quinta-feira, 12 de março de 2015

MEN – Ministério da Enormidade Nacional

Sou ainda do tempo do MEN, enquanto Ministério da Educação Nacional. Depois da revolução abrilina, este departamento governamental mudou várias vezes de sigla (melhor, de acrónimo) e de denominação, a que naturalmente foram correspondendo atribuições algo diferentes. Já foi MEC (Ministério da Educação e Cultura, Ministério da Educação e Ciência), MEIC (Ministério da Educação e Investigação Científica), MEU (Ministério da Educação e Universidades) e ME (Ministério da Educação). Já perdeu a Ciência, a Cultura e o Ensino Superior. Agora, é MEC (Ministério da Educação e Ciência). Mantém o Ensino Superior, mas perdeu a Cultura e ganhou a Ciência (mas diminuíram os apoios à investigação).
Tudo isto seria irrelevante desde que os diversos setores que ele abrangeu, abrange ou pode abranger, não perdessem eficácia e qualidade. Bastaria que a lei orgânica do respetivo governo fosse clara, exequível e cumprida, bem como a lei orgânica de cada Ministério. Mas este departamento do Estado prima pela verborreia em despachos, projetos, legislação, diretivas, regulamentações à toa e ao ínfimo pormenor. E apregoa a autonomia dos estabelecimentos, mas deseja-a a várias velocidades em que a mais refinada passa pelo crivo quase permanente do apertado controlo por parte dos serviços centrais.
Muda a cada passo de programas, alterna metas de aprendizagem com metas curriculares (sendo estas de cumprimento e referência obrigatória para a avaliação); tira e põe áreas curriculares não disciplinares; faculta opções curriculares de índole local, mas que não contam para média de ano; desvaloriza a educação física; impõe o ensino por competências e regressa ao ensino por objetivos e conteúdos. Impõe exames nacionais em algumas disciplinas, com peso desigual ao da avaliação interna. Aos exames de fim do primeiro, segundo e terceiro ciclos chama-lhes eufemisticamente provas finais, mas dá-lhes o aparato de exame (um aluno por mesa, identificação civil, anonimato da prova, dois vigilantes, declaração de não possuir aparelhos informáticos). Critica as escolas que ofereçam grande divergência entre a avaliação externa (exames/provas finais) e avaliação interna, mas restringe as condições de recuperação às escolas com maior dificuldade. Não procede a rankings nacionais, mas deixa acriticamente – e sem explicação adicional – que alguma imprensa os faça.
Impõe a avaliação externa das escolas e a autoavaliação das mesmas, mas não controla o circo montado à volta do tema, em que o que é essencial escapa à avaliação (por exemplo, administração e finanças, observação de aulas…), valendo a capacidade de falar e escrever, desde que o ensaio dos painéis de entrevistas não tenha falhado.
Estabeleceu um mecanismo de avaliação do desempenho, que se pretendia de pendor formativo, mas da qual decorre um espectro confuso de penalização por falhas aceitáveis dada a deficiência logística das plataformas informáticas ou pelo não cumprimento de regras cuja aplicação à letra pode eventualmente configurar exercício de uma ação que pode ter contraindicações de índole pedagógica.
Escreveu um estatuto da carreira docente, milhentas vezes alterado e que, a cada passo, é desrespeitado sobretudo no atinente ao respeito pela autonomia profissional, técnica e científica do docente. Ademais, os docentes estão estupidamente sobrecarregados com o serviço letivo e com o serviço de guarda de meninos e meninas sob a apertada vigilância da comunidade dita educativa, vulgo encarregados de educação (só com autorização dos mesmos funcionam para os respetivos educandos AEC, apoios pedagógicos, estudo acompanhado…). Os docentes não têm tempo para atividades de coordenação, reunião e de formação, a não ser em período pós-laboral ou em fim de semana. E muito do trabalho que são obrigados a fazer é de pura inutilidade. Porém, veem congelada a carreira e o tempo de serviço, bem como cortado o vencimento. 
