Sabe bem ler ou ouvir notícias
sobre a descida dos juros: a prestação da casa fica mais baixa, as famílias e
as empresas veem a banca a dar-lhes mais apoio, a economia cresce, as contas
públicas equilibram-se e a dívida pública tem um serviço menos oneroso.
Parece que não é bem assim. A
prestação da casa não tem redução significativa, os créditos pessoais estão
difíceis e a taxas elevadas, a compra de casas financiada tem dimensão
diminuta, a economia não cresce significativamente (na zona Euro até estagnou),
as empresas continuam em dificuldade, as contas públicas estão equilibradas
segundo os critérios da troika, mas não segundo os critérios do Eurostat, o
serviço da dívida está mais aliviado, mas como a dívida cresce, mal se nota o
alívio. E, por mais que o Estado aumente os impostos e as contribuições para a
Segurança Social e por mais cortes salariais que determine, a despesa do Estado
continua a aumentar. As pessoas vivem pior e as suas poupanças rendem mínimos
históricos.
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O presidente do Banco Central
Europeu (BCE), que admitira usar “todos os instrumentos” necessários para
diminuir o risco de deflação na zona euro, surpreendeu, nestes dias, o mercado,
reduzindo as taxas de juro para 0,05%, o valor mais baixo de sempre, e pondo em
marcha medidas de estímulo à economia. Continua a sua opção de reduzir as taxas
de juro diretoras, numa linha bastante oposta à do seu antecessor. O seu objetivo
é combater o abrandamento da economia e a queda continuada dos preços. Segundo
José Manuel Rocha (vd Público, de 5
de setembro), o BCE segue na retaguarda dos seus congéneres.
Assim, não tem uma atuação programática
como a da Reserva Federal norte-americana, que, na sequência da falência do
Lehman Brothers, iniciou um programa audaz de compra
mensal de títulos de dívida pública, mecanismo que só abrandou no ano corrente,
prevendo-se que o programa chegue ao seu termo, até ao fim do ano. Daí que a
taxa de desemprego tenha caído de níveis ligeiramente superiores a 10%, em
2010, para os cerca de 6% atuais. E o Produto Interno Bruto (PIB) já está uns
7% acima do que valia antes da crise.
O Banco de Inglaterra
injetou na economia cerca de 325 mil milhões de libras, operação que induziu
uma subida do PIB do Reino Unido em cerca de 50 mil libras e uma queda da taxa
de desemprego para pouco mais de 7%, que na zona Euro é de 11,5%
No Japão, o banco
central, para combater um período de estagnação económica de década e de
descida dos preços, também recorreu a mecanismo semelhante. E já se manifestam
sinais de retorno a um cenário de crescimento na terceira maior economia do
mundo.
Ora, segundo a
revista The
Economist, de há duas semanas, o BCE terá estado bem na resposta
à crise financeira que se seguiu à crise detetada na América, mas, depois, perdeu
o poder de iniciativa, enquanto as autoridades monetárias das outras potências
económicas avançavam com medidas não convencionais para catalisarem a retoma.
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Draghi
não pode ter um programa
como o da Reserva Federal norte-americana, do Banco de Inglaterra ou do Banco
Central do Japão, mas será, de acordo com Pedro Crisóstomo (vd mesmo n.º de Público), um dos últimos passos que pode
dar, caso decida lançar uma política de criação de liquidez quantitativa pela
compra de ativos de dívida pública.
Numa primeira fase, o BCE não
teve dúvidas em avançar com sucessivos cortes das suas taxas de referência e
foi cedendo liquidez ao sistema financeiro, que estava afetado pelos impactos
da crise mundial e, posteriormente, pelos efeitos da crise da dívida na zona
euro. Mas, perante a exigência de medidas que estimulassem a dinamização da
atividade económica, o banco não avançou. Isto
sucedeu porque a autoridade monetária europeia tem um mandato muito centrado na
estabilidade de preços, visando o controlo da inflação, mantendo-a num patamar
baixo, mas muito perto dos 2%, ao passo que a Reserva Federal norte-americana,
o Banco de Inglaterra e a autoridade monetária nipónica dispõem de uma
liberdade de movimentos muito mais alargada, a autonomia própria da autoridade
monetária. Por outro lado, é sabido que a Alemanha sempre obstou a que o BCE
colocasse no terreno – como os seus fizeram os congéneres – um programa de
emissão de notas e de ida ao mercado a comprar títulos do Tesouro na posse dos
investidores, para que estes pudessem reorientar o seu dinheiro para a
economia.
No dizer de Paula Carvalho,
economista-chefe do BCE, as taxas dever-se-ão manter em níveis muito baixos até
finais de 2015 e possivelmente ainda em 2016. Espera-se, ainda, que a redução
da taxa de referência do BCE para 0,05% e a penalização dos depósitos na
instituição, de forma a injetar mais dinheiro na economia, gere mais alguma
correção em baixa nas taxas Euribor, que já se encontram em patamares muito
baixos.
É certo que a Euribor
a três meses se fixou, antes do anúncio das medidas do BCE, em 0,149%, e a
Euribor a seis meses, prazo mais utilizado nos empréstimos para habitação, caiu
para 0,249%, um mínimo absoluto. Porém, apesar de positivo, o impacto direto da
queda das taxas Euribor na prestação da casa é cada vez menor.
