Em
termos de debate televisivo formal, ocorreu hoje, 23 de setembro, o terceiro e
último episódio (já não era sem tempo) do frente a frente de António José
Seguro e António Costa. Está em causa a campanha eleitoral para apurar em
eleições primárias, no próximo domingo, o candidato ao cargo de
Primeiro-Ministro de Portugal a disputar as próximas eleições para a Assembleia
da República em 2015.
As
declarações da pré-campanha e as investidas de longe e de perto pouca novidade
apresentavam em termos das diferenças de ideias (de ideologia não se fala ou
porque já não existe ou porque é idêntica num e noutro dos contendores).
Ambos
querem combater o desemprego (um até se equivocou e disse, por lapso, combater
o emprego) e relançar a economia. Ambos querem repor e estabilizar o rendimento dos pensionistas,
dos reformados e dos funcionários públicos.
Seguro promete um combate
“fortíssimo” à fraude e evasão fiscal e “indexar” isso ao corte na sobretaxa de
IRS. E assegura que “não é necessário despedir funcionários públicos para ter
um melhor Estado”.
Costa, por seu turno, fala num
grande programa de reabilitação urbana e na melhoria das condições de
financiamento às empresas. Porém, entende que só deve assumir “compromissos
concretos dentro de um ano quando apresentar um programa de Governo”,
assegurando, não obstante, que “é fundamental acabar com esta guerra” assente
na ideia de que “todo o mal está na Função Pública”.
Já
nos tínhamos apercebido de que o debate seria mais de personalidade e de estilo
do que de ideias, propostas ou de apreciação sobre políticas do atual governo.
Todavia, o que vem sendo afirmado raia as marcas da indecência política. Se é
certo que Seguro abriu as hostilidades em termos de inquérito de caráter do
adversário, Costa é também conivente nesta modalidade de intervenção. Se fosse
eu, logo que o primeiro debate na TVI enveredou por esta sinuosa via, pura e
simplesmente teria batido com a porta dos debates. Os portugueses decentes não
têm o dever de aturar isto; e o moderador do debate esteve eclipsado durante
considerável tempo. A continuidade deste estilo popularucho e
desnecessariamente antipessoal é da responsabilidade dos dois: um tomou a
iniciativa; o outro alinhou num estatuto de autovitimização e numa postura de
complacência: “Bem se queres ir por aí…”.
Acusar
de traição, falta de respeito à palavra dada, ser a face de um partido oculto
que corporiza a promiscuidade entre política e negócios, mais do que distrair
os portugueses da obrigação de apresentar propostas de governança, de linhas de
resolução dos grandes problemas com que se debate o país, configura o perfil
dos políticos que Portugal merece não ter. Com efeito o que é que distinguirá o
“socialismo de lapela” do socialismo de quem acusa o outro de lhe ter roubado o
cravo que plantara?
Chamado
a especificar o teor da afirmação da manutenção do satus quo por Costa e do seu apadrinhamento da promiscuidade entre
política e negócios, Seguro apresenta, com a “candura” e a “segurança” que se
lhe reconhecem, um advogado que participava na administração do BES mudo e
calado por alegadamente ali estar por motivos políticos e apoiara candidatura
contrária ao PS nas últimas eleições autárquicas. Não percebo lá muito bem o
peso político do exemplo, dado que não estabelece conexão, nem necessária nem
coerente, entre o comportamento de um putativo apoiante de Costa e um pretenso
envolvimento de Costa na propalada promiscuidade, generaliza sem legitimidade
argumentativa e não parece suscitar viabilidade a um cenário do apoiado a
demarcar-se publicamente deste ou daquele apoio.
A problemática da
mistura entre negócios e política emergiu na parte final do debate entre o
secretário-geral do PS e o presidente da Câmara de Lisboa, na RTP – o último
dos três debates televisivos travados no âmbito das eleições primárias
socialistas, ato eleitoral semi-interno já que aberto à participação de
militantes e simpatizantes (240 mil eleitores!). Seguro atacou e Costa
apontou-lhe o dedo, acusando-o de lançar insinuações graves e explicitando:
“Tratas como traidores e inimigos
os teus camaradas e não foste capaz de fazer frente ao Governo. O que acabas de
fazer aqui é uma coisa muito feia, querendo-me atacar a mim em função do que
fazem os meus apoiantes, ainda por cima 'ad hominem'”.
