“Terra das Águias” é a expressão
por que é conhecida a Albânia (tem a
águia representada na bandeira como sinal da esperança e da confiança em Deus)
e que o Papa Francisco utilizou na alocução que proferiu no “Encontro com as Autoridades no Salão de Receções do Palácio
Presidencial”, no âmbito da sua visita pastoral àquele país, hoje 21 de
setembro, XXV domingo do tempo comum e, nas comunidades onde o santo apóstolo
evangelista é celebrado com relevo especial, festa de São Mateus. Trata-se da primeira
viagem internacional de Francisco em solo europeu, para homenagear as vítimas
do regime comunista do século XX até há quase um quarto de século, enaltecer a
convivência inter-religiosa no país e apontá-lo como exemplo:
Decidi visitar aquele país porque sofreu muito por causa de
um terrível regime ateu, e agora atravessa uma fase de convivência pacífica
entre os seus vários componentes religiosos. Saúdo desde já com carinho o povo
albanês e agradeço-lhe a preparação desta visita. Peço a todos que me
acompanhem com a oração, por intercessão de Nossa Senhora do Bom Conselho. (Na audiência
geral de 17 de setembro).
Recebido pelo primeiro-ministro
albanês no aeroporto internacional 'Madre Teresa', em Tirana (para nós, de
Calcutá; para eles, de Tirana), o Papa pôde, num percurso em automóvel fechado,
seguido por milhares de pessoas, contemplar ao longo das ruas fotografias dos
'mártires' do comunismo, incluindo católicos, fiéis de outras confissões
cristãs e muçulmanos.
Após aquele percurso, o programa
iniciou-se no palácio presidencial, onde decorreu um encontro com as autoridades
políticas, a que se seguiu a celebração eucarística e a recitação do Angelus na Praça Madre Teresa (a bem conhecida
Beata Madre Teresa de Calcutá), na capital albanesa. Após o almoço com bispos albaneses,
Francisco dirigiu-se a líderes religiosos na Universidade Católica, antes de
rezar com sacerdotes, religiosos e seminaristas na Catedral de Tirana. E o último
momento da agenda, que teve seis intervenções, decorreu no 'Centro Betânia',
junto de crianças e representantes das pessoas assistidas nos centros
caritativos.
Apesar de, na Albânia, a viagem ser
vista como uma opção pela “periferia” do Velho Continente, o arcebispo K. Rrok
Mirdita explicou-se à Rádio Vaticano:
Se falarmos do
bem-estar material como o centro, então certamente a Albânia é uma periferia. (…)
O Papa Francisco entra no continente europeu através do encontro com um povo
que sofreu muito, mas que também tem muito a dar para a Europa.
E o prelado justifica as suas asserções,
quando diz “O nosso país, no entanto, é rico de outros valores. Nós temos a
população mais jovem do Continente, apesar dos fluxos migratórios”…
Com efeito, o Pontífice é
recebido por “uma Igreja que esteve sempre ao lado do povo”, num contexto que,
hoje, leva a Albânia a ser “um modelo de coexistência religiosa”.
***
Assim no aludido encontro com as
autoridades, o Papa correspondeu com alegria à receção festiva com que foi
acarinhado, classificando aquela “nobre terra” como “terra de heróis, que
sacrificaram a vida pela independência do país, e terra de mártires, que
testemunharam a sua fé nos tempos difíceis de perseguição”.
Reencontrado “o
caminho árduo mas emocionante da liberdade”, Francisco verifica ter ela
permitido “empreender um percurso de reconstrução material e espiritual, pôr em
movimento tantas energias e iniciativas, abrir-se à colaboração e a permutas”
com os demais países, olhando “para o futuro com confiança e esperança”,
iniciando “projetos” e tecendo novas “relações de amizade com nações vizinhas e
distantes”. E não deixa de salientar que o respeito dos direitos humanos, “entre
os quais sobressai a liberdade religiosa e a liberdade de expressão do
pensamento”, é condição preliminar para o “progresso económico e social de um
país”; e o respeito pela dignidade do homem e o reconhecimento e garantia dos
seus direitos favorecem o florescimento da criatividade e da audácia, induzindo
a pessoa humana a “explanar suas inúmeras iniciativas a favor do bem comum”. Destaca
o Papa como peculiar e feliz caraterística da Albânia a convivência pacífica e a
colaboração entre seguidores de diferentes religiões, o que mostra a possibilidade da sua realização e concretização em
toda a parte:
O
clima de respeito e mútua confiança entre católicos, ortodoxos e muçulmanos é
um bem precioso para o país e adquire uma relevância especial neste nosso tempo
em que é deturpado, por parte de grupos extremistas, o autêntico sentido
religioso e são distorcidas e manipuladas as diferenças entre as várias
confissões, fazendo daquelas um perigoso fator de conflito e violência, em vez
de ocasião de diálogo aberto e respeitoso e de reflexão comum sobre o que
significa crer em Deus e seguir a sua lei.
Contra o extremismo
religioso, referiu que a ninguém é lícito “tomar a Deus por escudo, enquanto projeta
e comete atos de violência e vexação”, nem invocar a religião como “pretexto
para ações contrárias à dignidade do homem” e aos “direitos humanos
fundamentais”, sobretudo os da vida e da liberdade religiosa.
O Papa exprime também
o seu apreço político pela demanda das consequências da liberdade:
Através
de eleições livres e novos ordenamentos institucionais, consolidou-se o pluralismo
democrático, o que favoreceu a retoma das atividades económicas. Muitos,
motivados pela busca de trabalho e de melhores condições de vida, tomaram o
caminho da emigração e contribuem, a seu modo, para o progresso da sociedade
albanesa, enquanto outros redescobriram as razões para permanecer na pátria e
construí-la a partir de dentro. As fadigas e os sacrifícios de todos cooperaram
para a melhoria das condições gerais.
