Regressaram à RTP1 os debates no
âmbito do programa “Prós e Contras”, sob a moderação de Fátima Campos Ferreira.
Vi o mais recente, que abordou a proposta de Lei cujo objeto é a taxação sobre
a cópia privada, no âmbito do material digital, já aprovada pelo Conselho de
Ministros e em fase de discussão na Assembleia da República.
Esteve presente, com as suas intervenções
e encerramento do debate, o Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto
Xavier. Na sua perspetiva, trata-se de transpor para a ordem jurídica interna
uma diretiva europeia já não recente e que se limita a atualizar a lei em vigor
sobre a matéria, em consonância com 22 países europeus.
Segundo a perceção que retirei do
debate, o que estará em causa é uma taxa adicional (que variará entre 5 cêntimos e os vinte euros), além do IVA, conexa
com a aquisição de aparelhos (computador, telemóvel, leitor
de MP3, CD, tablet, Ipad, Iped, Ipod…) ou cartão de memória onde se podem
ler e guardar peças (texto, música, vídeo, etc.), como utilizar materiais
produzidos pelo próprio utilizador no desempenho de atividade profissional e
/ou hobby.
Como é natural, a posição do
Governo tem defensores, com relevo para a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)
e os autores e artistas. Mas também tem inúmeros opositores, como por exemplo,
bloguistas, académicos, peritos em software e outros.
Os defensores são de opinião que
a lei peca pelo atraso inexplicável e deve, sem se confundir com ela, ser
complementada por uma lei contra a pirataria digital.
Os opositores argumentam que a proposta de lei da cópia
privada, apresentada pelo Governo, é um “imposto encapotado” (pois os
adquirentes não recebem em troca nenhum benefício direto), que não segue a
legislação que está a ser aplicada na União Europeia, conforme afirmou já hoje,
dia 16 de setembro, Paul Meller, o responsável da organização internacional Digital Europe. Por isso, alertam para o impacto negativo da aplicação
daquela lei no mercado da eletrónica de consumo e para a injustiça para o
consumidor final.
Todos entendem que em
causa está uma proposta de lei, apresentada em agosto pelo governo, que tem
como objetivo compensar financeiramente autores e artistas pelo facto de um
consumidor adquirir equipamento e dispositivos que armazenem obras como músicas
e filmes.
No entanto,
dividem-se nas motivações e nos efeitos. Enquanto uns argumentam com a
compensação equitativa, outros aduzem o facto de se tratar de dupla tributação
pelo mesmo objeto e esclarecem que “fazer uma cópia ilegal não é o mesmo que
fazer uma cópia legal privada”. Por outro lado, o consumidor final não saberá o
que está a pagar.
Houve quem alvitrasse
a hipótese, desde logo rejeitada, de as indústrias se encarregarem de assumir o
encargo desta nova taxa, alegadamente à semelhança do que se passou com muitas
unidades da restauração que assumiram cobrir o aumento do IVA de 13% para 23%, não
fazendo repercutir esse aumento no consumidor. Claro, apesar de vaiado, o
proponente de tal solução, denunciava a cartelização que muitas empresas fazem
no país, obstando à perceção dos benefícios resultantes da livre concorrência,
e deu como exemplo os casos das fornecedoras de eletricidade, combustíveis e
telecomunicações, quando sem razão aparente são pródigas em promoções de novos
produtos.
O Secretário de Estado,
a isto esclareceu que a lei não determinará quem assumirá os encargos da taxa
em causa, declarando que não tem se ser o consumidor a pagar.
Segundo a proposta de
lei, a cobrança, gestão e distribuição das verbas arrecadas será feita pela AGECOP
(Associação para a Gestão da Cópia Privada). A SPA canaliza 40% destas verbas
para o seu Fundo Cultural, que se destina ao apoio de projetos editoriais, que
dizem não ter hipótese de viabilização sem tal ajuda.
Toda a gente entende
que os autores e artistas devem ser acarinhados e ser pagos pelo seu trabalho
criativo. No entanto, houve quem opinasse que, para tanto, não deveria ser
utilizada a via de um pagamento duplo ou triplo por uma mesma atividade
criativa, por exemplo, a mesma música. E é óbvio que a crise que atingiu toda a
sociedade portuguesa, com a exceção de muito poucos, também incidiu sobre os
produtores criativos. A este respeito, foi recordado o exemplo da vizinha
Espanha, que preferiu resolver o problema por via orçamental.
Hoje, num encontro
promovido em Lisboa pela Digital Europe,
o seu responsável Paul Meller deu como exemplo o Reino Unido, que este ano
aprovou uma exceção na lei, precisamente para proteger os consumidores que
pretendem adquirir equipamentos para fazer cópias privadas – por exemplo,
guardar fotografias ou copiar um CD para uso privado. E, referindo-se à Espanha,
reafirmou que a compensação equitativa aos autores e artistas é feita através
de um fundo suportado pelos impostos.
