Celebra-se, a 1 de setembro,
a memória litúrgica de Santa Beatriz da Silva, uma religiosa luso-espanhola,
glória da Igreja e dos dois países ibéricos. Foi beatificada pelo Papa Pio XI, a 28 de julho de 1926, e canonizada, a
3 de outubro de 1976, pelo Papa Paulo VI.
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Beatriz da Silva e Menezes, de nobilíssima família
portuguesa, era filha de pais portugueses, D. Rui Gomes da Silva (alcaide mor de
Campo Maior e Ouguela) e de D. Isabel de Menezes, filha de D. Pedro de Menezes,
que foi Governador da Praça de Ceuta, nessa altura pertencente à coroa de
Portugal. Apesar de Paulo VI ter indicado o seu nascimento em Ceuta, o mais
provável é que ele tenha ocorrido na vila de Campo Maior, cerca do ano de 1424
ou no de 1426 ou, segundo alguns como o padre Marcelino Caldeira, em 1437. Passou,
naquela vila, a infância e adolescência, rodeada do carinho dos pais que a
educaram num profundo espírito e virtudes cristãs.
Foi a oitava de doze irmãos – Pedro, Fernando, Diogo,
Afonso, João (Beato Amadeu da Silva, fundador do ramo franciscano dos frades
Amadeus, ora extinto), Branca, Guiomar, Beatriz, Maria, Leonor, Catarina e
Mécia – que foram educados por franciscanos, que lhes inculcaram no coração profundo
sentido cristão, ético e moral e especial amor à Imaculada Conceição.
Quando a Princesa Isabel de Portugal, filha de D.
Duarte, contrai casamento com D. João II de Castela (em segundas núpcias deste),
leva como sua dama a prima Beatriz, primeiro para Lisboa e, depois, para
Tordesilhas.
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Era Beatriz muito nova e bela e de alma transparente e
cristalina. Refere uma sua biógrafa que Beatriz “era formosíssima, prudente,
afável, inteligente, composta e de muita gentileza”, e outro autor diz “que era
bela, maravilhosamente bela, até ao deslumbramento”. Mas não tardou muito que os
ciúmes levassem a Rainha ao desejo de a fazer desaparecer. Porém, o desígnio de
Deus era outro. E, como do mal pode obter o bem, enquanto Beatriz está só e
cerrada num cofre esperando a morte, aparece-lhe a Virgem Imaculada – com o menino
nos braços, um hábito todo branco e escapulário da mesma cor, e a cobri-la um
manto azul – a anunciar-lhe que seria mãe de muitas filhas, pelo que, a seu
tempo, deveria fundar uma Ordem dedicada ao serviço e louvor do mistério da sua
Conceição Imaculada.
O desaparecimento da jovem dama provocou grande
preocupação no tio D. João de Menezes (que também se encontrava na corte de
Tordesilhas ao serviço do rei de Castela), por saber do ciúme que a rainha
nutria em relação a Beatriz. Questionada por D. João de Meneses sobre o
paradeiro de Beatriz, D. Isabel, desafiou-o a “que viesse vê-la” e levou-o ao
sítio onde a encerrara, convicta de que, ao abrir o cofre, a encontraria morta.
Porém, viva a viu aparecer, e mais bela do que nunca. Pasmada pelo que tinha à
sua frente, a rainha não atinava no que dizer. E, com tal espanto e para se
livrar da ocasião de voltar a criar problemas à sua dama, a soberana deu-lhe
licença e liberdade para ir viver aonde fosse de sua vontade.
É claro que a experiência de encarceramento foi, na
vida de Beatriz, um marco importante que a levou a dar uma grande viragem no
rumo da sua vida. Portadora do susodito presságio do Alto e com o desejo de
obedecer ao desejo mariano, sai da Corte de Tordesilhas e recolhe-se ao Convento
Dominicano de São Domingos O Real, ou O Antigo. Ali passou trinta longos anos,
como senhora de piso, longe de tudo e de todos os seres queridos e totalmente
desprendida das vaidades terrenas e desejos mundanos. E, como a formosura do
seu rosto foi a causa de tantas discórdias na corte, cobriu o rosto com um véu
branco durante o resto da sua vida, salvo em raríssimas exceções. Viveu ali uma
vida de clausura, em oração, penitência, discrição, frugalidade e entrega à
Virgem Maria – embora não integrando aquela comunidade religiosa.
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Entretanto, há que recordar que a viagem para Toledo
foi longa, arriscada e muito penosa, o que foi ultrapassado pela personalidade
forte e decidida de Beatriz. É significativo o episódio que ocorreu durante a
viagem e que todos os biógrafos relatam unanimemente:
Ao passar
por um determinado monte, Beatriz viu sair de trás dele dois religiosos da Ordem
de S. Francisco. Julgando serem emissários da rainha para a confessarem e
depois lhe tirarem a vida, entrou em grande temor. Ao acercarem-se dela os
religiosos, um deles, que parecia português, saudando-a na sua língua materna e
perguntou-lhe qual a causa da sua aflição e pena.
