Está
em discussão pública, desde hoje (23 de março) até ao próximo dia 17 de abril,
a Proposta de novo Programa
de Português do Ensino Básico, que segue e enquadra, segundo nota do Ministério
da Educação e Ciência (constante no site da
DGE / Direção Geral da Educação), as metas curriculares para
esta disciplina, homologadas pelo Despacho n.º 10874/2012, de 3 de agosto e publicado
no Diário da República, 2.ª série, n.º 155, de 10 de agosto, que se encontram
em vigor e em observância pelas diversas escolas do país.
A
apresentação a discussão pública do documento, em março – para receber
comentários, críticas e sugestões, com vista a enriquecer e melhorar a proposta
inicial – vem determinada pelo Despacho n.º 2109/2015, de 23 de abril e
publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 41, de 27 de fevereiro, que
entrou em vigor, conforme indicação expressa no mesmo, na data da assinatura.
Segundo o que explicita a aludida nota da DGE, o novo documento “Programa e Metas
Curriculares de Português do Ensino Básico” deverá
ser homologado no final de abril para vigorar a partir do ano letivo de
2015/2016. Esta é a última etapa dos ajustamentos introduzidos no Currículo
Nacional, iniciados em 2012 com a Revisão da Estrutura Curricular.
***
Ao nível do comentário, convém começar por dizer que não se
entende o afã deste governo em tudo querer mudar no atinente à Educação. Não
mudou a CRP porque não conseguiu garantir a maioria de dois terços dos
parlamentares; e não mudou a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), porque aquela que está em vigor é demasiado
consensual e a experiência que o governo de Durão Barroso experimentou com o
veto de Jorge Sampaio deixou marcas políticas.
De resto, praticamente foram criados novos normativos legais
para orientação dos procedimentos em matéria educativa: sistema de organização,
desenho curricular e funcionamento do ensino básico e secundário (científico-humanístico e profissional); sistema de avaliação das
aprendizagens (agora,
avaliação dos conhecimentos adquiridos e das
capacidades desenvolvidas)
no ensino básico; sistema de avaliação e certificação das aprendizagens (agora, avaliação dos conhecimentos
adquiridos e das capacidades desenvolvidas) no ensino secundário; e organização, funcionamento,
avaliação e certificação das aprendizagens (agora, avaliação dos
conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas) no ensino profissional e no ensino
artístico. É regulamentada anualmente ao pormenor a organização do ano letivo,
de modo que é muito difícil saber ao certo o que não será componente letiva dos
professores e em que consiste a autonomia do Agrupamento após tanta e tão
meticulosa regulamentação. O MEC promoveu a aprovação de uma nova lei do
estatuto do aluno, a que adicionou a ética escolar, e a aprovação de um novo
estatuto do ensino particular e cooperativo. O MEC encerrou mais escolas e
criou mais agregações de agrupamentos; desfez, “em termos de nomenclatura”, toda
a orgânica central e regional do MEC herdada do passado; e criou novos diplomas
legais para concurso e colocação de docentes, ao abrigo dos quais se gerou a
confusão de maior impacto dos últimos tempos.
Porém, o estatuto da carreira docente (ECD) sofreu umas pequenas alterações cirúrgicas, das quais a
mais significativa, embora limitada, diz respeito à avaliação do desempenho do
pessoal docente (ADD). Também surgiu uma alteração
significativa ao famigerado regime da autonomia, administração e gestão das
escolas e agrupamentos de escolas e prepara-se a municipalização da educação.
E, como se fosse novidade, foi implementada a prova de avaliação de capacidades
e conhecimentos dos docentes (PACC) que
pretendem lecionar, sob pena de não poderem concorrer a um lugar de contratado,
que não apenas para ingresso na carreira.
Os centros de novas oportunidades (CNO) foram substituídos pelos CQEP (centros de qualificação e ensino
profissional) e os CEF (cursos de educação e formação) foram substituídos pelos CV (cursos vocacionais).
Também aprovado um novo instrumento legal para a formação
inicial de professores cujo corolário é a PACC.
