quarta-feira, 24 de setembro de 2014

As investidas de António contra António

Em termos de debate televisivo formal, ocorreu hoje, 23 de setembro, o terceiro e último episódio (já não era sem tempo) do frente a frente de António José Seguro e António Costa. Está em causa a campanha eleitoral para apurar em eleições primárias, no próximo domingo, o candidato ao cargo de Primeiro-Ministro de Portugal a disputar as próximas eleições para a Assembleia da República em 2015.
As declarações da pré-campanha e as investidas de longe e de perto pouca novidade apresentavam em termos das diferenças de ideias (de ideologia não se fala ou porque já não existe ou porque é idêntica num e noutro dos contendores).
Ambos querem combater o desemprego (um até se equivocou e disse, por lapso, combater o emprego) e relançar a economia. Ambos querem repor e estabilizar o rendimento dos pensionistas, dos reformados e dos funcionários públicos.
Seguro promete um combate “fortíssimo” à fraude e evasão fiscal e “indexar” isso ao corte na sobretaxa de IRS. E assegura que “não é necessário despedir funcionários públicos para ter um melhor Estado”.
Costa, por seu turno, fala num grande programa de reabilitação urbana e na melhoria das condições de financiamento às empresas. Porém, entende que só deve assumir “compromissos concretos dentro de um ano quando apresentar um programa de Governo”, assegurando, não obstante, que “é fundamental acabar com esta guerra” assente na ideia de que “todo o mal está na Função Pública”.
Já nos tínhamos apercebido de que o debate seria mais de personalidade e de estilo do que de ideias, propostas ou de apreciação sobre políticas do atual governo. Todavia, o que vem sendo afirmado raia as marcas da indecência política. Se é certo que Seguro abriu as hostilidades em termos de inquérito de caráter do adversário, Costa é também conivente nesta modalidade de intervenção. Se fosse eu, logo que o primeiro debate na TVI enveredou por esta sinuosa via, pura e simplesmente teria batido com a porta dos debates. Os portugueses decentes não têm o dever de aturar isto; e o moderador do debate esteve eclipsado durante considerável tempo. A continuidade deste estilo popularucho e desnecessariamente antipessoal é da responsabilidade dos dois: um tomou a iniciativa; o outro alinhou num estatuto de autovitimização e numa postura de complacência: “Bem se queres ir por aí…”.
Acusar de traição, falta de respeito à palavra dada, ser a face de um partido oculto que corporiza a promiscuidade entre política e negócios, mais do que distrair os portugueses da obrigação de apresentar propostas de governança, de linhas de resolução dos grandes problemas com que se debate o país, configura o perfil dos políticos que Portugal merece não ter. Com efeito o que é que distinguirá o “socialismo de lapela” do socialismo de quem acusa o outro de lhe ter roubado o cravo que plantara?
Chamado a especificar o teor da afirmação da manutenção do satus quo por Costa e do seu apadrinhamento da promiscuidade entre política e negócios, Seguro apresenta, com a “candura” e a “segurança” que se lhe reconhecem, um advogado que participava na administração do BES mudo e calado por alegadamente ali estar por motivos políticos e apoiara candidatura contrária ao PS nas últimas eleições autárquicas. Não percebo lá muito bem o peso político do exemplo, dado que não estabelece conexão, nem necessária nem coerente, entre o comportamento de um putativo apoiante de Costa e um pretenso envolvimento de Costa na propalada promiscuidade, generaliza sem legitimidade argumentativa e não parece suscitar viabilidade a um cenário do apoiado a demarcar-se publicamente deste ou daquele apoio.
A problemática da mistura entre negócios e política emergiu na parte final do debate entre o secretário-geral do PS e o presidente da Câmara de Lisboa, na RTP – o último dos três debates televisivos travados no âmbito das eleições primárias socialistas, ato eleitoral semi-interno já que aberto à participação de militantes e simpatizantes (240 mil eleitores!). Seguro atacou e Costa apontou-lhe o dedo, acusando-o de lançar insinuações graves e explicitando:
