terça-feira, 24 de março de 2015

Novo Programa de Português do Ensino Básico

Está em discussão pública, desde hoje (23 de março) até ao próximo dia 17 de abril, a Proposta de novo Programa de Português do Ensino Básico, que segue e enquadra, segundo nota do Ministério da Educação e Ciência (constante no site da DGE / Direção Geral da Educação), as metas curriculares para esta disciplina, homologadas pelo Despacho n.º 10874/2012, de 3 de agosto e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 155, de 10 de agosto, que se encontram em vigor e em observância pelas diversas escolas do país.
A apresentação a discussão pública do documento, em março – para receber comentários, críticas e sugestões, com vista a enriquecer e melhorar a proposta inicial – vem determinada pelo Despacho n.º 2109/2015, de 23 de abril e publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 41, de 27 de fevereiro, que entrou em vigor, conforme indicação expressa no mesmo, na data da assinatura.
Segundo o que explicita a aludida nota da DGE, o novo documento “Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico” deverá ser homologado no final de abril para vigorar a partir do ano letivo de 2015/2016. Esta é a última etapa dos ajustamentos introduzidos no Currículo Nacional, iniciados em 2012 com a Revisão da Estrutura Curricular.
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Ao nível do comentário, convém começar por dizer que não se entende o afã deste governo em tudo querer mudar no atinente à Educação. Não mudou a CRP porque não conseguiu garantir a maioria de dois terços dos parlamentares; e não mudou a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), porque aquela que está em vigor é demasiado consensual e a experiência que o governo de Durão Barroso experimentou com o veto de Jorge Sampaio deixou marcas políticas.
De resto, praticamente foram criados novos normativos legais para orientação dos procedimentos em matéria educativa: sistema de organização, desenho curricular e funcionamento do ensino básico e secundário (científico-humanístico e profissional); sistema de avaliação das aprendizagens (agora, avaliação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas) no ensino básico; sistema de avaliação e certificação das aprendizagens (agora, avaliação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas) no ensino secundário; e organização, funcionamento, avaliação e certificação das aprendizagens (agora, avaliação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas) no ensino profissional e no ensino artístico. É regulamentada anualmente ao pormenor a organização do ano letivo, de modo que é muito difícil saber ao certo o que não será componente letiva dos professores e em que consiste a autonomia do Agrupamento após tanta e tão meticulosa regulamentação. O MEC promoveu a aprovação de uma nova lei do estatuto do aluno, a que adicionou a ética escolar, e a aprovação de um novo estatuto do ensino particular e cooperativo. O MEC encerrou mais escolas e criou mais agregações de agrupamentos; desfez, “em termos de nomenclatura”, toda a orgânica central e regional do MEC herdada do passado; e criou novos diplomas legais para concurso e colocação de docentes, ao abrigo dos quais se gerou a confusão de maior impacto dos últimos tempos.
Porém, o estatuto da carreira docente (ECD) sofreu umas pequenas alterações cirúrgicas, das quais a mais significativa, embora limitada, diz respeito à avaliação do desempenho do pessoal docente (ADD). Também surgiu uma alteração significativa ao famigerado regime da autonomia, administração e gestão das escolas e agrupamentos de escolas e prepara-se a municipalização da educação. E, como se fosse novidade, foi implementada a prova de avaliação de capacidades e conhecimentos dos docentes (PACC) que pretendem lecionar, sob pena de não poderem concorrer a um lugar de contratado, que não apenas para ingresso na carreira.
Os centros de novas oportunidades (CNO) foram substituídos pelos CQEP (centros de qualificação e ensino profissional) e os CEF (cursos de educação e formação) foram substituídos pelos CV (cursos vocacionais).
Também aprovado um novo instrumento legal para a formação inicial de professores cujo corolário é a PACC.