Em suma, este MEC parece ter prazer em revogar e mostrar que
existe, mesmo que seja necessário inventar fórmulas matemáticas. Veja-se o caso
da fórmula matemática que obstruiu a colocação de docentes ou das fórmulas que
presidem ao crédito horário nas escolas para reforço das aprendizagens. E que
dizer dos critérios e subcritérios (uma espécie de minifloresta) para recrutamento e seleção de professores e outros
técnicos superiores para satisfação das necessidades eventuais nas escolas?
***
Quanto a programas de Português e tomando como referência a
publicação de LBSE em outubro de 1986 e os trabalhos subsequentes da Comissão
de Reforma do Sistema Educativo e dos respetivos grupos de trabalho, foram desenhados
novos planos de estudos e elaborados novos programas para cada uma das
disciplinas e para cada ano de escolaridade.
Os programas de Português no Ensino Básico estiveram em vigor
durante aproximadamente 19 anos; o do Ensino Secundário, cerca de 11 anos (tendo ocorrido em 1996 um ligeiro
ajustamento). Em
2003/2004, entraram em vigor novos programas de Português no Ensino Secundário,
que foram substituídos por novos a vigorar, embora faseadamente, a partir do
início do próximo ano letivo. O programa de Português para o ensino Básico foi
substituído por um novo programa em 2009 e tem uma vigência de cerca de 6 anos
apenas.
No entanto, o MEC defendia que
o programa do ensino secundário se situava “na continuidade do ensino básico,
introduzindo os mesmos domínios constitutivos da disciplina: oralidade,
leitura, escrita, educação literária e gramática” e que dá uma grande
importância à análise, compreensão e interpretação de texto e ao
desenvolvimento da capacidade de comunicação e argumentação. Ora, o programa de Português para o Ensino
Básico que está em discussão pública foi elaborado depois do programa do Ensino
Secundário. Também será este alterado antes da sua entrada em vigor para se
manter a verdade da afirmação do MEC?
Porque é que se muda
tão frequentemente de programas? Não é por certo pela alteração do paradigma
educativo, já que a CRP e a LBSE não sofreram alterações significativas. É a
guerra contra as “competências” no ensino e contra as áreas curriculares não
disciplinares a ocupar o lugar de disciplinas. Sob a capa de interesses
ideológicos disfarçados de cientificidade tecnicidade, brinca-se com o universo
das escolas e das crianças e adolescentes. Um dos primeiros despachos do atual
MEC foi a abolição do ensino por competências, que se definiam de forma
simplificada como o “saber em ação”, mobilizador e integrador de conhecimentos,
capacidades e habilidades. Era necessário estabelecer o primado dos conteúdos,
embora se definam uns objetivos para enquadramento dos conteúdos.
De outro modo, não
se compreende que primeiro sejam definidas as metas curriculares – que, ao
invés de constituírem largos objetivos de ensino/aprendizagem, configuram um
quadro de objetivos e descritores de operacionalização da aquisição e aplicação
de conteúdos – e só depois os programas. Ou seja, andou-se ao contrário:
primeiro, estabeleceram-se quadros operativos (as sobreditas metas) e só depois se estabeleceu o seu enquadramento (o programa). Pôs-se o carro à
frente dos bois! E quem mandou? O Senhor Ministro. Veja-se o n.º 4 do mencionado
despacho n.º 2109/2015,
publicado em 27 de fevereiro e que entrou em vigor a 23:
“O novo
Programa para o Ensino Básico deverá ainda harmonizar-se com as Metas
Curriculares, designadamente no que respeita ao enquadramento das finalidades
da disciplina, aos objetivos cognitivos e às capacidades gerais a desenvolver,
dado ter sido assumido que as Metas se limitariam a enunciar de forma
organizada, e sempre que possível sequencial, os objetivos de desempenho
essenciais de cada disciplina”.
O importante era a eliminação
das competências que figuravam nos programas do ensino básico e do secundário e
substituir o “conhecimento explícito da língua” pela “gramática”. Não podemos
esquecer que as metas curriculares definidas para cada ano de escolaridade
vieram substituir as metas de aprendizagem definidas para cada ciclo e
estribadas nas competências.