“Tratas como traidores e inimigos os teus camaradas e não foste capaz de fazer frente ao Governo. O que acabas de fazer aqui é uma coisa muito feia, querendo-me atacar a mim em função do que fazem os meus apoiantes, ainda por cima 'ad hominem'”.
Seguro, a solicitação do moderador João Adelino Faria, defendeu a sua proposta de alteração da lei eleitoral para a Assembleia da República, advogando a redução do número de deputados e alterando a reformulação dos círculos eleitorais e teatralmente induzindo a escolha por cada eleitor do “seu deputado”. Por outro lado, também quer apertar o cerco das incompatibilidades dos deputados para acabar com a promiscuidade entre política e negócios. Nestes dois parâmetros, acusa António Costa de que não quer a mudança nem o combate à corrupção.
Costa, por sua vez, declara que “é uma desonra” a lei eleitoral apresentada por Seguro porque o PS não apresenta leis eleitorais em ano eleitoral. Seguro só avançou porque uma lei destas “é popular”, não lhe importando que “25% do interior” desaparecesse.
Quanto à acusação de não querer o combate à corrupção, que Seguro lhe faz, responde: “Se tivesses tido um décimo da agressividade face ao Governo que tens tido em relação a mim, este Governo já teria caído”. E pergunta: “O que é que já fizeste de concreto para melhorar o combate à corrupção?”. E aproveita a oportunidade para extemporaneamente recordar as medidas nesse sentido que levou a cabo enquanto Ministro da Justiça: alteração do código penal, levantamento do sigilo bancário em determinadas condições, capacitação da polícia judiciária para a investigação neste domínio... E deixou o remoque: “Quem recorre ao insulto e cede ao populismo não tem condições para ser secretário-geral do PS”.
No final, a mensagem de Seguro foi de mudança, com um projeto coerente e com a aposta na forma de fazer política e estabelecer prioridades.
E Costa, a quem coube, por sorteio, o encerramento do debate, declarou que O PS precisava de “uma liderança renovada e mobilizadora para ser um PS forte” e “de conseguir dar um suplemento de confiança” aos eleitores. E aduziu “a credibilidade dos cargos que ocupou”. Também afirmou que até agora “foi fácil ser oposição”, mas agora “vamos entrar na fase difícil”, com a maioria PSD/CDS a apresentar propostas eleitoralmente “simpáticas”.
***
Para se ver como o debate chegou tão baixo, vejam-se as seguintes amostras:
- “É erróneo comparar autárquicas com europeias porque a participação é completamente diferente”, diz Seguro, que acrescenta: “Há três anos tinhas a possibilidade de avançar”.
- Costa: “Deves estar a sonhar desde pequeno em ser líder do PS. (...) Não se justificava avançar então (2011) ser candidato a líder. Na altura, tinha a CML numa situação económica difícil e agora está estabilizada. (...) Já concorreste alguma vez, já deste a cara alguma vez?”, pergunta Costa a Seguro.
- Seguro diz de Costa que, enquanto MAI, quis extinguir as freguesias com menos de mil habitantes.
- A proposta do PS em matéria de reforma do mapa administrativo foi um “vazio” e, portanto, deixou o campo todo “aberto” ao Governo, afirma Costa.
- “Já houve uma mais valia: os portugueses começaram-te a conhecer melhor”, responde Seguro. “E a ti nem imaginas”, responde Costa.
- “Não recebo nenhuma lição de moral tua”, diz Seguro. “Mas fazia-te falta”, responde Costa.
***

Assim, eu não queria ser militante ou simpatizante cooptado no próximo domingo, já que a minha colaboração não seria prestimosa: abstenção ou voto em branco. Mas os contendores, por um motivo ou por outro, não inspiram confiança. É que, por mais que o António da Câmara o queira, já não basta aos portugueses um simples suplemento de confiança. É preciso mais, muito mais. E é possível, mas têm de puxar pela cabeça e não pela língua!

Sem comentários:

Enviar um comentário