A Lei de Bases do Sistema Educativo, o Conselho Nacional de Educação e o próprio MEC apontam para a seriedade, a eficácia e a qualidade da educação e da escola, pugnando pela real excecionalidade da retenção do aluno. No entanto, os critérios fundamentais da avaliação sumativa interna e final, apesar do papel dos conselhos pedagógicos (dito determinante), são marcados pela uniformidade e sem o devido acento no currículo local. Depois, não se dota a escola de mecanismos que garantam a liberdade de aprender por parte da maior parte dos alunos, dados os focos recorrentes de indisciplina, de continuidade abusiva de alunos que nada querem da escola em grupos-turma que poderiam ter sucesso. Confunde-se a inclusão da escola com o direito/dever de permanência nas estruturas comuns. Não se dá conta o MEC de que a escola é para todos, mas provavelmente não pode ser para tudo.
Por outro lado, a autoridade do professor, por mais que alguns textos a enalteçam, não é efetivamente reconhecida. Não é raro responsáveis políticos falarem em público do papel educativo destas ou daquelas personalidades, esquecendo a referência ao professor. Mais: quando surge a situação de colisão entre os direitos do aluno e os do professor, por norma, a presunção está do lado do aluno. Em situação de desconforto ou mesmo de conflito, o aluno dispõe de apoio psicológico; o professor, esse que se desunhe: tem dinheiro, tem idade, tem experiência, mas não arranja estratégias. Depois, é preciso referir que a escola está demasiado judicializada. Por tudo e por nada se pede a revisão de classificações, não raro se colocam professores perante a justiça e se condenam por incompetência na opinião pública, mesmo até professores de antigamente (Atente-se em algumas das declarações de Belmiro de Azevedo!). Alguns professores viram resolvidos em tribunal casos dos seus lugares na direção de escola, de posição na carreira… E, por mais que o estatuto do aluno e da ética escolar realce a autoridade do professor, medidas como o trabalho em torno das faltas dos alunos ou do fenómeno do insucesso pouco passam da sobrecarga de trabalho para os professores sem tempo, sem energia e muitas vezes sem apoio dos encarregados de educação, das estruturas e até de colegas.
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Não gosto dos ministros/as da educação deste milénio. Os/a do último quartel do último século do milénio anterior tiveram prestações que alternaram o “bom” e o “suficiente”. Em todo o caso, foram elaboradas leis de bases decentes e/ou os estatutos dos diversos setores de ensino, diplomas legais que iam sendo observados, com exceção da Lei n.º 5/73, de 25 de julho, cuja vigência foi interrompida pela revolução abrilina. O pessoal docente foi dotado de um estatuto de carreira e um mecanismo de avaliação do desempenho, cuja observância se processou sem sobressaltos, até que departamentos de educação de instituições de ensino superior levaram a frenética Maria de Lurdes a subverter, quase irreversivelmente, a função docente, a ponto de muitas das escolas passarem a configurar o cenário de verdadeiras arenas de interesses, visões parcelares, oscilações. Perdeu os professores, mas ganhou os encarregados de educação (Não, não estou a inventar!). Mesmo que venha uma medida que parece boa, acaba por ficar contaminada pelo contexto da improbabilidade. Os últimos governos atacaram ferozmente os docentes. Foram aulas de substituição em barda, guarda de alunos, planos e relatórios para tudo e por tudo. É o excesso de exames/provas de equivalência à frequência, a nível de escola, ou os do DL n.º 357/2007, de 29 de outubro. Após o seu início, não se interrompem aulas para nada, mas se uma autarquia quer uma ação diferente, lá vem a escola pôr-se de joelhos.
De há uns anos a esta parte, pontificou a redução de meios financeiros, humanos e técnicos para a educação e a colocação de professores tem sido apontada como problemática e, no último ano, desastrosa (isto para não falar no caos do ano de 2014). De tal modo o esquema de colocações se desacreditou que o próprio Presidente da República insinuou a vantagem de o recrutamento e seleção ser feito a nível local e o governo iniciou a experiência da municipalização da educação e da escola.