Seguro, a solicitação do
moderador João Adelino Faria, defendeu a sua proposta de alteração da lei
eleitoral para a Assembleia da República, advogando a redução do número de
deputados e alterando a reformulação dos círculos eleitorais e teatralmente
induzindo a escolha por cada eleitor do “seu deputado”. Por outro lado, também
quer apertar o cerco das incompatibilidades dos deputados para acabar com a
promiscuidade entre política e negócios. Nestes dois parâmetros, acusa António
Costa de que não quer a mudança nem o combate à corrupção.
Costa, por sua vez, declara que
“é uma desonra” a lei eleitoral apresentada por Seguro porque o PS não
apresenta leis eleitorais em ano eleitoral. Seguro só avançou porque uma lei
destas “é popular”, não lhe importando que “25% do interior” desaparecesse.
Quanto à acusação de não querer o
combate à corrupção, que Seguro lhe faz, responde: “Se tivesses tido um décimo
da agressividade face ao Governo que tens tido em relação a mim, este Governo
já teria caído”. E pergunta: “O que é que já fizeste de concreto para melhorar
o combate à corrupção?”. E aproveita a oportunidade para extemporaneamente
recordar as medidas nesse sentido que levou a cabo enquanto Ministro da Justiça:
alteração do código penal, levantamento do sigilo bancário em determinadas
condições, capacitação da polícia judiciária para a investigação neste domínio...
E deixou o remoque: “Quem recorre ao insulto e cede ao populismo não tem
condições para ser secretário-geral do PS”.
No final, a mensagem de Seguro
foi de mudança, com um projeto coerente e com a aposta na forma de fazer
política e estabelecer prioridades.
E Costa, a quem coube, por
sorteio, o encerramento do debate, declarou que O PS precisava de “uma
liderança renovada e mobilizadora para ser um PS forte” e “de conseguir dar um
suplemento de confiança” aos eleitores. E aduziu “a credibilidade dos cargos
que ocupou”. Também afirmou que até agora “foi fácil ser oposição”, mas agora
“vamos entrar na fase difícil”, com a maioria PSD/CDS a apresentar propostas
eleitoralmente “simpáticas”.
***
Para se ver como o debate chegou
tão baixo, vejam-se as seguintes amostras:
-
“É erróneo comparar autárquicas com europeias porque a participação é completamente
diferente”, diz Seguro, que acrescenta: “Há três anos tinhas a possibilidade de
avançar”.
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Costa: “Deves estar a sonhar desde pequeno em ser líder do PS. (...) Não se
justificava avançar então (2011) ser candidato a líder. Na altura, tinha a CML
numa situação económica difícil e agora está estabilizada. (...) Já concorreste
alguma vez, já deste a cara alguma vez?”, pergunta Costa a Seguro.
-
Seguro diz de Costa que, enquanto MAI, quis extinguir as freguesias com menos
de mil habitantes.
-
A proposta do PS em matéria de reforma do mapa administrativo foi um “vazio” e,
portanto, deixou o campo todo “aberto” ao Governo, afirma Costa.
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“Já houve uma mais valia: os portugueses começaram-te a conhecer melhor”,
responde Seguro. “E a ti nem imaginas”, responde Costa.
-
“Não recebo nenhuma lição de moral tua”, diz Seguro. “Mas fazia-te falta”, responde
Costa.
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Assim, eu não queria ser
militante ou simpatizante cooptado no próximo domingo, já que a minha
colaboração não seria prestimosa: abstenção ou voto em branco. Mas os
contendores, por um motivo ou por outro, não inspiram confiança. É que, por
mais que o António da Câmara o queira, já não basta aos portugueses um simples
suplemento de confiança. É preciso mais, muito mais. E é possível, mas têm de
puxar pela cabeça e não pela língua!
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