Sobre a União
Europeia, o mesmo responsável referiu que a União anda há 13 anos a braços com
uma diretiva sobre direitos de autor e cópia privada, que está a ser adotada de
modo diferente por cada um dos seus Estados-Membros.
Note-se, à laia de parêntesis,
que a Digital Europe é uma organização que representa 56 empresas do setor das
tecnologias de informação e 36 associações europeias. Sobre o tema, a
organização considera que a aprovação desta proposta de lei portuguesa é um
retrocesso em que relação ao que está a ser feito na generalidade dos países da
União Europeia.
Por seu turno, José
Valverde, diretor da Associação Empresarial do Sectores Elétrico,
Eletrodoméstico, Fotográfico e Eletrónico (AGEFE), reafirmou a oposição à
proposta de lei do Governo e acredita que “a maioria dos deputados” votará
contra.
Também Ana Isabel
Trigo Morais, diretora-geral da Associação Portuguesa de Empresas de
Distribuição (APED), foi contundente, ao declarar que “Portugal vai legislar no
sentido contrário à União Europeia e a prazo vai ter que alterar a lei e vai
ser obrigado a harmonizar a legislação”. Esta responsável informou que o
mercado da eletrónica de consumo sofreu uma quebra de 30 por cento desde 2010,
mas o consumidor português vai continuar a consumir e “vai encontrar
alternativas”, sobretudo no retalho online.
***
Naturalmente, a
plateia de “Prós e Contras” ia batendo palmas, por segmentos, conforme o
sentido das intervenções agradava. A propósito dos aplausos, um dos
intervenientes ironizou como é que um Secretário de Estado que tolheu
gravemente toda a produção cultural recebia palmas precisamente dos autores e
artistas. E outro, a propósito da memória futura, sentenciou que o atual
Secretário de Estado da Cultura tinha já motivos para ficar na História, mas a
atual proposta de lei fornecer-lhe-á um lugar ainda de maior relevo.
No debate havia
intervenientes que ali estavam em nome de associações várias com interesse na
matéria (ex.: SPA, AGECOP, AGEFE, APEDE…) e também alguns em nome próprio. Eis quando
a jornalista e escritora Leonor Xavier se lembra de pedir intempestivamente a
palavra para questionar a representatividade de alguns intervenientes, que
estavam ali a título singular. A moderadora reagiu bem: uns estavam ali em
representação de coletividades, outros pela experiência no setor e outros pela
competência científica e técnica. E interviriam porque ela os tinha convidado. Como
também, perante o facto de alguém questionar o uso frequente da palavra pelo
senhor José Valverde, Fátima Campos Ferreira ripostou declarando que o senhor
Valverde interviria sempre que ela o solicitasse para os devidos esclarecimentos.
Porém, o que mais me
escandalizou foi o facto de o Senhor Secretário de Estado, lá do alto da sua
autoritária inocência, simulando ignorar o contexto, se abespinhou por ali se
falar recorrentemente de autores e consumidores interrogando hipocritamente o
auditório se efetivamente os portugueses eram somente consumidores, se não eram
mais nada.
É claro que o
governante sabe melhor do que eu que, quando falamos de máquinas e aparelhos,
temos necessariamente a produção (neste caso a indústria), a distribuição (vendedores
e revendedores) e naturalmente o consumo – os consumidores, Senhor Secretário
de Estado, Excelência! Mais: foi dito no debate moderado por Campos Ferreira,
que neste ponto, também o Estado como consumidor iria pagar uma fatura gravada,
sempre que precisasse de proceder a aquisições destes materiais. E, quando se
fala de transações, é mais que normal que se evidencie, por um lado, o produtor
(neste caso, o produtor criativo e o produtor instrumental) e, por outro, o
consumidor, a razão de existência dos produtores, ficando os outros no seu importante
papel de mediadores. Todavia, quem costuma pagar tudo é o consumidor final, não
será?!
Mas eu quero dizer,
já que Sua Excelência me puxou pela pena, que efetivamente este Governo agravou
imensamente as condições que tornaram os portugueses quase somente contribuintes
e quase nada consumidores. Porque alegadamente os portugueses viveram acima das
suas possibilidades, tiveram que sofrer aumentos brutais de impostos até se
atingir a hiperfadiga fiscal e brutais cortes nas suas pensões (de reforma,
aposentação, de sobrevivência…), bem como a forte oneração do sistema
contributivo e, se funcionários públicos, muito piores condições de trabalho e
drásticos cortes salariais. Se nos lembrarmos do desemprego e do emagrecimento
do respetivos subsídios, se… Ai, assim os portugueses, sem poder de compra,
como é que podem consumir? São contribuintes e basta-lhes! E para que se não
esqueçam de ser contribuintes, sorteia-se-lhes periodicamente uma automóvel “Audi”.
Se não conseguirem ter estatuto de consumidor, encostam o veículo… E, já agora,
onde para a cidadania, por onde anda ela?
Muito obrigado, Senhores
Ministros e Senhores Secretários de Estado, por terem livrado Portugal de um
nefasto vício: o consumismo. Deus os compense na mesma medida!
Sem comentários:
Enviar um comentário