sábado, 13 de setembro de 2014

A guerra é uma LOUCURA!

A afirmação é do Papa Francisco. É uma asserção muito simples e muito crua. Lido devagar, o texto da sua homilia no santuário militar de Redipuglia, em Gorizia, no norte de Itália, faz-nos repetir em bom português que a guerra é a loucura total.
O Pontífice presidiu, a 13 de setembro, a um conjunto de cerimónias, no quadro do centenário da I Grande Guerra (que causou a morte a pelo menos nove milhões de pessoas, entre soldados e civis), no cemitério austro-húngaro de Fogliano di Redipuglia, que foi inaugurado em 1938 para servir de última morada a 100 mil italianos que tombaram no decurso daquele conflito.
A celebração começou com a visita ao cemitério (cujo pórtico tem a inscrição “unidos na vida e na morte”) para um momento de oração em frente ao monumento de homenagem aos mortos na I Guerra Mundial e uma homenagem floral e prosseguiu com a Eucaristia no santuário militar. Depois, o Papa entregou aos Ordinários Militares e aos Bispos presentes uma lâmpada da paz, proveniente do Convento de Assis, com a inscrição atribuída a São Francisco, “Onde houver trevas, que eu leve a luz”, que será acesa nas respetivas dioceses nas celebrações alusivas à I Guerra Mundial. O óleo da lâmpada, oferecido pela Associação Livre de D. Luigi Ciotti, foi extraído das oliveiras confiscadas às máfias da Sicília e da Puglia, no sul da Itália, administradas por cooperativas que aderiram ao Projeto ‘Terra Livre’.
Na homilia que proferiu depois da proclamação do Evangelho, começou o Santo Padre por fazer a composição do lugar, enaltecendo a beleza paisagística de toda aquela zona “onde homens e mulheres trabalham para o sustento da família”, “as crianças brincam e os idosos sonham”. E, por contraste, declara: A guerra é uma loucura. E justifica-se: “Enquanto Deus cuida da sua criação” e nos chama a colaborar na Sua obra criadora e providente, “a guerra destrói”.
A guerra é cruel e nefasta pelos efeitos, mas também pelo desígnio e pelo plano. Quanto aos efeitos, ela destrói sobretudo “o que Deus criou de mais belo – o ser humano” – e “transtorna tudo, mesmo os liames fraternos”. Mas a guerra é a loucura total e deliberada, porque “o seu plano de desenvolvimento é a destruição”. Mais: “quer desenvolver-se mediante a destruição”.
Na origem da guerra estão “a ganância, a intolerância e a ambição do poder”. E como capa destes motivos, que se resumem na paixão ou no impulso distorcido, surge como justificação a ideologia.
E Francisco evoca, neste contexto mortífero, o episódio de Caim, o qual, ao ser confrontado com a pergunta condenatória do Senhor, “Onde está o teu irmão?”, reage com outra pergunta, mas evasiva, “A mim que me importa? Acaso sou eu o guarda de meu irmão?” (cf Gn 4,9). É exatamente esta a resposta em forma de pergunta que os decisores da guerra e seus obreiros fazem quando se sentem interpelados pelos saques, pelas violações e, sobretudo, pelos morticínios de “idosos, crianças, mães e pais” – já que a guerra, sobretudo a guerra contemporânea, “não tem contemplação por ninguém”. E aqueles que, podendo fazer esforços por impedir a guerra ou, ao menos, o seu alastramento e não o fazem, têm à mão a mesma resposta-pergunta de Caim: “A mim que me importa? Acaso sou eu o guarda de meu irmão?”.
Sobre a entrada daquele cemitério – entende o Papa – deveria figurar a interpelação sobre a guerra “Que me importa?”, uma vez que é isto que significa a atitude da humanidade que facilmente esquece a memória e as responsabilidades da guerra: “Todas estas pessoas que aqui repousam, tinham os seus projetos, os seus sonhos…,mas as suas vidas são desprezadas”, precisamente “porque a Humanidade disse: “Que me importa?”.
É a atitude mais contrária à preconizada no Evangelho de São Mateus (cf Mt 25,31-46), como condição de entrada no Paraíso, o Reino preparado para nós desde o princípio do mundo (cf Mt 25,34): “tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos” – o faminto, o sedento, o peregrino, o enfermo, o encarcerado – “a Mim o fizestes” (Mt 25,40). Mas “tudo o que deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a Mim o deixastes de fazer” (Mt 25,45). Por isso, aos malditos os espera o fogo eterno, preparado para o demónio e seus anjos (cf Mt 25,41).
Assim, o Papa lembrou-se da obrigação que delineou para todos, na homilia da inauguração do exercício do seu ministério petrino em 19 de março de 2013:
Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito económico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos «guardiões» da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo! Mas, para «guardar», devemos também cuidar de nós mesmos. Lembremo-nos de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida; então guardar quer dizer vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso coração, porque é dele que saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo de bondade, ou mesmo de ternura.

E integra esta obrigação no complexo de toda a obrigação da igreja e seus membros:
Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir, mas para o qual todos nós estamos chamados, fazendo resplandecer a estrela da esperança: Guardemos com amor aquilo que Deus nos deu!

