segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O equívoco da supervisão e regulação bancária

Toda a propaganda que garantia que a supervisão e a regulação sobre o BES eram muito diferentes daquelas que – dizem – quase não existiram sobre o BPN ficou gorada com o decurso dos acontecimentos. A própria solução vê-se agora ter mais semelhanças com a adotada então. Se não, vejamos.
Segundo diziam alguns, o BPN esteve durante meses sob a vigilância do regulador sem que alguém tivesse obstado à prossecução do descalabro. E de parte a parte havia acusações. O Banco de Portugal (BdP) não era informado com suficiência sobre o que se estava a passar, pois o BPN nem sequer respondia atempadamente às questões que o BdP lhe colocava no âmbito da supervisão; mas responsáveis do BPN e da SLN retorquiam alegando ter respondido a tudo. Um deles até afirmou ter denunciado ao BdP situações duvidosas e mesmo irregulares no BPN. Para defenderem a posição do então Governador do BdP, os seus apaniguados proclamavam que não se podia penalizar mais o polícia que o infrator.
Agora, também se diz que o BdP conhecia a situação caótica do BES, mas cedo acreditou e fez acreditar que o BES estava bom e quem estava mal era o GES. Tanto assim que a exigência de aumento de capital ordenada pelo regulador tinha em vista a constituição de uma almofada de segurança adicional para obviar a eventuais efeitos negativos resultantes da demasiada exposição do BES ao GES. O Governador do BdP, que até garantia que a saúde financeira do BES estava bem e se recomendava e permitiu a continuação, embora temporária, de Salgado à frente da administração do BES, na noite da decisão da nacionalização indireta, confessou que fora traído e que, já depois da sua intervenção restringente no BES, foram desencadeadas operações irregulares à revelia das indicações que dera. Assim, é que o BCE, depois de conhecidos os enormes e inéditos prejuízos do primeiro semestre, exigiu a imediata satisfação dos encargos pendentes do BES junto do BCE e lhe negou a autorização de continuação da atividade bancária.
Quanto à solução encontrada, o BPN, rejeitado que foi o plano de reestruturação desenhado pelo então recém-nomeado Presidente do Conselho de Administração, Miguel Cadilhe, e depois de aprovada à pressa uma lei-quadro de nacionalizações, foi objeto da nacionalização decidida pelo Governo, para evitar o contágio demolidor sobre o sistema financeiro, e a administração do ora banco do Estado foi entregue à Caixa Geral de Depósitos, até que surgisse comprador para o banco, para cujos buracos foram canalizados milhões e milhões de euros dos contribuintes. As condições de venda ao BIC são por demais conhecidas. Ainda hoje se duvida das razões que induziram a nacionalização. E muitos criticam o facto de se ter nacionalizado um banco falido e ter deixado incólume a sua entidade proprietária, a SLN, que alegadamente gozava de boa saúde financeira e à qual não foram pedidas responsabilidades e que, pelos vistos, continua no mercado com outra designação e certamente com outro estatuto.
Agora, foi o Governador do BdP que deu a cara em vez do Governo, o qual declarara que não interferia nos assuntos de uma entidade privada e que não podiam os contribuintes ser responsabilizados elos erros de gestão dos responsáveis dessas entidades. Começou o BdP por impor um aumento de capital com o objetivo acima referido; manteve à frente da administração do BES o insubstituível Salgado; depois, forçou o convite a Vítor Bento e àqueles a quem foi solicitada coadjuvação. Na hora em que o BCE retirou o tapete ao BES, o Governador do BdP anuncia a extinção do BES, a criação do Novo Banco, cujo único acionista é o Fundo de Resolução, que a zona Euro criara para situações deste jaez, e a continuação do BES como o banco mau, para absorver os ativos tóxicos ou problemáticos. Garantia que os contribuintes não eram afetados em nada, pois, o Fundo de Resolução vivia da contribuição dos outros bancos (Recentemente Marcelo Rebelo de Sousa ensinava que eram, ao fim ao cabo, os dinheiros dos contribuintes que estavam a entrar, aliás como José Sócrates também defende: são dinheiros resultantes de imposto sobre a banca e canalizados para o efeito). Como o montante necessário para perfazer o capital do novo banco era bastante superior ao armazenado no Fundo até ao momento, era colmatada a diferença com o dinheiro disponibilizado pela troika para a recapitalização da banca (dinheiro dos contribuintes).
A Ministra das Finanças garantia que o Governo não tinha de se pronunciar, dado que, segundo a lei, cabe ao regulador tomar as medidas adequadas e que nada vinha afetar os contribuintes. Ora, quanto à primeira declaração, ela contornava o problema, porque o Governo, em 31 de julho, aprovou um decreto-lei que transfere para a ordem jurídica interna a diretiva comunitária sobre a matéria e, no dia da comunicação do Governador do BdP (3 de agosto, domingo), foi aprovado outro decreto-lei atinente à matéria. Fica-se a saber que, se é a lei que permite ao BdP tomar medidas, foi o Governo que produziu essa lei ou equivalente. Quanto à segunda afirmação, a própria Ministra, ao defender a rápida venda do Novo Banco, descaiu-se ao declarar que, quanto mais depressa ele fosse vendido, menos prejudicados seriam os contribuintes. Hoje, já ninguém tem dúvidas de que, de um modo ou de outro, quem paga é o contribuinte. Marcelo, que sabe tudo, o disse. O que houve foi uma nacionalização indireta. Veja-se: os novos administradores vêm de ao pé de Horta Osório, do BCP e da escola da Caixa, como diz Rebelo de Sousa. Foi a Caixa Geral de Depósitos que geriu a nacionalizado BPN, não? E agora ninguém garante que o sistema financeiro fique imune ao contágio provocado pelas vicissitudes do BES/GES/Novo Banco/Fundo de Resolução.