Ao saberem
dos temores da nobre viajante, tranquilizaram-na os dois frades e falaram-lhe
da fundação da Ordem da Imaculada Conceição. E, assim, foram conversando
durante a viagem para Toledo. Mas, à semelhança do que se passou com os
discípulos de Emaús, os dois frades desapareceram dos olhos de Beatriz e da sua
comitiva, quando esta insistiu com eles para que partilhassem com ela a ceia na
próxima pousada.
Este
encontro espiritual proporcionou-lhe uma indelével e grande consolação e
abriu-lhe o entendimento às realidades sobrenaturais e compreendeu que os
episódicos companheiros de viagem eram Santo António de Lisboa e São Francisco
de Assis.
Quando atingiu o grau de perfeição na virtude, no
decurso do ano de 1484, recebeu a ordem aguardada durante 30 longos anos entre
os muros de São Domingos “O Real”. E logo se seguiu um período de intensa
atividade a esses longos anos vividos na obscuridade e no silêncio do claustro.
Dizem os biógrafos de Santa Beatriz que lhe apareceu novamente a Mãe de Deus,
mostrando-lhe como haveria de ser o hábito das suas religiosas, tal como o
havia feito já a quando da visão no cofre em Tordesilhas, e a dizer-lhe que
tinha chegado o tempo de pôr mãos à realização da Obra.
***
Com a sua admirável generosidade, passou a dar-se sem
reservas ao cumprimento da missão que Deus lhe confiava. Finalmente, o sonho
que lhe iluminara toda a vida, o desejo que o coração acalentava de espalhar
pelo mundo a devoção à Imaculada Conceição e honrar, através da futura Ordem,
este grande e sublime mistério, começava a realizar-se e a criar forma.
Assim, ajudada pela rainha Isabel, a Católica, que lhe
deu os palácios de Galiana,assim chamados por terem sido outrora pertença da
princesa Galiana, filha de um rei mouro que os mandara construir expressamente para
a filha, bem como a Igreja de Santa Fé, situada junto ao Palácio de Galiana.
Beatriz deixa o Convento de São Domingos para se instalar com mais doze donzelas
de muita virtude e nobreza no local que a rainha lhes oferecera. Entrou com
grande alegria nessa casa tão desacomodada e logo deu ordens para que se
fizessem as obras necessárias e convenientes para a transformar num Convento de
religiosas contemplativas de clausura, começando por arranjar a Igreja. Tanto
que, logo que se instalaram no seu Convento de Santa Fé e provido este do
essencial para a vida comunitária contemplativa, ordenou a santa fundadora o
modo de viver que haviam de guardar ela e suas filhas e, composta a Regra, a
enviar ao Papa Inocêncio VIII com a petição da rainha Isabel “a Católica” para
que Sua Santidade concedesse a aprovação desta Ordem com o título da Imaculada
Conceição, bem como a Regra e o modo de rezar e de vestir.
Foi por meio de um estranho mensageiro que a fundadora
soube que Roma tinha expedido a Bula de aprovação da Ordem. Contudo, mais
tarde, chega a notícia de que o navio que transportava a Bula de aprovação
tinha naufragado. Beatriz comunicou o facto à rainha e só teve uma ideia:
pôr-se a rezar. Ao fim de três dias, aparece a Bula num cofre do Convento.
Ninguém descortinou como aconteceu este prodígio. A verdade é que hoje a dita
Bula Inter Universa se encontra no
Convento de Toledo. Inocêncio VIII tinha acedido ao pedido de Beatriz, com o apoio
da rainha Católica. Vinha a Bula dirigida ao bispo de Coria e Catânia e ao
Vigário de Toledo para execução, em 1491. A Bula cita expressamente a rainha
Isabel e sóror Beatriz, desde agora com a categoria de abadessa, a quem
autoriza a fundar um Convento, de clausura.
Tinha já sido marcada pelo arcebispo de Toledo a festa
das profissões de Beatriz e das suas doze companheiras, quando a Santíssima
Virgem de novo lhe aparece dizendo-lhe que dentro de dez dias a viria buscar
porque não era vontade de Cristo que Beatriz gozasse aqui na terra o que tanto
desejara. A abadessa Beatriz aceita com o coração em festa como através de toda
a sua vida aceitou sempre qualquer manifestação da vontade divina. Efetivamente,
no dia preciso em que estava marcada a festa do início da Ordem, Beatriz voou
para o Céu, não sem antes haver recebido o hábito branco e azul, como a Senhora
lhe tinha indicado, e feito nas mãos de um sacerdote franciscano a sua
profissão religiosa. Falecia assim como verdadeira concecionista.
Num dos momentos derradeiros, ao levantarem-lhe o véu
para lhe ser ministrado o sacramento da Unção dos Enfermos, todos viram, com
assombro, que do seu rosto saíam raios de luz que iluminaram todo o aposento em
que se encontravam e uma estrela luminosa se lhe fixou na testa e ali
permaneceu até que exalou o último suspiro. Esta significa, certamente, a luz
que dela irradiou então e que continua a irradiar ao longo destes cinco séculos
que nos separam da sua morte ocorrida em Toledo no dia 9 de agosto de 1492.
