quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Proximidade e esperança - alavancas do apostolado

A cada passo se tecem encómios ao poder local em virtude do serviço de proximidade que os seus titulares prestam às populações. Criticam-se duramente os Governos por encerrarem departamentos do Estado que a nível local exerciam um serviço de proximidade. E, com a reforma judiciária, reduziram-se as comarcas a 23, encerraram-se tribunais anteriormente comarcãos, que passam a secções de competência genérica e/ou específica, e mantêm-se algumas unidades como serviço de proximidade. No dia 16 de setembro, o Papa Francisco recomendava aos sacerdotes o dinamismo da proximidade e o testemunho da esperança.
Se o serviço de proximidade do Estado ou o das autarquias podem eventualmente ludibriar a esperança por motivo de outros interesses, do seu lado, a proximidade de Deus, dos seus bens e seus mensageiros, a proximidade do outro “homem” (santo, necessitado ou acompanhante em termos de Evangelho e de Igreja) e a proximidade da Palavra de Deus (que é viva, eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes… e discerne os sentimentos e intenções do coração – Heb 4,12) permitem-nos aguardar em jubilosa esperança a última vida de Cristo Salvador (vd embolismo da celebração eucarística). E a Carta aos Hebreus diz-nos que a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se veem (cf Heb 11,1).
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Como se pode verificar, a proximidade (visível ou na fé fiduciante) é um valor inestimável, mas nem sempre devidamente apreciado. A própria História da Salvação testemunha o valor da proximidade. Segundo a Bíblia, enquanto Adão e Eva quiseram estar próximos de Deus, tudo corria bem, era a felicidade. Quando, pelo pecado, cavaram o afastamento, vieram as dores, o peso do trabalho e a morte. No momento em que, mais tarde, os homens se dispersaram, surgiu a contenda, a guerra, o caos no mundo. O povo de Israel sofreu mais, sempre que estava longe da Pátria (no Egito, no deserto ou na Babilónia).
Por contraste, a visita de Deus, por Si ou por mensageiro seu, ou seja, a aproximação de Deus, era sinal e momento de bênção, prenúncio ou realização de bem-aventurança. Assim, Deus, através daqueles três homens, apareceu a Abraão junto ao carvalho de Mambré (vd Gn18,1ss; 19,1ss) e a hospitalidade abraâmica correspondeu ao anúncio de uma enorme descendência para Abraão e o castigo severo para Sodoma e Gomorra. Assim, aconteceu quando Moisés se aproximou da sarça ardente no Horeb e ouviu a voz do Senhor que se definiu como “Eu sou Aquele que Sou” (vd Ex3,1ss) e o encarregou de libertar o povo hebreu da opressão de Faraó; ou quando Deus lhe quis entregar o decálogo no Sinai (vd Ex 19 e 20). Aliás, a presença de proximidade de Deus acompanhava Moisés a quem assiduamente dava indicações. O mesmo acontecia quando o Senhor falava com os profetas.
E o Novo Testamento abre com o anúncio do nascimento de João Batista a Zacarias, o pai, através do Anjo Gabriel (cf Lc 1,5-23) e do anúncio do nascimento do Messias a Maria de Nazaré, a mãe, através do mesmo anjo (cf Lc 1,26-38). E Zacarias, no momento do nascimento do Batista, o precursor do Messias, irrompe no cântico do Benedictus a enaltecer a visita de Deus ao Seu povo (cf Lc 1,67-79). Por sua vez, Maria visitou Isabel (a aproximação entre duas mulheres pré-mamãs, portadoras do desígnio messiânico) e entoou o cântico da misericórdia divina, Olhou para a humildade da Sua serva… exaltou os humildes… encheu de bens os famintos (cf Lc 1,39-56). E, depois que nasceu Jesus, os pastores, seguindo as indicações dos anjos, aproximaram-se e encontraram Maria, José e o Menino (cf Lc 2,16). Um anjo tranquilizou José sobre o que se passou com Maria, sua esposa, e definiu a missão de José; avisou-o para que levasse Maria e o Menino para o Egito, que saísse do Egito e que fosse para Nazaré (vd Mt 1,20-24; 2,13-15.19-23).
A proximidade de Deus é, segundo o Evangelho de Marcos, proclamada abertamente por Jesus logo no início da Sua pregação: O Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho (Mc 1,15).
As multidões aproximavam-se de Jesus para O ouvirem (vd Mt 4,25); os discípulos acercavam-se de Jesus para O escutarem de perto (vd Mt 5,1) ou para Ele lhes explicar as parábolas (Mt 13,10.18); Jesus tomou consigo Pedro Tiago e João e, à vista deles, transfigurou-se (vd Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc9,28-36) e sofreu agonia no Horto das oliveiras (vd Mt 26,37). No momento da agonia um anjo O confortou (Lc 22,43). Apresentaram-Lhe umas crianças e, ao contrário dos discípulos que as queriam impedir, o Mestre replica, sentenciando: “Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, pois o Reino dos céus pertence aos que se tornam semelhantes a elas” (Mt 19,13-14). E chamou um menino para, colocando-o nomeio dos discípulos, fazer a pedagogia dos lugares no Reino dos Céus: “Em verdade vos digo: se não voltardes a ser como criancinhas, não podereis entrar no Reino dos Céus; quem, pois, se fizer humilde como esta criança será o maior no Reino dos Céus. Quem recebe uma criança com esta, em meu nome, é a Mim que recebe.” (Mt 18, 1-5).