Quanto aos administradores cujo plano não segue para a frente, há uma diferença considerável, mas não significativa: no caso do BPN, o plano de reestruturação rejeitado era anterior à solução; agora, o plano rejeitado tem duas componentes, uma anterior à solução e outra posterior. Vítor Bento foi chamado para administrar um banco, vê-se a administrar outro, manda desenhar um logótipo de marca, parece ter falhado num alegado plano de pagamentos e, finalmente, abandona o barco.
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Ainda, para mais, o presidente demissionário do Novo Banco escreveu aos colaboradores e clientes da instituição, justificando a saída do Conselho de Administração e destacando o “profissionalismo” e a “experiência” do sucessor: “Estou convicto de que esta mudança ocorre no momento mais oportuno para o efeito”. E acrescenta que “estão praticamente resolvidas as questões mais complexas e desgastantes da transição do regime do Banco”.
Segundo Vítor Bento, “libertando a nova equipa daquele desgaste”, a atividade do novo banco ganhará “um novo impulso”. Por outro lado, o presidente ainda em funções afirma que o novo presidente, Eduardo Stock da Cunha, é “uma pessoa muito experiente no setor” e “um profissional reconhecido”. Por sua vez, “os elementos que o acompanham na renovação da equipa são também profissionais reconhecidamente competentes”.
Na comunicação interna que fez aos colaboradores, Vítor Bento lembra ter entrado a 14 de julho com José Honório e João Moreira Rato, numa envolvente “muito complexa e cheia de incertezas” e ante uma situação que se afigurava “com um período muito difícil”.
Tal pressupunha, de acordo com o economista gestor, “um razoável horizonte temporal para o efeito”. Porém, “como é sabido, as coisas precipitaram-se muito rapidamente e o banco acabou objeto de uma medida de resolução, que correspondeu ao que as autoridades consideraram ser, dentro das circunstâncias, a que melhor protegeria o banco, os seus clientes e o seu futuro”.
Segundo Bento, a sua equipa acabou por aceitar fazer a transição para o novo regime, para “assegurar que a mesma não teria nenhum efeito desestabilizador no banco e no sistema financeiro” e também porque “na altura não era ainda claro que não fosse possível prosseguir o projeto de médio prazo” com que iniciou a missão.
“Durante este período”, explicita o presidente demissionário, “contribuímos para a estabilização do Banco, lançámos, com apoio da McKinsey, a elaboração de um plano de sustentabilidade, pusemos em curso a mudança de marca (por imperativo regulamentar), criámos as condições para a “normalização” do funcionamento interno e externo do banco, definimos objetivos para o último trimestre e lançámos o processo orçamental para 2015, entre várias outras coisas”.
Diz Vitor Bento ainda “estar praticamente concluído o balanço de abertura do banco, não auditado, mas que permitirá um diálogo mais sólido com as várias contrapartes dos negócios do banco e com as agências de rating”. E esclarece que “por essas razões entendemos ser agora oportuno passar o testemunho a uma outra equipa de gestão mais alinhada com o projeto escolhido pelo acionista”.
Como era de esperar, mais uma vez os clientes ficam a saber que a mudança “não tem nada de dramático” e podem esperar que ela “até possa beneficiar o banco”, já que, “além de alguns nomes, nada de essencial muda no banco”. E o país sabe que “a força do banco e a capacidade de preservar o seu valor reside nos seus colaboradores”, a qual se mantém “intacta”, pelo que “o Novo Banco será sempre uma grande instituição, com gente muito dedicada, clientes leais e uma atividade de negócio que pode dar um importante contributo para a recuperação da economia portuguesa”.
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É caso para perguntar: Não haverá explicações e comentários a mais? Se a mudança nada tem de dramático, tê-lo-ia a permanência da equipa? Se a equipa estava a trabalhar tão bem, porque sai, afinal? A equipa sai por incapacidade, por discordâncias graves ou por não querer obedecer a exigências comunitárias, num quadro de respeito da Comissão Europeia e do BCE pelos Estados-Membros? Não quer partilhar a governança do Novo Banco com o Governador do Banco de Portugal, que não fez a supervisão quando a devia ter feito e agora não confia na gestão bentina? Não quer a equipa seguir os ditames da pressa impostos pelo Governo, que intervém sem intervir, dizendo que há todo o interesse em que a venda do Novo Banco se processe o mais rapidamente possível? Para quê tantas explicações?
Uma equipa que recebe uma missão como incumbência patriótica fá-lo para servir e serve obedecendo. Não lhe compete definir os parâmetros do patriotismo!
Depois, a supervisão e a regulação não se devem fazer quando não são imperativas, acarretando a retirada ou a diminuição da confiança, mas devem fazer-se oportunamente e importunamente quando há suspeitas ou dúvidas de que as instituições não seguem segundo as normas legais, estatutárias ou regulamentares. Se as leis não o permitem, sugira-se intempestivamente a sua reformulação.

E o Governo que se deixe de hipocrisias: em casos de gravidade nacional, tem de intervir e dizer uma palavra aos portugueses e não tapar o sol com a peneira.

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