O governo não tem força para exigir excelência na prestação da formação inicial dos professores, mas afunila a entrada na carreira com uma prova de avaliação de conhecimentos e capacidades – envolvida em forte polémica jurídico-administrativa – cujo objetivo real é travar o ingresso, constituindo os outros objetivos o pressuposto teórico, que não o determinante.
Ademais, o MEC não é capaz de dificultar a inflação de classificações na avaliação interna sobretudo em escolas privadas, mas também em algumas escolas públicas, mas continua a penalizar a significativa divergência entre uma e outra avaliação.
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Para finalizar este arrazoado da enormidade do Ministério da Educação, registe-se o alarme que ontem, dia 11 de março, a Comunicação Social emprestou ao caso da resolução dos exames/provas finais de Português segundo a ortografia de 1990, em vigor nas escolas desde 1 de setembro de 2011, sabendo-se antecipadamente que o tempo da legitimidade da coexistência das duas ortografias (a de 1945 e a de 1990) terminaria no ano letivo corrente.
Tinha de haver uma data-limite. Se esta parecia prematura, porque não se levantou o problema atempadamente? Não se tratará, antes, de uma tentativa de arrastamento da polémica? Duvido mesmo da legitimidade de os professores se oporem à nova ortografia. É uma questão política? Sim, mas também o é a homologação dos programas das diversas disciplinas. E não creio que os professores ousem contestar ou omitir os conteúdos programáticos.
Depois, desmistifiquemos. A nova ortografia abrange um número muito limitado de vocábulos. Por outro lado, a ortografia imposta em 1911 e a imposta em 1945 (esta com ajustamentos posteriores) não são melhores: nem mais etimológicas nem menos sónicas. Depois, temos dúvidas, dupla grafia, perdas de carateres em relação à nova ortografia. E não as têm em relação à velha?
Quanto aos exames, só me pergunto porque é que ela se torna obrigatória só nas provas de Português (mais um peso sobre estes), embora ressalvando que em matérias específicas se deva tolerar por muito mais tempo as grafias de termos científicos cristalizados antes da vigência da nova ortografia. Por isso, achei estapafúrdia e me recusei a assinar uma petição pública pela não aplicação da nova ortografia nos exames nacionais deste ano. E que dizer à perda de 25% na desvalorização da cotação da prova por via a utilização obrigatória desta ortografia?
Quem conhece os critérios de correção sabe que, na prova de Português os itens que exigem resposta extensa são cotados a 60% em termos de conteúdo e 40% em termos da forma. Em termos da forma, metade é reservada a aspetos da organização da frase (escolha adequada de vocábulos, coerência, coesão, progressão temática…) e outra metade a aspetos de correção linguística (uso indiscriminado de maiúsculas e/ou minúsculas, erros notórios de pontuação, erros de sintaxe, erros de citação, erros ortográficos). E os erros ortográficos são todos os atinentes à nova ortografia e os atinentes a vocábulos não abrangidos por ela. Muitos alunos escrevem mal independentemente da ortografia que esteja em vigor. Sempre houve casos de paronímia, homonímia, homografia e homofonia; escolha de “m” antes de “b” e “p”; problemas de translineação; e muitos outros casos de regras de escrita.
Deve ainda dizer-se que a mesma palavra escrita erradamente várias vezes e do mesmo modo só é passível de desvalorização uma vez (um ponto, ou seja, 1/200 da cotação total).
Alguém teve pena dos nossos dramas quando éramos alunos?
Já não falo da vergonha nacional dos milhares de professores de Inglês sujeitos a uma prova, por exigência de uma entidade privada estrangeira, para poderem corrigir testes de Inglês…

Porém, MEC, IAVE-IP e JNE mantêm silêncio. É mesmo o MEN – Ministério da Enormidade Nacional!

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