Quando Passos Coelho sugeriu a
emigração, não estava a referir-se aos portugueses em geral; estava a
referir-se aos seus rapazes, ou seja, aos ministros e secretários de estado. Com
efeito, eles estavam a estragar-lhe a governança.
Pensemos. Ele pediu perdão aos
portugueses por ter acolitado Sócrates no PEC 3, que agravava a carga fiscal dos
portugueses. Pedido que foi o perdão, embora sem ter verificado se ele tinha
sido concedido, o então candidato a primeiro-ministro sem primárias (que o Tó
Zó ainda não tinha PS para as lançar e Tó Costa andava entretido na promiscuidade
entre a lapela e a união nacional da Câmara Municipal de Lisboa) prometeu não
aumentar impostos. Porém, Gaspar, o que tinha a incumbência de acertar contas e
desenvolver a economia segundo as ideias do Álvaro Pereira, começou por cortar
subsídios de natal, cortar os outros subsídios a eito e a aumentar brutalmente
os impostos. Perante os insistentes pedidos de Emigre! Emigre!, é que se apercebeu. Escreveu a carta de despedida,
alegando que não tinha perfil, publicou-a até que o FMI lá lhe enviou a carta
de chamada para emigração. Entretanto, entre parêntesis (Foi um pequeno
parêntesis!), surgiu a decisão irrevogável de Portas sair do Governo e
reentrar.
O Relvas apercebeu-se tarde. Mas,
quando se decidiu, foi mesmo, até que Passos Coelho se lembrou de o chamar para
conselheiro nacional. Continua emigrado embora presente.
Já o Álvaro reemigrou e
deixou-nos com os pastéis de nata semipromovidos. Vá lá, que ainda são pastéis,
não são pastelões!
***
Quanto à pieguice, os conselhos de
ministros devem ter sido um rosário de lamentações e contradições por causa da
crise, das pressões internacionais e das culpas do governo anterior: só PEC’s.
Ainda bem que o PEC 4 não foi por diante! Mas resolver a crise era um calvário
hebraico. Discussão daqui, choro dali, desculpa daquele lado, perdão do outro
lado. E Passos Coelho lá gritou uma dezena de vezes do alto da sua excelsa racionalidade:
Não sejam piegas! Com as privatizações
tudo se resolve. Logo que tenhamos a lei-quadro, vão ver. Com os euros que daí
virão e com os cortes nos salários (não nos impostos, a não ser que o TC
bloqueie tudo…), nas pensões e nos suplementos, acertaremos contas.
E, num arroubo de homem do
presente a abjurar o passado de caminhos ínvios, lá perorou: Que se lixem as eleições! Estava a
referir-se às legislativas que o fizeram Chefe do Governo. Essas já tinham
passado. E, como bom conhecedor do íntimo do To Zé, já adivinhava que ele,
sentindo-se acossado, iria a seu tempo provocar primárias a candidato do PS a
primeiro-ministro, e revolucionaria o sistema partidário. E, num gesto épico de
esconjuração, lá vociferou: Que se lixem
as eleições! São as primárias de setembro de 2014 que estão subjacentes àquela
imprecação. Só que Tó Zé pode perder. Depois, regressará a similar promessa de não
subir impostos (melhor, não aumentar a carga fiscal) nem cortar subsídios e
pensões. E as eleições em que Sua Excelência se encontre envolvido são para
levar a sério.
***
Recentemente, dois ministros
tentaram impressionar o país com pedidos de desculpa por erros cometidos sob a
sua responsabilidade: a Ministra da Justiça; e o Ministro Educação.
Nuno Crato salientou o caráter
inédito e histórico da atitude. Pela primeira vez, um ministro pedia desculpa
por erros cometidos no seu Ministério. Foi uma atitude de soberba humildade! Mas
também o foi de alijamento de responsabilidades políticas (ou seja, do ministro),
já que foram erros, não dos diretores de escola, mas dos serviços do Ministério
(serviços técnico-administrativos). Claro, o diretor-geral em causa resolveu bater
com a porta antes que fosse tarde. E o Ministro reiterou o pedido de desculpas
aos professores pelo erro de uma fórmula matemática que prejudicou um largo
número de docentes, prometendo resolver a contento as situações de erro, que
era dado não ocorrer já.
Já Paula Teixeira da Cruz pediu
desculpa, em nome do seu Ministério, pelo transtorno (que não caos) ocorrido ou
cometido. Tal transtorno, assumido como um ligeiro incidente de percurso,
segundo a Ministra da Justiça, não põe em causa a reforma da Justiça e o seu
mapa judiciário. Porém, o seu erro não é tão diminuto como o do Ministro da
Educação (o dele é grave porque o sistema já tem experiência na matéria, o que
torna o erro inadmissível). A reforma da Justiça é uma reforma de fundo, global
e muito volumosa, sem lastro de experiência. O sistema informático tinha de ser
testado. A execução da reforma tinha de ser faseada. O volume de processos era
enorme. E era necessário ter sistemas operativos alternativos, por motivos de
segurança. Se é condenável a ditadura de pessoa ou grupo, também o será a
ditadura da informática mudada a bel-prazer de um Ministro.
A Ministra foi avisada de que a
coisa poderia correr mal. Quando os funcionários judiciais que estavam a tratar
da plataforma Citius se viram
confrontados com a intenção da tutela de externalizar os serviços da plataforma
Citius, o que levou à demissão em bloco
da equipa, mas entregando a chave do sistema operativo e oferecendo-se para
ficar mais um mês para colaborar com as novas equipas – proposta que não foi
aceite e os funcionários regressaram aos seus tribunais.
Em termos práticos, quem estava
contra a reforma sem razão, passou a ficar a estar contra a reforma com razão.
Por fim, quero exprimir o meu
ponto de vista sobre as consequências de erros em departamentos do Estado. Não me
parece razoável a demissão de quem quer que seja perante um problema que surja,
quer se trate de titular de cargo público de cariz político quer se trate de
titular de cargo público de cariz técnico-administrativo. Os problemas têm de
ser resolvidos primeiro; depois, seguem-se as consequências. A demissão deve,
em regra, ocorrer, do lado do Governo, quando o Parlamento rejeita o programa
do Governo, censura o Governo ou não lhe aprova uma moção de confiança. Do lado
de ministros, secretários de estado e diretores-gerais devem demitir-se quando
perderam a confiança do/ou no superior hierárquico respetivo e quando há
motivos de saúde, própria ou de familiares. Motivos profissionais, sociais ou
políticos não deveriam ser considerados senão em fim de mandato ou de comissão
de serviço.
De resto, os problemas têm de ser
resolvidos. Não vale a pena pedir desculpas por erros políticos ou técnico-administrativos
(dos órgãos superiores da administração pública). Isso sabe a pieguice, a
lamechice. Quem não está bem, muda-se.
Por isso, senhoras e senhores detentores
de cargos públicos, não se demitam, não peçam desculpas. Resolvam os problemas.
Se não são capazes, não sejam piegas, emigrem. Façam a vontade ao senhor Primeiro-Ministro.
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