Em suma, este MEC parece ter prazer em revogar e mostrar que existe, mesmo que seja necessário inventar fórmulas matemáticas. Veja-se o caso da fórmula matemática que obstruiu a colocação de docentes ou das fórmulas que presidem ao crédito horário nas escolas para reforço das aprendizagens. E que dizer dos critérios e subcritérios (uma espécie de minifloresta) para recrutamento e seleção de professores e outros técnicos superiores para satisfação das necessidades eventuais nas escolas?
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Quanto a programas de Português e tomando como referência a publicação de LBSE em outubro de 1986 e os trabalhos subsequentes da Comissão de Reforma do Sistema Educativo e dos respetivos grupos de trabalho, foram desenhados novos planos de estudos e elaborados novos programas para cada uma das disciplinas e para cada ano de escolaridade.
Os programas de Português no Ensino Básico estiveram em vigor durante aproximadamente 19 anos; o do Ensino Secundário, cerca de 11 anos (tendo ocorrido em 1996 um ligeiro ajustamento). Em 2003/2004, entraram em vigor novos programas de Português no Ensino Secundário, que foram substituídos por novos a vigorar, embora faseadamente, a partir do início do próximo ano letivo. O programa de Português para o ensino Básico foi substituído por um novo programa em 2009 e tem uma vigência de cerca de 6 anos apenas.
No entanto, o MEC defendia que o programa do ensino secundário se situava “na continuidade do ensino básico, introduzindo os mesmos domínios constitutivos da disciplina: oralidade, leitura, escrita, educação literária e gramática” e que dá uma grande importância à análise, compreensão e interpretação de texto e ao desenvolvimento da capacidade de comunicação e argumentação. Ora, o programa de Português para o Ensino Básico que está em discussão pública foi elaborado depois do programa do Ensino Secundário. Também será este alterado antes da sua entrada em vigor para se manter a verdade da afirmação do MEC?
Porque é que se muda tão frequentemente de programas? Não é por certo pela alteração do paradigma educativo, já que a CRP e a LBSE não sofreram alterações significativas. É a guerra contra as “competências” no ensino e contra as áreas curriculares não disciplinares a ocupar o lugar de disciplinas. Sob a capa de interesses ideológicos disfarçados de cientificidade tecnicidade, brinca-se com o universo das escolas e das crianças e adolescentes. Um dos primeiros despachos do atual MEC foi a abolição do ensino por competências, que se definiam de forma simplificada como o “saber em ação”, mobilizador e integrador de conhecimentos, capacidades e habilidades. Era necessário estabelecer o primado dos conteúdos, embora se definam uns objetivos para enquadramento dos conteúdos.
De outro modo, não se compreende que primeiro sejam definidas as metas curriculares – que, ao invés de constituírem largos objetivos de ensino/aprendizagem, configuram um quadro de objetivos e descritores de operacionalização da aquisição e aplicação de conteúdos – e só depois os programas. Ou seja, andou-se ao contrário: primeiro, estabeleceram-se quadros operativos (as sobreditas metas) e só depois se estabeleceu o seu enquadramento (o programa). Pôs-se o carro à frente dos bois! E quem mandou? O Senhor Ministro. Veja-se o n.º 4 do mencionado despacho n.º 2109/2015, publicado em 27 de fevereiro e que entrou em vigor a 23:
“O novo Programa para o Ensino Básico deverá ainda harmonizar-se com as Metas Curriculares, designadamente no que respeita ao enquadramento das finalidades da disciplina, aos objetivos cognitivos e às capacidades gerais a desenvolver, dado ter sido assumido que as Metas se limitariam a enunciar de forma organizada, e sempre que possível sequencial, os objetivos de desempenho essenciais de cada disciplina”.
O importante era a eliminação das competências que figuravam nos programas do ensino básico e do secundário e substituir o “conhecimento explícito da língua” pela “gramática”. Não podemos esquecer que as metas curriculares definidas para cada ano de escolaridade vieram substituir as metas de aprendizagem definidas para cada ciclo e estribadas nas competências.