Em relação à Igreja
Católica, o Pontífice anota a retoma de uma existência normal, pela
reconstituição da hierarquia, reatando os fios da longa tradição; a edificação
ou reconstrução de lugares de culto, com destaque para o Santuário de Nossa
Senhora do Bom Conselho em Escutári; e a fundação de escolas e de centros de
educação e de assistência, postos à disposição de toda a população – o que faz
da presença e da atividade da Igreja “um serviço à nação inteira, e não apenas
à comunidade católica”.
Com a invocação do
testemunho da Beata Madre Teresa e dos mártires, que se imolaram heroicamente pela
fé – ora alegres no Céu pelo empenho dos homens e mulheres de boa vontade em
fazer reflorescer a sociedade e a Igreja na Albânia –, Francisco enuncia o
complexo de novos desafios a que importa dar resposta:
À globalização
económica e cultural é preciso contrapor todo o esforço possível para que o
crescimento e o progresso sejam postos à disposição de todos e não só de parte
da população. Depois, o progresso só será autêntico se for sustentável e
equitativo, ou seja, se tiver bem presentes os direitos dos pobres e respeitar
o meio ambiente. Dito de outro modo: à globalização do mercado tem de corresponder
a globalização da solidariedade; ao crescimento económico deve aliar-se um
maior respeito pela criação; e com os direitos individuais hão de ser tutelados
os direitos das realidades intermédias entre o indivíduo e o Estado, sendo a
primeira delas a família. São desafios que hoje a nação albanesa enfrenta num
quadro de liberdade e estabilidade, a consolidar, de modo a permitir encarar o
futuro com esperança.
***
Na Homilia da Missa na Praça
Madre Teresa, o Pastor comentou o Evangelho em que Jesus, além dos Doze
Apóstolos, chamou outros setenta e dois discípulos a quem manda pelas aldeias e
cidades a anunciar o Reino de Deus (cf. Lc 10,1-9.17-20). Ele, que veio trazer ao mundo
o amor de Deus e quer irradiá-lo através da comunhão e da fraternidade, forma
imediatamente uma comunidade missionária, que treina para estar em saída, «ir»
em missão. O método é claro e simples: os discípulos entram nas casas, e o seu
anúncio começa com uma saudação significativa, um dom “A paz esteja nesta casa!” (Lc 10,5).
Na missão dos setenta e dois, o
Papa revê a experiência missionária da comunidade cristã de todos os tempos: o
Senhor, ressuscitado e vivo, envia não só os Doze a anunciar o Evangelho a
todos os povos, mas a Igreja toda e, por sua vez, cada batizado. Porém, nem
sempre, ao longo dos séculos, o anúncio da paz, trazido pelos mensageiros
evangélicos, era acolhido; por vezes, as portas fechavam-se.
Quando, no passado recente, a
porta da Albânia se fechou com o cadeado das proibições e prescrições do
sistema que nega a Deus e impede a liberdade religiosa, o país tornou-se uma
terra de mártires: “naqueles decénios de sofrimentos atrozes e duríssimas
perseguições contra católicos, ortodoxos e muçulmanos, muitos bispos,
sacerdotes, religiosos, e fiéis
leigos, ministros de culto de outras religiões pagaram com a vida a sua
fidelidade”.
Embora este tenha sido um dos
primeiros territórios a receber a luz do Evangelho (A Ilíria de que fala São
Paulo incluía o território da Albânia atual), aqueles que temiam a verdade e a
liberdade tudo fizeram para banir Deus do coração do homem e excluir Cristo e a
Igreja da história deste país. Todavia, “não faltaram testemunhos de grande
coragem e coerência na profissão da fé”. A este propósito, Francisco evocou,
visitando-o em espírito, o cemitério de Escutári, lugar-símbolo do martírio dos
católicos, junto de cujo muro se efetuavam os fuzilamentos, e, comovido, depôs
a sua “flor da oração e de grata e indelével lembrança”.
Lançando o seu olhar sobre o presente,
proclama a reabertura das portas da Albânia e o amadurecimento de uma estação
de novo protagonismo missionário para todos os membros do Povo de Deus: cada batizado
tem um lugar a ocupar e um dever a desempenhar na Igreja e na sociedade. E, agradecendo
o testemunho de todos, aproveita o ensejo para os encorajar a fazer crescer a
esperança dentro de si mesmos e ao seu redor, nomeadamente na Europa. Que não esqueçam
a águia: “a águia não esquece o ninho, mas voa alto”. E apela:
Voai alto! Subi
às alturas! Eu vim aqui para vos encorajar a envolver as novas gerações; a
alimentar-vos assiduamente da Palavra de Deus, abrindo os vossos corações a
Cristo, ao Evangelho, ao encontro com Deus, ao encontro entre vós próprios,
como já estais a fazer: com esta maneira de proceder encontrando-vos, dais
testemunho a toda a Europa.
Aos pastores e leigos pediu o
sentido da comunhão eclesial, a conjugação de esforços para o bem da sociedade
e a descoberta de novas formas de presença da Igreja.
Em particular, aos jovens disse:
Este é um povo
jovem! Muito jovem! E onde há juventude, há esperança. Ouvi Deus, adorai a Deus
e amai-vos entre vós como povo, como irmãos.
E a todos deixou o apelo:
Não vos esqueçais
do ninho, da vossa história que vem de longe, incluindo as provações; não
esqueçais as chagas, mas não vos vingueis. Continuai a trabalhar com esperança
para um futuro grande.
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