***
Logo que a serva de Deus expirou, pensaram as
religiosas de São Domingos levar para o seu Convento, não só as doze
religiosas, porque não haviam professado e ficavam sem abadessa, como também o
venerável corpo da fundadora, argumentando que lhes pertencia em razão da
vivência conjunta durante largos anos. Não sendo, porém, essa a vontade do
Senhor, que constantemente velava pelas suas servas, ilustrou-as com um novo
milagre, como foi o aparecimento da Santa Fundadora a frei João de Tolosa. Mesmo
antes da chegada de frei João de Tolosa, já os franciscanos de Toledo haviam
impedido que o corpo de Beatriz fosse levado pelas religiosas de São Domingos e
sepultaram-no na Igreja de Santa Fé.
Contudo, as religiosas de São Domingos não desarmaram
e, visto que não tinham conseguido os restos mortais da fundadora, pelo menos,
achavam-se no direito de reclamar para si as doze jovens que faziam parte da
comunidade de Beatriz, argumentando que estas ainda não tinham feito votos nem
tomado hábito. Não obstante, o ilustre franciscano fez desistir aquelas religiosas
de seus intentos e marcou, para dentro de oito dias, a tomada de hábito e a
profissão religiosa das doze valorosas filhas de Beatriz, tendo sido nomeada
para abadessa sóror Filipa da Silva, sobrinha da fundadora.
Também as Beneditinas do Mosteiro de São Pedro das
Donas haviam decaído um pouco no fervor primitivo da Ordem. Por isso, o
Reformador Geral de todas as Ordens no Reino de Castela, frei Francisco de
Cisneros, ordenou que o Convento de Santa Fé e o Mosteiro de São Pedro das
Donas se juntassem num só, passando as religiosas de Santa Fé a viver no
Mosteiro de São Pedro das Donas. Por outro lado, por breve do Papa Alexandre VI,
as monjas das Donas passavam a vestir o hábito das Concecionistas e adotavam a
forma de viver desta nova Ordem. E deveria a abadessa de São Pedro das Donas
renunciar ao seu cargo em favor de Madre Filipa da Silva, que passaria a ser a
abadessa da nova comunidade.
Porém, as mudanças não foram fáceis, em razão das graves
divisões que surgiram na comunidade, que esteve, por três vezes, à beira da
extinção, devido às reformas implantadas por Madre Filipa da Silva, que
desagradaram muito às antigas religiosas por não aceitarem que uma Ordem nova
viesse impor a uma antiga Ordem correções e tradições. Chegou a situação a tal
ponto que frei Francisco de Cisneros, à data, arcebispo de Toledo, esteve
prestes a ordenar se extinguisse de vez a Ordem da Imaculada Conceição. Mas não
era esse o projeto de Deus, que levou o prelado a fazer uma última tentativa
para repor a unidade e a caridade no referido Convento. Para isso, dirigiu às
religiosas do dito Convento uma veemente exortação a que se apaziguassem. Conta
sóror Catarina que o arcebispo lhes falou com tão inspirado afeto que lhes
abriu os corações e os pacificou de tal forma que as que haviam abandonado a
comunidade voltaram bastante emendadas, conformando-se todas numa só vontade e
amor e transformando-se o Convento num autêntico paraíso.
Com um convento em que todas as religiosas viviam
unidas, “num só coração e numa só alma”, e depois daquelas duras provas de
crise de entendimento, a Ordem da Imaculada Conceição entrou num período de
grande florescimento, tornando-se numa das maiores Ordens Religiosas femininas
de vida contemplativa da Igreja.
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Como em tudo, também na vida dos santos e no devir das
ordens religiosas se intromete o diabo ou as pessoas a fazer a figura de
Satanás, semeando o joio, a emulação e o ciúme. E lá tem Deus de escrever
direito por linhas tortas para que a Sua obra cresça, frutifique a cem por um e
conduza as pessoas e povos a um mundo mais justo, mais fraterno e mais
espelhante da cidade de Deus.
É a Luz que brota do testemunho de vida de Beatriz, que
“…toda se abandonou à vida de santidade…” e das suas filhas, que encerradas nos
seus Conventos seguem as pisadas da sua mãe e mestra, vivendo os rigores e as
alegrias do Evangelho. Flores de Igreja, flores de paz – a interceder pela vida
do mundo!
Referências
http://santabeatrizdasilva.com/santa-beatriz/biografia/, ac setembro de 2014;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Beatriz_da_Silva, ac setembro de 2014;
Leite, J.; Coelho, A. (2005). Santos de Todos os Dias. Vol. de
setembro. Matosinhos: Quid novi;
Sacra Congregatio pro Cultu Divino (1989). Liturgia das Horas, VI.
Coimbra: Gráfica de Coimbra.
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