segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Qual é a pressa?

Tornou-se uma pergunta típica de António José Seguro e era recorrente no seu discurso informal quando pessoas do seu partido ou os fazedores de opinião pública puxavam por iniciativas partidárias, ao nível da liderança, da sua parte. Tanto assim que inventou – ao que parece, para ficar no historial do partido socialista e no espectro partidário em geral – uma solução para responder ao repto de Costa, ora vencedor do prélio eleitoral mais recente, ou seja, o lançamento de umas inéditas eleições primárias para escolha do candidato de um partido ao cargo de primeiro-ministro.
Neste caso, houve pressa, se pensarmos no mecanismo de um processo para o qual não havia lastro nem experiência. E o êxito dessa medida apressada deve-se à experiência política, social e empresarial de Jorge Coelho, o presidente da comissão eleitoral e seus acólitos, organismo criado ad hoc e cuja missão se findou com a consumação do ato eleitoral. No entanto, sublinhe-se que o processo de resolução da resposta ao repto de Costa – alegadamente pelo facto de as vitórias eleitorais do PS, sobretudo a última, ter sabido a muito pouco – foi demasiado lento, fazendo parar politicamente uma grande parte do país. Talvez por isso, aquele que fez uma exigência conotada, a princípio, com ambição oportunista, tenha arrebatado uma esmagadora maioria eleitoral. Será que a isso se colou o fenómeno psicossocial de espera desesperada da parte do país pela construção de uma alternativa credível à atual linha governativa?
Mas falando da legitimidade do questionamento de Seguro sobre a pressa do que apressada e intempestivamente lhe exigiam, segundo ele, é de perguntar qual a pressa de, na varanda sobre o ato eleitoral que iria prostrar para largo espaço de tempo a sua liderança, apresenta uma formulação de proposta legislativa sobre a redução do número de deputados, no quadro da reforma do sistema eleitoral, e do aumento das incompatibilidades dos titulares de cargos públicos, no âmbito da morigeração da relação da política com os negócios. Parece que, dada a inoportunidade da iniciativa e o singularismo discursivo com que a apresentou, ninguém a terá levado a sério.
Por outro lado, as acusações de traição que Seguro fez impenderem sobre o adversário, acompanhadas de colagem a um PS dos negócios e interesses e de conotação de um socialismo de lapela, levaram o colégio eleitoral, disseminado por todo o território que usualmente dá deputados, a preferir a latente vitimização de Costa e a sacralizar a prudência em procrastinar a sua postura clara sobre a dívida, equilíbrio das contas públicas e reformas do Estado, refugiando-se na definição vaga de uma estratégia de regeneração nacional e de novo posicionamento perante a União Europeia. E o resultado eleitoral foi de clara vitória, de abissal diferença entre quem ganha e quem perde. Se não se pode olvidar a experiência política, governativa e autárquica de Costa, também não se deve menosprezar ou subestimar o trabalho de liderança de Seguro. Foram três anos à frente de partido de ambição governativa, tornado órfão de pai vivo, transitoriamente votado a uma emigração académica. E não pode haver dúvidas de que a sua oposição, feita em condições políticas difíceis, até pelas contradições de que se reveste a herança socrática – ocasionamento da intervenção externa, negociação e assinatura de memorando precocemente desvirtuado – não tenha sido caraterizada por uma linha de coerência, embora com hesitações, por um complexo de propostas de alternativa de governança e por um conjunto de sugestões que a Europa, e mesmo o governo, foi incorporando. Por outro lado, ele tinha o domínio do aparelho partidário, o que dificultava qualquer tentativa séria de assalto ao partido. E, pelos vistos, para se afirmar na liderança, usou o estratagema de recurso eleitoral (sabe-se agora) que o descontente Eurico Figueiredo lhe sugerira há mais de um ano e a que não terá dado qualquer resposta, talvez por, na ocasião, a considerar abstrusa.
