interesse” do BPI, “para analisar a referida operação”. E refere que falou só depois de ter recebido luz verde dos seus principais acionistas, sendo o mais relevante a petrolífera angolana Sonangol, que detém cerca de 20% do capital do BCP, fundado por Jardim Gonçalves.
Apesar dos seus objetivos e do eventual mérito maior que o da OPA, a fusão também é passível de objeções, por não salvaguardar” a independência da gestão, que fica “integrada numa estrutura internacional”, ao passo que o atual modelo acionista do BPI tem o “mérito” de ser “diferenciado”, “alinhado e coeso” e permitir manter “a independência da gestão a longo prazo”. Por outro lado, a fusão implicará o encerramento de agências e o despedimento de trabalhadores – o que parece ser de somenos, já que o desígnio empresarial se concretiza mesmo à custa das expectativas das pessoas e famílias e com o emagrecimento dos serviços. É o capital, a reestruturação, os jogos de poder!
BCP e BPI são dois bancos que têm a principal força da sua atividade no território português, mas o estrangeiro tem sido também uma aposta de ambos. O primeiro gere uma importante operação na Polónia, enquanto o segundo tem em Angola a sua mais importante presença em termos externos.
Enquanto, no ano passado, o BPI regressou a um cenário de prejuízos (161 milhões de euros, essencialmente devidos a custos e perdas não recorrentes), o BCP melhorou de forma significativa o seu resultado negativo, para 218 milhões de euros (740 em 2013).
Os dois bancos reúnem, em conjunto, um volume de depósitos de cerca de 78 mil milhões de euros, contra os 71 mil milhões que a CGD contabiliza. Do lado do crédito concedido, o novo banco, resultante da fusão do BCP e BPI, teria cerca de 75 mil milhões de euros, face aos 67 mil milhões emprestados pelo banco do Estado.
Hoje, 4 de março, o conselho de administração do BPI, presidido pelo fundador Artur Santos Silva, debateu a OPA do CaixaBank. São os dois principais acionistas do BPI (CaixaBank e Santoro) a baterem-se pelo capital. A administração, que está dividida sobre a fusão, adiou para amanhã a decisão final. Mas, pelo menos, parece unânime na contestação do preço pelo qual os espanhóis se propõem comprar o BPI. Os 1,239 euros oferecidos por ação (a média dos últimos seis meses) representam o valor mínimo obrigatório no contexto de uma operação de mercado.
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Voltando à carta de Isabel dos Santos, vejam-se os objetivos que ela define para a fusão dos dois bancos e para a potencial candidatura à compra do Novo Banco (o bom), resultante da divisão do Banco Espírito Santo (Novo Banco e BES):
- Criar o maior banco privado português com sede em Portugal e posições de referência em Angola, Moçambique e Polónia;
- Conseguir ter gestão profissional, portuguesa e independente dos acionistas;
- Obter um núcleo acionista forte, coeso e diversificado; e
- Reforçar a capacidade de intervenção no suporte às relações empresariais e negócios das empresas portuguesas.
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Acredita-se que a participação da empresária angolana no BPI não terá sido “apenas financeira” e que a sua posição no setor financeiro português é “estratégica”. Porém, não é crível que Isabel sobreponha os interesses de Portugal aos de Angola e sobretudo aos seus.
De resto, o dilema permanece: um grupo económico e financeiro de reduzida dimensão não tem pernas para andar; e um grupo muito grande, por mais estratégico, político ou filantrópico que se autodenomine, busca em primeiro lugar os interesses imediatos dos gestores de topo e, a prazo, os dos acionistas.
Dá jeito agora a um capital sem rosto e sem nacionalidade acoitar-se em Portugal, país da permissividade e onde a justiça é lenta, ineficaz e desigual – o país das pontes para toda a parte, ainda com remorso da colonização!
Patriotismo, ética e democracia económica têm sido vertentes que mais se têm visto na política e no desenho financeiro, não é? Veja-se como eles ficaram anediados! Onde param os homens e mulheres que serviram Portugal governando? Que é dos swaps, PPP, reformas chorudas, estágios políticos em grandes empresas? Que é feito das filantropias económicas do BCP, BPP, BPN, também da nossa CGD e sobretudo agora do BES/GES?
O jogo na banca e da banca é mais vergonhoso que o do Terreiro do Paço e ainda mais explorador, não?

Como não sou Presidente da República, não sugiro o sobressalto democrático de 12 de março, mas proponho a todos e cada um a pertinente tomada de consciência crítica que traga reais consequências.

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