Também algumas mulheres O seguiam (vd Lc 8,1-3; 23,27; Jo 11,20; 12,2-3), incluindo a Cananeia com a fé inquebrantável (vd Mt 15,21ss).
Maria, a Mãe de Jesus, está próxima do Filho quando em Caná da Galileia Lhe segreda que Não têm vinho e fica junto dos serventes, ao recomendar-lhes Fazei o que Ele vos disser (Jo 2,3.5).
Mas o momento alto da proximidade acontece no Calvário. Maria junto à Cruz, na companhia de algumas mulheres e João, o discípulo amado, recebem o testemunho testamentário da entrega de Jesus materno-filial: Eis a tua Mãe…. Eis o teu filho. E o discípulo, desde aquela hora, acolheu-A em sua casa (vd Jo 19,25-27). E o centurião romano, também próximo, ao ver os sinais da morte de Cristo, exclamou: Verdadeiramente, este homem era justo! (vd Lc 23,48).
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E Jesus, ao dar aos apóstolos o mandato da dispersão (Ide por todo o mundo), aproximou-se deles, fê-lo para que fizessem discípulos de todos os povos (de modo que todos, a seu tempo, se pudessem aproximar de Jesus) e garantiu-lhes a sua proximidade e presença sempre até ao fim dos tempos (vd Mt 28,16-20); e o Senhor cooperava com eles (vd Mc 16,20).
Para que a obra dos discípulos fosse eficaz, abundante e de testemunho “destas coisas”, prometeu-lhes a presença / assistência do Espírito Santo e mandou que estivessem próximos na cidade até ficarem revestidos com a força do Alto (cf Lc 24,48-49). Eles permaneciam no Tempo e bendiziam a Deus (cf Lc 24,53) e, em tempo oportuno, reuniram-se no Cenáculo com Maria, recompuseram o colégio apostólico e aguardaram a descida do Espírito Santo (cf At 1,12 – 2,1-36), que passou a partilhar com eles as decisões (cf At 7,55; 8,17-18.29; 9,31; 13,4; 15,28). Em sintonia como o Espírito Santo, a oração e o ensino dos apóstolos, eles viviam em proximidade comunitária, aumentando cada vez mais o número dos crentes (cf At 2,42-47; 4,32-37).
E era a dinâmica da proximidade – alimentada no centro da fé no Espírito, na oração ardente da Igreja e na necessidade de anunciar a Boa Nova a todos – que levava a uma diáspora metódica e sustentável, para que todos se tornassem próximos. Era esta proximidade, donde partiam, que os acompanhava e a que tendiam trazer muitos mais, que os incitava a confessar Cristo como Senhor, mesmo ante ameaças e perseguições, estando sempre dispostos a dar a razão da sua esperança a todo aquele que a peça (cf 1Pe 3,15) – a esperança viva fundada na ressurreição de Cristo, que é garantia daquela herança incorrutível, imaculada e indefetível, reservada nos céus para aqueles que Deus guarda pela fé (cf 1Pe 1,3-5).
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Feito este excursus, talvez se perceba e interiorize melhor a reflexão papal de 16 de setembro sobre a proximidade que se exige aos pastores, na sua função específica, e aos leigos, que fazem o seu apostolado explícito ou o que desenvolvem discretamente no meio do trabalho e atividade social ou política. Podem fazer-se belas pregações – diz o Papa Francisco, recordando o martírio do Papa Cornélio e do bispo Cipriano de Cartago –, mas se não se está próximo das pessoas, se não se sofre com elas e se não se lhes dá esperança, as pregações não servem.
Francisco começa por recordar o episódio da ressurreição do filho da viúva de Naim. O Evangelho refere que Jesus se aproxima dum cortejo fúnebre: a viúva de Naim perdera o seu único filho. O Senhor realiza o milagre de o trazer à vida, mas faz muito mais: Ele está próximo. “Deus visitou o seu povo”, diziam. Quando Deus visita “há algo mais, há algo de novo” – a sua presença está especialmente ali. Jesus está próximo. E o Papa enfatiza:
“Estava próximo do povo. Deus está próximo e é capaz de entender o coração das pessoas, o coração do seu povo. Então o Senhor vê aquele cortejo, e aproxima-se. Deus visita o seu povo, em meio do seu povo, e aproxima-se. Proximidade: é o modo de Deus. Depois, há uma expressão que se repete muito na Bíblia: ‘O Senhor, movido de grande compaixão’. A mesma compaixão que, diz o Evangelho, teve quando viu tantas pessoas como ovelhas sem pastor. Quando Deus visita o seu povo, Ele está próximo, Ele aproxima-se e sente compaixão: comove-se.

