Enquanto os diferentes
governos apregoam a bondade do investimento estrangeiro e do incremento e reforço
das exportações e Cavaco Silva aponta o mar como fonte quase inesgotável de
recursos, Daniel Bessa torna-se cético em relação a isso tudo. O antigo ministro da Economia do primeiro
Governo de António Guterres, atualmente diretor-geral da Cotec Portugal, tem fortes dúvidas sobre a aposta no mar
como solução sustentável para os problemas de Portugal e entende que o
investimento estrangeiro “não resolve coisa nenhuma”.
De acordo com a
local do Diário de Notícias, de 4 de
setembro, sob o título “camas portuguesas para cuidar de doentes estrangeiros”, o renomado economista elegeu, na sua
intervenção na Universidade de Verão do PSD, a saúde e a velhice como “nicho” a
explorar.
Penso que o
antigo governante de curta duração (entre 25 de outubro de 1995 e 28 de março de
1996) tem alguma razão na opção que faz, embora – penso – não nos precisos
termos em que o faz e formula.
É certo que, tal
como ele propõe, Portugal tem de ter um “cenário B” (Qual o “cenário A” que tem em vista o
conferencista?), que “se escreve com as palavras saúde e velhice”. E é verdade
que será para esta “grande área da velhice e da doença” que se deve apontar. Mas
eu penso que isso deve ser norteado pela obrigação (a que é conveniente
associar algum gosto) que temos de proteger a velhice e obviar eficientemente
às situações de doença, pelo estado de solidão, desconforto, fragilidade e
sofrimento em que as pessoas se encontram. Não deve esse cuidado por idosos e doentes
ter como móbil a solução dos problemas económicos nacionais, embora, como é óbvio,
também ele contribua para o crescimento da economia, promovendo os mecanismos
de produção, distribuição e consumo e colmatando as suas lacunas sistémicas. Também
ajuda a resolver o problema económico se considerarmos na economia as componentes
de bem-estar social e de elevado grau de satisfação pessoal que ela é chamada a
compaginar.
***
Ora, Daniel Bessa dirige a COTEC,
associação sem fins lucrativos que conta com o apoio dos seus associados e das
instituições do SNI (Sistema Nacional de Inovação) para a concretização dos
seus objetivos, através de iniciativas em várias áreas. Cabe-lhe a missão de “promover
o aumento da competitividade das empresas localizadas em Portugal, através do
desenvolvimento e difusão de uma cultura e de uma prática de inovação e do conhecimento
residente no país” (cf http://www.cotecportugal.pt/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=69&Itemid=109,
ac setembro de 2014).
Todavia, as instituições que apoiam os
idosos ou que acolhem os doentes, nomeadamente os que não têm já capacidade
para o regime de ambulatório não se podem guiar principalmente por critérios de
competitividade, porquanto a maior parte mal tem dinheiro para sobreviver.
Não obstante, é sem dificuldade que se
concorda com o economista quando ele confessa, referindo-se às “empresas
nacionais”: “Acredito mais em atividades industriais ou serviços, com um nível
tecnológico suficiente para sobreviverem não à base do preço, mas à base da
diferenciação e da sofisticação que permite vender coisas de maior qualidade
por maior preço”. Mas, se é justo defender para as instituições de
solidariedade um elevado nível tecnológico como condição de sobrevivência, não o
será se pautadas pelo parâmetro do preço, “vender coisas de maior qualidade por
maior preço”.
Bem sabemos que há um grande número de portugueses
que podem constituir um considerável nicho de turismo de terceira idade, a que
se podem juntar outros tantos, ou até mais, estrangeiros. Mas fazer turismo a
partir da saúde torna-se um bocado chocante num país que vê mirrarem-se em listas
de espera doentes que necessitam de consulta, exame de diagnóstico, tratamento,
internamento, intervenção cirúrgica ou urgências superlotadas sem capacidade de
resposta. Morrem pessoas por falta de viatura, de médico, de exame atempado, de
tratamento, de cirurgia adiada ou não marcada. Doentes terminais ou
pré-terminais vivem sem o mínimo de apoio e qualidade de vida. Acusa-se a falta
de pessoal e de dinheiro. E alguém se atreve a falar de turismo de saúde: Aqui entra o turismo de saúde para europeus.
“Portugal tem condições únicas para ser um prestador de serviços de
complexidade moderada na área da saúde e da doença a tudo o que é Europa e
mercado europeu”, ensinou o sábio.
E o desplante continua até ao disparate. Limitemo-nos
a um trecho da transcrição da mencionada local do DN:
Na sala de aula improvisada de um hotel de Castelo de Vide, Daniel Bessa
olhou em volta e comparou o local onde falava a um hospital. “O que é um
hospital? São camas – como um hotel. Tem uma cozinha, como um hotel. Muito do
que se passa num hospital é equivalente ao que se passa no turismo”, apontou.
Com uma grande vantagem: “Ser o mais barato da Europa na prestação destes
serviços.” Por comparação na saúde, Portugal tem uma “mão de obra barata, com
qualificação quanto baste”.
Bessa afasta assim o cenário de apostar no mar. “O mar não é um recurso, é
um inerte”, apontou. “O mar é um grande recurso para quem é capaz de o usar”.
Sim, o hospital tem tudo como um
hotel. Porém, pergunto-me se o senhor professor doutor se sente tão bem no
hospital como no hotel. Se sim, trata-se de cidadão, turista e doente especial –
três em um. Só me resta parabenizá-lo. Por outro lado, se Portugal tem mão de obra
barata e qualificada quanto baste, porque é que Portugal insiste em baixar salários,
não se instalam empresas de saúde e os serviços não são exponencialmente procurados
por estrangeiros?
Será legítimo afastar o cenário
da aposta no mar, por mor de o mar ser um inerte? Se sim, então também a terra
o será nas pedreiras e nos jazigos mineralíferos e petrológicos do subsolo, bem
como o ar, fonte de energias eólicas e fautor do ambiente sem o qual não
podemos viver. Considerando o professor universitário inertes os peixes do mar
e todos os animais e plantas marinhas, também considerará inertes os animais e plantas
da terra e as aves do ar e os insetos tão movimentados?
Não quero julgar, mas recuso-me a
acreditar em certos saberes e lamento que eles eivem os espíritos de adultos e
jovens, sem mais. Enquanto a velhice e a doença forem motivo de descarte ou de puro
negócio, o país bem pode esperar pelo futuro, mas, em sua vez, terá de aguardar
um passado recauchutado.
Por mim, recuso-me a aceitar o
cenário de um país transmutado exclusivamente num mega-asilo cosmopolita.
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