Nos últimos dias, foi grande notícia
política a proposta pública de António José Seguro sobre a reforma do sistema
político a incidir basicamente em dois aspetos: a alteração da lei eleitoral
para a Assembleia da República; e o reforço das incompatibilidades dos
detentores de cargos públicos.
Efetivamente, o secretário-geral do
PS anunciou, em conferência de imprensa do passado dia 16, a apresentação de um
projeto de revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República, que aponta
para a redução de 230 para 181 deputados e a introdução do voto preferencial do
eleitor em relação ao deputado. Com este projeto, o líder socialista disse
pretender garantir a cada um dos portugueses a escolha do seu deputado, a
redução do número global de deputados, com garantia do respeito do imperativo
constitucional da proporcionalidade e da representação de todo o território
nacional.
António José Seguro adiantou,
ainda, que proporá que a nova lei eleitoral entre em vigor já nas próximas
eleições legislativas.
Para os devidos efeitos, o
presidente do grupo parlamentar do PS, Alberto Martins, também presente na
predita conferência de imprensa, vai solicitar reuniões com os restantes líderes
parlamentares, tendo como objetivo obter “um consenso superior aos dois terços”
necessários para a aprovação da reforma do sistema político, sendo desejável
que ultrapasse aquela maioria exigida constitucionalmente.
Seguro – apelando a todas as
forças políticas para que “todos se concentrem no essencial” e se formule “um
forte compromisso” no sentido de permitir a cada português “a escolha do seu
deputado” – garante que “esta alteração não é contra ninguém, visa a abertura
do sistema político, o aumento da participação dos portugueses e a melhoria do
funcionamento do da Assembleia da República.
Seguro apelou ainda à aprovação
da proposta de deliberação apresentada pelos socialistas, em primeiro lugar para
verificar a vontade política dos grupos parlamentares e dos deputados e,
consequentemente, a vontade de cada um no processo de construção de um modelo
de círculos eleitorais – matéria já ventilada por outrem noutras ocasiões.
Paralelamente,
António
José Seguro apresentou também um projeto de lei de reforço das
incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos
públicos, com obrigação da revelação da origem dos rendimentos e da indicação
das entidades pagadoras. São propostas várias para aumento da transparência na atividade
política e pública, com o objetivo de “vencer a crise de confiança” entre os
cidadãos e o regime democrático e, sobretudo, “separar
negócios e política”, arredando de vez a tão propalada promiscuidade.
Além da obrigatoriedade de
revelação da origem de todos os rendimentos, o líder socialista ainda em
funções quer ampliar o regime de impedimentos ao “exercício de funções pelos
titulares de cargos políticos a quaisquer empresas privadas de setores que
tenham sido por si diretamente tutelado”. E propõe também “o impedimento do
exercício de funções pelos consultores e representantes do Estado em relação a
entidades adquirentes ou concessionárias, por força da sua intervenção em
processos de alienação ou concessão de ativos”.
***
Entretanto, no grupo parlamentar
socialista, um número significativo de deputados critica ideia do líder,
classificada como “demagógica”. Seguro insiste em que a reforma do sistema
político é para fazer e Costa acusa-o de “populismo”.
Confrontados, na primeira reunião
do grupo parlamentar para discussão da matéria, com o
agendamento potestativo marcado no passado dia 17 na conferência de líderes, Ferro
Rodrigues, Vieira da Silva e Jorge Lacão classificaram os projetos como
demagógicos e populistas e publicitados sem terem sido apresentados na bancada
parlamentar do partido e nela debatidos.
Em defesa dos
preditos projetos, tomou a palavra João Soares, contestando a argumentação dos
críticos. “Também eu teria gostado de ter sido ouvido por José Sócrates, na
comissão política ou no grupo parlamentar, sobre o memorando da troika e
não fui. E o memorando está em vigor.”
Do seu lado, o deputado
Delgado Alves minimizou os termos do projeto, afirmando que, em vez de um projeto
de lei, a deliberação apresentada estava ao nível “de uma moção setorial” a um
congresso — sem pormenor ou concretização efetiva.
Por outro lado, entre
os argumentos lançados contra Seguro, que não compareceu à reunião, estava também
o facto de a redução do número de deputados não estar inscrita em qualquer
documento programático enquadrado pela sua liderança.
No cerne da contenda
ficou o líder parlamentar do PS, que subscreveu o projeto com Seguro. Bem
tentou evitar o desenho da contestação ao propor uma reunião da comissão
política do partido, o que foi rejeitado como “absurdo”: não era aceitável ouvir
aquela estrutura interna do PS depois de já estar agendado debate.
Porém, o persistente secretário-geral
convocou para o dia 30, dois dias após as primárias socialistas, a reunião da
comissão política, aberta (segundo fonte oficial da direção) à participação de
todos os deputados da bancada socialista, para debater a reforma do sistema
político, aliás aquela bases de reforma do sistema.
Interpelado pelos jornalistas em Condeixa-a-Nova, António José Seguro reafirmou a sua
determinação em levar por diante as suas ideias reformistas. E, respondendo às
críticas do seu opositor António Costa, que lhe apontou o “impulso populista”, o
secretário-geral disse já estar à “espera de que haja pessoas que resistam e não
queiram que absolutamente nada mude”. Mais: Seguro defendeu que “os deputados,
incluindo os advogados, devem ser obrigados a dizer quem são os seus clientes,
de onde recebem o dinheiro, e quais são as suas listas de avenças”; considera
que “quem trabalha em processos de privatização ou concessão para o Estado não
pode depois trabalhar nas empresas vencedoras”; e entende que “os deputados não
podem ser árbitros, peritos ou consultores contra ou a favor do Estado, devendo
haver uma clara separação entre política e negócios”.