Agora, o Bispo de Roma recorda o parâmetro evangélico que leva a concluir que “aquele que toma sobre si a guarda do irmão entrará na alegria do Senhor; e quem, ao invés, não o faz e, com as suas omissões, dizQue me importa?”, fica de fora.
Referindo-se às vítimas de todas as guerras, especifica que “aqui e noutros cemitérios estão tantas vítimas, que nós hoje recordamos”, em pranto, em dor e luto. “Também hoje as vítimas são inúmeras” – lamenta. E explica que por detrás de tudo isto estão os interesses, os planos geopolíticos, a avidez do dinheiro e do poder, a indústria das armas, que parece tão importante. E denuncia a inscrição do “Que me importa?” no coração destes “planificadores do terror”, destes “planificadores do desencontro”, destes “empresários das armas”.
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Porém, o Pontífice frisa com solenidade, naquele santuário, o que formulou de modo informal na sua viagem de regresso da Coreia do Sul: “Também hoje, depois do segundo fracasso de uma outra guerra mundial” (verdadeiro cataclismo e hecatombe!), “talvez se possa falar de uma terceira guerra travada por partes, com crimes, massacres, destruições…”. É a guerra do petróleo, feita em nome das religiões e dos direitos! Alvitra mesmo, em nome da honestidade, a ideia de titular as manchetes dos jornais com a interrogação titulante “Que me importa?”, já que a guerra se faz de muitas maneiras e de forma muito cruel, um pouco por tudo quanto é sítio.
Recordem-se os factos, depois de 1945, a título de exemplo: guerra da Coreia (1950-1953); guerra da independência da Argélia (1954-1962); guerra do Vietname (1955-1975);  guerras da independência em Angola (1961, seguindo-se a guerra civil, desde 1975 a 1992), Moçambique (1964-1974, e guerra civil de 1977 a 1992) e Guiné-Bissau (1983-1974, seguida de vários tempos de conflito e desastre não resolvidos ainda); guerra civil da Nigéria, também conhecida como guerra civil nigeriana, guerra Nigéria-Biafra ou ainda guerra do Biafra, que durou de 6 de julho de 1967 a 13 de janeiro de 1970; guerra dos seis dias ou guerra israelo-árabe (meados de 1967), entre Israel e uma frente composta por Egito, Jordânia e Síria, com apoio de Iraque Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão; guerra do Saará ocidental (1973-1991); guerra cambojana-vietnamita ou invasão do Cambodja pelo Vietname (1979-1988 ou 1989), que revelou o conflito sino-soviético; guerra das Malvinas (1982, 2 de abril a 14 de junho); guerra civil na Somália (iniciada em 1991), que envolveu a Etiópia e o leste africano; guerra civil argelina (1991-2002); as guerras do Congo (1.ª, 1996-1997; 2.ª, 1998-2003) considerada, em 2013, como a guerra mais sangrenta do mundo, ao menos em termos proporcionais.
E que dizer da invasão da Hungria e da Checoslováquia pelos tanques soviéticos durante a chamada guerra fria ou da revolução cubana e das ditaduras chilena, argentina, brasileira e grega?
Depois, vieram a guerras que envolveram poderosas forças multinacionais: a guerra Irão-Iraque, a guerra do Kuwait-Iraque, a guerra da Bósnia-Herzegovina, a guerra do Kosovo e a guerra no Afeganistão. Seguiu-se a chamada primavera árabe de efeitos perversos (de um mal surgiu outro mal), a guerra civil na Síria e o recrudescimento do conflito na Terra Santa ou do Médio Oriente. Recentemente, o conflito russo-ucraniano e a investida do Estado Islâmico, para já, no Iraque e no Curdistão. E não podemos esquecer as metodologias do avião-bomba (EUA), do carro-bomba e do homem-bomba (Iraque), o escudo humano (civis e crianças), o terrorismo ferroviário (Madrid e Londres) e a avalanche de refugiados.
Pelos vistos, a terceira guerra mundial registada no diário papal não corresponde ao plano de guerra, com diário detalhado, que o General Sir John Hackett e outros descreviam em agosto de 1985. Tratar-se-ia de uma guerra de não muito longa duração, de neutralidade difícil para algum Estado, mobilizadora de todos os meios e recursos, com o predomínio do nuclear, de consequências incalculáveis, mas que se supõe que os próprios diários de guerra seriam carcomidos pelos materiais da guerra. E o mundo voltaria a um estado de quase primitivismo.
A guerra observada com amargura dramática pelo Papa argentino é de outro cariz: por capítulos e “mina que mina”. Mata, viola, desaloja e destrói! E todos os decisores se enchem de razão. Os laureados com o Nobel da Paz (Obama e Comissão Europeia) fazem uma excelentemente triste figura de pacificadores: bloqueiam e bombardeiam em nome da paz.
“É próprio dos sábios” – clama Francisco – reconhecer os erros, sentir dor, arrepender-se, pedir perdão e chorar”. Porém, Caim, o homicida do irmão, não chorou nem podia chorar porque se lhe embotou o coração e se lhe secaram as lágrimas. A sombra de Caim, nas palavras papais, “cobre-nos hoje neste cemitério”. É a sombra que “se vê aqui” e na História que vem do ano de “1914 até aos nossos dias”. E – verifica dramaticamente o Papa – “vê-se também nos nossos dias”: Com aquele ‘Que me importa?’ que têm no coração, era forçoso que os empreendedores da guerra se contivessem, mas o seu coração empedernido perdeu a capacidade de chorar e de agir em conformidade...

Assim, “com o coração de filho, irmão e pai”, Francisco pede a todos e por todos “a conversão do coração”, passando da indiferença “ao pranto por todos os caídos no desastre inútil, por todas as vítimas da loucura da guerra, em todos os tempos”. E conclui: A Humanidade tem necessidade de chorar. Esta é a hora do pranto!

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