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Aurora Teixeira, no
expresso on line, de 5 de setembro,
verifica que “não obstante as sucessivas baixas
na taxa de juro diretora por parte do BCE, a economia da zona euro continua
moribunda, com a inflação em valores historicamente muito baixos (0,3% em
Agosto de 2014, longe dos 2% definidos pelo BCE), um crescimento económico
anémico (o próprio BCE reviu ontem em baixa as previsões de crescimento da
economia na zona euro para 2014 e 2015 passando-as respetivamente para 0,9% e
1,6%) e taxas de desemprego preocupantes”.
E a
professora de Economia dá uma explicação para o facto. Embora as taxas de juro
'oficiais' estejam mais baixas, aumentaram outros custos sobre os créditos,
refletidos em spreads cada
vez mais elevados impostos pelos bancos a empresas e a particulares. Além disso,
as baixas taxas de juro funcionam como um 'imposto' sobre os aforradores e
pensionistas, reduzindo o seu rendimento. Esta 'política contracionista' tem
transferido rendimento dos aforradores para a banca. É como se o governo
anunciasse um 'enorme' aumento de impostos sobre os trabalhadores mais velhos e
pensionistas para 'compensar' / 'ajudar' os que (como o Estado) se endividaram
em demasia (estimulados, paradoxalmente, pelos juros demasiado baixos...).
Assim, não serão de estranhar as nossas baixas e decrescentes taxas de
poupança, a quase estagnação de uma economia que ainda há pouco estava em
recessão.
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Há duas semanas, no encontro de banqueiros
centrais em Jackson Hole (EUA), Mário Draghi defendeu um papel mais ativo das
políticas orçamentais a favor do crescimento, motivando uma declaração de
desconforto por parte do Governo alemão. Apesar de tudo, o Presidente do BCE
afirmou o seu ceticismo sobre a vantagem dos estímulos monetários sem as
necessárias reformas estruturais. E, sem alguma vez referir diretamente a
posição germânica, foi deveras assertivo ao insistir na necessidade de
políticas orçamentais, é certo, mas, acima de tudo, na necessidade de reformas
estruturais. E declarou que “é preciso que cada um faça o seu trabalho”. Lembrando
o programa de investimento prometido por Jean-Claude Juncker (o presidente
eleito da Comissão Europeia), Draghi reconheceu que é difícil conseguir atingir
uma inflação próxima de 2% apenas pela via da política monetária. Pelo que, nas
suas palavras, “seria melhor termos, primeiro, um debate sério sobre as reformas
estruturais e, depois, sobre a flexibilidade”.
Além da baixa das taxas de juro de
referência para um novo mínimo histórico – decisão não antecipada nos mercados
financeiros e que fez acelerar os ganhos das bolsas europeias e recuar o euro –,
o BCE decidiu desenvolver um programa de compra de ativos do setor privado não
financeiro (que inclui ativos imobiliários), para impulsionar o mercado de
crédito, e avançar com a aquisição de títulos de dívida hipotecária “emitidos
pelas instituições financeiras da zona euro”. Trata-se de um programa já anunciado
em junho mas que agora tem data para começar, o mês de outubro, e que é um dos
vértices do pacote de estímulos. O outro vértice passa pela aquisição de obrigações
titularizadas (emitidas pelas instituições financeiras da zona euro).
As decisões vêm num momento em
que o BCE está pouco otimista sobre o andamento da economia europeia. A
previsão de crescimento do PIB da zona euro para o corrente ano baixou de 1,1%
para 0,9% e a projeção para 2015 diminuiu de 1,7% para 1,6%. Também a previsão
para o nível de inflação é agora mais baixa. Confrontado com uma descida dos
preços na zona euro, o BCE está agora a contar que a inflação seja de 0,6% este
ano, quando até agora a projeção era de 0,7%. Porém, em relação a 2014 e 2015,
as estimativas mantêm-se, no pressuposto de que as medidas anunciadas resultem
e haja uma contenção dos riscos. O BCE espera que a inflação esteja em 1,1% em
2015 e em 1,4% no ano seguinte, aproximando-se do objetivo de uma inflação
próxima, mas ainda abaixo, de 2%.
Porém, Draghi advertiu para
algumas incertezas: “A redução da atividade económica pode travar o
investimento privado e o aumento dos riscos geopolíticos pode ter um impacto maior
na confiança empresarial e dos consumidores”. É para conter nova descida da
inflação (em agosto recuou para 0,3%) que o BCE avança com esta nova descida
dos juros. A principal taxa de juro de refinanciamento – dos empréstimos do BCE
aos bancos – é reduzida de 0,15% para 0,05%; a taxa de depósitos, que desde
Junho já estava em terreno negativo, passa de -0,1% para -0,2%.
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Estaremos à beira da recuperação
da economia e seu novo élan? Virão as
famílias a recuperar o seu poder de compra e a sua capacidade de poupança?
Susteremos a avidez da banca, que nos sobrecarrega como spreads elevados, taxas de comissões por tudo e por nada?
Citado pelo Financial Times,
Chris Williamson, economista-chefe da Markit Economics, opina haver ainda
“grandes dúvidas quanto à eficácia de uma nova redução das taxas de juro”, mas
admite que a compra de ativos tenha um impacto mais significativo, embora ainda
“pouco se saiba sobre quantos ativos é que o BCE deverá comprar”.
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