Diz a DGE que “o documento não introduz ruturas em relação ao documento orientador atualmente em vigor, apenas o enquadra e lhe dá coerência” e que procede aos “reajustamentos mínimos indispensáveis à articulação entre as orientações do Programa e das Metas Curriculares, sem com isso obrigar à adoção de novos manuais”. Sendo assim, porque é que o aludido despacho consigna a revogação pura e simples dos programas em vigor? Poderíamos dispor efetivamente dum novo documento remetendo a reflexão para aspetos importantes do anterior e revogando apenas os pontos que entrassem em colisão com os do novo.
Ora, vejamos (Que lindo!): “Foram dadas orientações no sentido de ser respeitada a autonomia pedagógica dos professores, dos autores de manuais, das escolas, devendo as recomendações metodológicas ser limitadas aos pontos essenciais e baseadas na experiência e em conhecimento científico sólido”! – escreve a DGE. Além de irónico – mais ou menos como a questão da autonomia das escolas – é comovente. A contrario, leia-se o que se refere no âmbito da avaliação, no corpo do programa:
“As Metas Curriculares que acompanham este Programa constituem o documento de referência de todos os processos avaliativos, de acordo com o estabelecido nos descritores de desempenho. A classificação resultante da avaliação interna no final de cada período traduzirá, portanto, o nível de consecução dos desempenhos descritos” (sublinhei!).
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Quanto à estrutura do programa, há que dizer que abre com a introdução em que se justifica esta produção programática, porfia a articulação com as metas, expõe a sequência dos diversos pontos e garante o contributo para a eficácia do ensino do Português. Logo a seguir, vem a definição dos 21 objetivos para a disciplina no Ensino Básico em geral.
Depois, vem a arrumação do programa para cada ciclo, distribuída por caraterização do ciclo, indicação dos domínios por que se distribuem os conteúdos e quadro sinótico para cada ano do ciclo respetivo, com a designação de cada domínio, dos respetivos conteúdos e das metas curriculares para que se faz remissão.
Para o 1.º ciclo e para o 2.º, os domínios são quatro: Oralidade (O); Leitura e Escrita (LE); Educação Literária (EL); e Gramática (G). Para o 3.º ciclo, pelo desdobramento do domínio Leitura e Escrita (LE), os domínios são cinco: Oralidade (O); Leitura (E); Escrita (LE); Educação Literária (EL); e Gramática (G).
Vêm, a seguir, 3 parágrafos dedicados à metodologia, que fica a cargo do professor, desde que dê cumprimento a tudo o que está estabelecido e mobilize a complexa meia dúzia de valências indicadas; e outros 3 parágrafos dedicados à avaliação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas.
Finalmente, somos presenteados com 4 páginas de indicações bibliográficas.
O programa de três ciclos ocupa ao todo 42 páginas, a que se seguem as demais com as metas curriculares (já em vigor) para atingirmos as 102 páginas.
Diz-se adeus, por força da revogação, ao anterior programa de 175 páginas sobre o qual foram definidas as metas de aprendizagem (em desuso) e as novas metas curriculares (em vigor). A sua grande falha era a não prestação de indicações para a avaliação específicas da disciplina e em cada ciclo. Todavia, com exceção dos textos literários e paraliterários, indicados por ano de escolaridade, os conteúdos eram distribuídos, não por ano, mas por ciclo – o que permitia uma gestão mais flexível do programa de acordo com os ritmos de aprendizagem. E, sobretudo havia material de fundamentação para reflexão do docente.

Porém, o que está em causa hoje é não a aprendizagem, mas o ensino; não as competências, mas os conhecimentos e capacidades. As aprendizagens e as competências avaliam-se; do ensino recebidos e dos conhecimentos adquiridos prestam-se contas em exame ou prova final. E, se o aluno falhou, volta a aulas e faz outra prova. Sacrifica-te, professor!

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