***
Por isso, não se compreende qual a pressa em concretizar, de imediato, as consequências do seu cumprimento da palavra dada ao partido e aos portugueses. Comprometeu-se a apresentar a sua demissão do cargo de secretário-geral do PS caso perdesse as eleições primárias para a candidatura ao cargo de primeiro-ministro. Porém, esperava-se que a sua declaração no serão da noite eleitoral começasse por se referir ao ato eleitoral. Começou, antes, por dizer que estava ali para cumprir a palavra dada; e, depois, lá comentou o ato eleitoral conforme entendeu poder e dever fazê-lo. Não se esqueceu de ter endereçado as felicitações democráticas ao Doutor António Costa, o que provocou uma onda de tratamento inédito de doutores entre socialistas, ao invés do tradicional “camaradas”, bem como fez a devida súmula da sua ação política na liderança do partido, destacando as vitórias e esquecendo as contradições, hesitações e lamúrias.
Porém, não sei se se justificará a “pressa” com que “se apressou” a retirar-se do cargo de conselheiro de Estado. A ser assim, para tirar todas as consequências da derrota e voltar ao genuíno estatuto de militante de base, bem poderia renunciar já ao cargo de deputado, a não ser que isso lhe traga incómodo profissional. Preferiu outrossim, ao invés de assegurar, em regime de gestão, a normal vida partidária até ao provimento dos órgãos estatutários, deixar essa gestão à Presidente do partido, a qual não dispõe de funções executivas. Não é curial um secretário ser substituído por um presidente, organicamente seu superior. Mas é a pressa. Qual a pressa?
Entretanto, o vencedor não renunciou ao mesmo tipo de pressa. Com a pressa de saciar a sede da vitória (embora democraticamente merecida), esqueceu-se de saudar o candidato derrotado. Isto é, se um manifestou demasiada amargura com as eleições, o ganhador degustou a vitória com excessiva euforia e um certo egocentrismo. Alguém lhe acusou, a meu ver injustamente, o discurso como semelhante ao da segunda vitória eleitoral de Cavaco Silva. Euforia teve, sim; sentimento de vingança ou desforra, não de todo. No entanto, à acusação de roubo do “cravo” plantado e apaparicado por Seguro, desfere uma crítica gestual ao até há pouco adversário, ao pegar no cravo que trazia consigo, lançá-lo para a plateia e clamar, Este cravo é vosso! Não há hoje um vencedor: quem venceu foi o PS e o país. Esta é a antítese do egocentrismo latente!
Mas a sua pressa manifestou-se noutra coisa – que não a imediata renúncia ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa – uma declaração política estranha, que passa por considerar “este” o começo de uma nova maioria, “o primeiro dos últimos dias deste governo”. Aguiar Branco, o Ministro da Defesa Nacional, não entendeu esta manifestação de euforia e chama-lhe arrogância porque – diz e bem – que é o povo que livremente decide substituir ou manter governos. Todos o sabemos e Costa também o sabe. Só que uma noite eleitoral precisa de festa e a festa também se faz de retórica, como arte de bem dizer, e de oratória como arte de arrebatar a multidão. E, se o orador Costa não tem uma agradável dicção (em que alguém o deve ajudar a melhorar), ao menos tem alma, e essa ninguém lha tira.
E, se quer efetivamente ser uma alternativa eficaz de governação (credível, parece que já o será), tem de saber aguardar ativamente pela constituição dos órgãos estatutários do partido, trabalhar a sério pela sua coesão e dizer quanto antes o que pensa. As sombras das propostas e hesitações de Seguro esvaíram-se. Espera-se que não fique evidente o vazio e que deveras corrija erros do passado e trace caminhos de futuro.

Já agora, desista dessa ideia maldita de reforço dos poderes dos executivos. Coloque na agenda o represtígio e o reforço dos poderes dos órgãos deliberativos do Estado (Assembleia da República, assembleias legislativas regionais, assembleias municipais e assembleias de freguesia). Um poder executivo forte confere eficácia ao órgão; mas, se for excessivo, aproxima-o da ditadura. Por seu turno, o esvaziamento do poder das assembleias, enquanto órgãos deliberativos e fiscalizadores, cria défice democrático e desprestígio institucional. E o país precisa de eficácia e merece toda a democracia. E aqui, por mais que se faça, nunca há demasiada pressa e nunca se faz tudo!

Sem comentários:

Enviar um comentário