No dia 17 à noite à
noite, num jantar com militantes em Cascais, António Costa acusou a direção do
partido de “ceder ao impulso populista” da reforma das leis eleitorais, a um
ano de eleições para a Assembleia da República, em vez de apostar no
relançamento da economia.
Costa acusou a direção
de Seguro de ter deixado passar dois anos para apresentar um projeto de revisão
das leis eleitorais e só agora vir propor a redução do número de deputados, em
vez de centrar a sua atenção no que os portugueses esperam do PS: “relançar a
economia e voltar a ter uma estratégia de crescimento e emprego em Portugal.”
***
É estranho, mas não
inédito, um líder político, na crista da onda da crise partidária, em vez de cuidar
da saúde do partido, vir com a solene ambição de reformas do sistema político, nomeadamente
no âmbito da reformulação das leis eleitorais, incompatibilidades de detentores
de cargos políticos e públicos, abolição da promiscuidade entre política e negócios
(como se agente acreditasse) e, nalguns casos, financiamento dos partidos. Tentou
fazê-lo Fernando Nogueira, quando, em 1995, tomou conta de um PSD órfão de pai
vivo (Cavaco Silva tinha atirado o poder pela janela fora e Guterres apanhou-o tranquilamente);
tentou fazê-lo Marques Mendes, dez anos depois, quando herdou o partido do óbito
transitório de Santana Lopes e perante um Sócrates mais preocupado com o
lançamento da agenda governativa; e fá-lo agora Seguro na sua insegurança
cravejada de ideias no meio da barafunda que ele próprio criou com o desnecessário
lançamento dumas primárias sem tradição, com o levantamento prolífero de
acusações ao opositor alegadamente oportunista e sem respeito pela palavra (não
sei de quem).
Rui Rio, o agora adversário
eleito por Costa, durante o consulado partidário de Marcelo, a quem acompanhou na
qualidade de secretário-geral, procedeu à refiliação dos militantes do PSD –
coisa bem esquisita à época!
Ora, António Seguro
torna-se extemporâneo no lançamento do projeto de lei eleitoral e no das incompatibilidades,
como já deixamos claro e no que somos acompanhados por socialistas e não só –
uns marcados pela emoção do momento, outros guiados pela lucidez das circunstâncias.
E, quando for
oportuna a reformulação da lei eleitoral para a Assembleia da República, tenha-se
em atenção que só reduzir o número de deputados e reformular os círculos
eleitorais é muito pouca coisa. E o voto por correspondência? E as campanhas de
consciencialização para a importância do voto? E, já agora, porque não pensar
no sorteio de um “Audi” ou de um “BMW” entre os eleitores que não se abstiveram?
Depois, organizem lá
os círculos eleitorais como entenderem: deixem ficar os atuais; façam um
círculo nacional e multipliquem os atuais círculos territoriais mais pequenos;
e façam o pino eleitoral se quiserem. Mas, por favor, não nos iludam com a
história da escolha do meu deputado! Vistas bem as coisas, seria necessário
aumentar imensamente o número de deputados, sobretudo se cada português
escolhesse o seu deputado e este deputado escolhesse como seu deputado o que,
por seu turno, o escolhera como seu deputado. Como diria Guterres, é só fazer
as contas: retirar da lista os menores de 18 anos (ou de 16, se a lei alterar a
idade do voto) e depois dividir o número de eleitores por dois. Teremos assim o
número máximo de deputados. O mínimo será um deputado, porque todos os portugueses
podem escolher como seu deputado o mesmo.
E não vale a pena
dizer-me que o meu deputado estará sempre acessível para que eu o contacte. Primeiro,
porque, sempre que pretendi contactar os deputados em cuja eleição participei,
nunca senti dificuldade em o fazer, com agrado ou sem ele; segundo, porque o meu
deputado poderá ser ministro (ou até primeiro-ministro), secretário de estado
ou coisa parecida e, depois, fico sem o meu deputado, a não ser que os
deputados eleitos (Ah, já me esquecia: e se o meu deputado adoecer, morrer ou
não for eleito?), sejam obrigados a cumprir o mandato e os secretários de estado,
ministros e primeiro-ministro tenham de ser escolhidos fora do Parlamento (Lá
viria mais uma limitação dos poderes presidenciais!); e, por fim, não sendo
obrigados eles cumprem, mas se se sentirem obrigados, não me parece que o meu
deputado esteja disponível para me aturar!
Quanto às
incompatibilidades, quero recordar aquilo que em tempos Durão Barroso disse. O exagero
nessa matéria terá efeito perverso. Podemos perder bons tribunos parlamentares
se exigirmos tudo a todos. E ficaremos com o debate político entregue aos
políticos profissionais (que nem profissionais são), os que vêm das jotas, os frutos do aparelho partidário
(na URSS dir-se-ia “nomenclatura”, não?!).
Quanto à
promiscuidade entre negócios e política, fiscalizem-se os abusos. No entanto,
lembrem-se os políticos de que já no Paraíso Terreal entregou o negócio através
da Serpente e hoje tenta minar tudo.
E Seguro prestará um inestimável
serviço público se se afirmar mais como um político de quatros costados e
deixar de uma vez por todas as useiras e vezeiras lamentações ao estilo do profeta
Jeremias.
Este povo precisa de
dedicação, de esperança, de servidores eficazes, de fomento da sua dignidade e
do mínimo de bem-estar! Vamos a isso, Seguro? Vamos a isso, Costa?
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