Diz a DGE que “o documento não introduz ruturas em
relação ao documento orientador atualmente em vigor, apenas o enquadra e lhe dá
coerência” e que procede aos “reajustamentos mínimos indispensáveis à
articulação entre as orientações do Programa e das Metas Curriculares, sem com
isso obrigar à adoção de novos manuais”. Sendo assim, porque é que o aludido
despacho consigna a revogação pura e simples dos programas em vigor? Poderíamos
dispor efetivamente dum novo documento remetendo a reflexão para aspetos importantes
do anterior e revogando apenas os pontos que entrassem em colisão com os do
novo.
Ora, vejamos (Que lindo!): “Foram dadas orientações no sentido de ser respeitada a autonomia
pedagógica dos professores, dos autores de manuais, das escolas, devendo as
recomendações metodológicas ser limitadas aos pontos essenciais e baseadas na
experiência e em conhecimento científico sólido”! – escreve a DGE. Além de
irónico – mais ou menos como a questão da autonomia das escolas – é comovente. A contrario, leia-se o que se refere no
âmbito da avaliação, no corpo do programa:
“As
Metas Curriculares que acompanham este Programa constituem o documento
de referência de todos os processos
avaliativos, de acordo com o estabelecido nos descritores de desempenho.
A classificação resultante da avaliação interna no final de cada período
traduzirá, portanto, o nível de consecução dos desempenhos descritos”
(sublinhei!).
***
Quanto à estrutura do programa, há que dizer que abre com a introdução em que se justifica esta
produção programática, porfia a articulação com as metas, expõe a sequência dos
diversos pontos e garante o contributo para a eficácia do ensino do Português. Logo
a seguir, vem a definição dos 21 objetivos
para a disciplina no Ensino Básico em geral.
Depois, vem a arrumação do programa para cada ciclo,
distribuída por caraterização do
ciclo, indicação dos domínios por que
se distribuem os conteúdos e quadro
sinótico para cada ano do ciclo respetivo, com a designação de cada domínio,
dos respetivos conteúdos e das metas curriculares para que se faz remissão.
Para o 1.º ciclo e para o 2.º, os domínios são quatro: Oralidade
(O); Leitura e Escrita (LE); Educação Literária (EL); e Gramática
(G). Para o 3.º ciclo, pelo desdobramento do domínio Leitura e Escrita (LE),
os domínios são cinco: Oralidade (O); Leitura (E); Escrita (LE); Educação
Literária (EL); e Gramática (G).
Vêm, a seguir, 3 parágrafos dedicados à metodologia, que fica a cargo do professor, desde que dê
cumprimento a tudo o que está estabelecido e mobilize a complexa meia dúzia de valências
indicadas; e outros 3 parágrafos dedicados à avaliação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades
desenvolvidas.
Finalmente, somos presenteados com 4 páginas de indicações bibliográficas.
O programa de três ciclos ocupa ao todo 42 páginas, a que se
seguem as demais com as metas curriculares (já em vigor) para atingirmos as 102
páginas.
Diz-se adeus, por força da revogação, ao anterior programa de
175 páginas sobre o qual foram definidas as metas de aprendizagem (em desuso) e as novas metas curriculares (em vigor). A sua grande falha era a não prestação
de indicações para a avaliação específicas da disciplina e em cada ciclo. Todavia,
com exceção dos textos literários e paraliterários, indicados por ano de
escolaridade, os conteúdos eram distribuídos, não por ano, mas por ciclo – o que
permitia uma gestão mais flexível do programa de acordo com os ritmos de aprendizagem.
E, sobretudo havia material de fundamentação para reflexão do docente.
Porém, o que está em causa hoje é não a aprendizagem, mas o
ensino; não as competências, mas os conhecimentos e capacidades. As aprendizagens
e as competências avaliam-se; do ensino recebidos e dos conhecimentos adquiridos
prestam-se contas em exame ou prova final. E, se o aluno falhou, volta a aulas
e faz outra prova. Sacrifica-te, professor!
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