Depois, evoca o episódio da ressurreição de Lázaro e o regresso do filho pródigo. “O Senhor ficou profundamente comovido, como tinha ficado diante do túmulo de Lázaro” e como ficou comovido o pai, “quando viu voltar para casa o filho pródigo”. E explana:
Proximidade e compaixão: assim o Senhor visita o seu povo. E quando queremos anunciar o Evangelho, o caminho é este. O outro caminho é o dos mestres, dos pregadores do templo: os doutores da Lei, os escribas, os fariseus... Falavam bem. Ensinavam a Lei, mas afastados do povo – o que não era um olhar do Senhor. O povo não sentia isso como uma graça, porque faltava a proximidade, a compaixão, o sofrer com o povo.

Voltando ao caso de Naim, o Papa sublinhou: “Há outra palavra, que é própria de quando o Senhor visita o seu povo: ‘O morto sentou-se e começou a falar, e Jesus restituiu-o à mãe’”:
“Quando Deus visita o seu povo, restitui ao povo a esperança. Sempre. Pode-se pregar a Palavra de Deus brilhantemente: encontramos grandes pregadores na história. Mas se estes pregadores não conseguem semear a esperança, essa pregação não serve. É vaidade!”.

Olhando Jesus que restituiu à mãe o filho vivo, “podemos entender o que significa uma visita de Deus a seu povo e pedir a graça de que nosso testemunho de cristãos seja testemunho portador da visita de Deus ao seu povo, da proximidade que semeia a esperança.”
E no dia 14, o Papa, ao oficiar na celebração do matrimónio de vinte casais, salienta a proximidade do casal, da família – testemunho da proximidade de Deus, fautora da proximidade eclesial:
O amor de Cristo pode restituir aos esposos a alegria de caminharem juntos. Pois o matrimónio é isto mesmo: o caminho conjunto de um homem e de uma mulher, no qual o homem tem o dever de ajudar a esposa a ser mais mulher, e a mulher tem o dever de ajudar o marido a ser mais homem. 

E a linha da caminhada do povo de Deus leva Francisco à colocação da família no epicentro da proximidade:
 O caminho do povo no deserto lembra o Povo de Deus, que é composto, na sua maioria, por famílias. Isto faz pensar nas famílias em caminho pelas estradas da vida, na história de cada dia... É incalculável a força, a carga de humanidade presente na família: a ajuda mútua, o acompanhamento educativo, as relações que crescem com o crescimento das pessoas, a partilha das alegrias e das dificuldades...

As famílias – diz o Papa – constituem o primeiro lugar onde nos formamos como pessoas e são os «tijolos» para a construção da sociedade.

Aguardemos o sínodo episcopal de outubro sobre a família e as suas mensagem de proximidade, de compaixão e de esperança.

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