Celebra-se,
a 8 de setembro a festa da Natividade ou Nascimento da Virgem Maria, Maria de
Nazaré, a Mãe de Jesus, a Mãe de todos os homens. Era uma festa celebrada no Oriente muito antes de ser
instituída no Ocidente. Crê-se que tenha a sua origem em Jerusalém, em meados
do século V.
Foi em Jerusalém que se manteve viva a tradição de que
a Virgem teria nascido junto à Porta da Piscina Probática. Nesta festividade, o
mundo católico admira a Senhora como sendo Ela a aurora que anuncia o Sol de Justiça,
que dissipa as trevas do pecado, que pareciam indeléveis. Nela, a Igreja
convida a “contemplarmos uma menina como todas as outras e que, ao mesmo
tempo, é única, pois, Ela é a “cheia de graça” (Lc 1,28), a “bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,42), a Imaculada “filha de Sião”, destinada a tornar-se
a “Mãe do Messias”. (cf João Paulo II, Audiência de 8/9/2004).
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Contra
a obrigação geral dos historiadores, que nos devem referir o lugar e o tempo do
nascimento e a genealogia das grandes personalidades, o certo é que a Sagrada
Escritura não faz referência alguma ao facto e às circunstâncias do nascimento
de Maria, a personalidade mais importante para os crentes, logo a seguir a
Jesus Cristo. Porém, não deve esperar-se da Bíblia que seja nem um livro de História
no sentido moderno do conceito e do termo, nem mesmo um qualquer repositório de
assento de factos do ciclo vital – nascimento, núpcias, profissão e morte. Será,
assim, necessariamente a Tradição, que aliada à Bíblia – que por si já
constitui em certa medida uma leitura da tradição da História da Salvação ao
longo do tempo e nos lugares por onde o Povo de Deus peregrinou até à diáspora
apostólica – servirá de fonte de inspiração doutrinal, dedo indicador de alguns
factos e apoio para a fé, a construir o perfil do homem de Deus e a possibilitar
a celebração festiva na comunidade. A tese do sola scriptura já não é
perfilhada nem pelos seus clássicos defensores.
E
os evangelhos dizem o fundamental: que de Maria nasceu Jesus. E é quanto basta
para que o mundo dos crentes tenha a legitimidade e a obrigação de festejar o nascimento
da Mãe do Salvador, o qual, dispôs que Ela se tornasse a mãe de todos os
discípulos (cf Jo 19,25-27),
de todos os que sofrem as agruras do mundo em que o Tentador semeou a cizânia,
que se desenvolve ao lado do trigo bom.
Mas
os crentes, no seio da Madre Igreja, não se podem limitar ao festejo dançarino,
cantorial e jubiloso. Devem, em primeiro lugar, atinar na pessoa de Maria, nas
suas prerrogativas (que não Lhe servem somente de adorno), na sua disponibilidade
para o Mistério e para a Missão e na relação que tem com o mundo de todos os filhos
de Eva.
É
que a natividade de Maria, a cheia de graça, traz ao mundo o anúncio
jubiloso de uma boa nova: a Mãe do Salvador, a aurora da
Redenção já está entre nós. É o alvorecer prenunciativo de nossa salvação, o
início histórico da obra
da Redenção.
***
São Pedro Damião em seu “Segundo Sermão sobre a
Natividade de Nossa Senhora”, lança uma pertinente questão, de plena atualidade,
quando se trata de comemorar esta festa mariana: “Como celebraremos o nascimento de Maria?” O
acontecimento é grande demais. E o santo justificou a sua perplexidade nos
seguintes termos:
“Por ocasião do nascimento de Maria, as
trevas desaparecem, o céu recobre-se de cores festivas, toda a natureza se
enche de júbilo: Jesus ainda não aparece, mas os seus primeiros
raios resplandecem em Maria, como numa aurora de graça e amor”. (cf
http://www.arautos.org/especial/19039/A-Natividade-de-Maria.html,
ac setembro2014).
Portanto, é justo cantar este dia e Aquela que nele
nasceu. Mas com uma diferença: enquanto podemos narrar as façanhas heroicas de
um mártir ou as virtudes de um santo apóstolo, confessor ou doutor, porque são
humanas, temos alguma dificuldade em exaltar, com a palavra mortal, passageira
e transitória, Aquela que deu à luz o Verbo de Deus, a Palavra que fica
permanentemente a atuar entre nós. Mais: como explicar que o Criador nasce da
criatura? É a pergunta para a qual não surge resposta cabal em termos meramente
humanos, mas a resposta da fé em consonância com a liberalidade divina.
Com o nascimento de Maria, ganham plena realização todas
aquelas grandes e diversificadas figuras veterotestamentárias femininas em quem
os Padres da Igreja viram algumas vertentes da personalidade e missão de Maria.
Em certo sentido, a celebração da Natividade de Maria acaba por ser a festa da
dimensão de Deus no feminino, como insinuou João Paulo I, o Papa do Sorriso, e
que Frei Leonardo Boff glosou no seu livro O
Rosto Materno de Deus (Petrópolis: Vozes, Lda – 1979).
Segundo os jesuítas José Leite e António Coelho (cf Santos de Cada Dia – setembro. Matosinhos:
Quid Novi, 2006), com o nascimento de Maria, nasce, em primeiro lugar, Eva para
esmagar a cabeça da antiga e enganadora Serpente que instilara o veneno
infernal na sua descendência (cf Gn 3,1-24). Mas a seguir, vem o desfile das
outras figuras de Maria:
– Sara, para ser a mãe livre e universal da Fé e de todos
os que esperaram na escuridão dos séculos o advento do Redentor e, depois, o
receberam na claridade da Luz;
– Rebeca, para arrebatar a bênção para os filhos
mansos e humildes de coração, injustiçados pelo destino e pelas disposições
meramente humanas;
– Raquel, para ser a mais bela, dotada, servida, amada
e fecunda;
– Ester, para ser a Senhora do Mundo, a mais
respeitada e adornada pelo supremo monarca;
– Débora, para ser a famosa guerreira a quem seguirão
as estrelas do céu como soldados de alta cavalaria em ordenados grupos e esquadrões;
– Judite, para ser a libertadora da Betúlia sitiada
pelas hostes inimigas humanamente, sem fim de cerco à vista;
– Abigail, para ser a “conselheira” prudente e
piedosa, já não de “David descortesmente ofendido”, mas de Deus justamente saturado
do pecado do homem;
– Rute, não somente para ser a coletora de espigas
abandonadas, mas para regar com o orvalho celeste e criar as espigas do trigo
com que se há de alimentar o mundo.
Mas a natividade da Virgem Maria já não é a da irmã de
Moisés, o libertador de Israel através do Mar Vermelho e do Monte Sinai, mas o nascimento
da nova Arca da Aliança, a nova Escada de Jacob (Por Maria a Jesus), Aquela que acreditou em tudo quanto lhe foi
dito da parte do Senhor, a Filha Predileta do Pai, a Mãe do Autor da Vida, a
Esposa do Espírito Santo, o Auxílio dos Cristãos, a Causa da Nossa Alegria.
De acordo com o calendário
bizantino, a celebração
do 8 de setembro é para nós o começo de todas as festas. E São Pedro Damião afirma em sua homilia para esta festividade:
“Deus omnipotente, antes que o homem caísse, previu a
sua queda e decidiu, antes dos séculos, a redenção humana. Decidiu Ele
encarnar-se em Maria”. Assim, “Hoje é o dia em que Deus começa a pôr em prática
o seu plano eterno, pois era necessário que se construísse a casa, antes que o
Rei descesse para a habitar – casa linda, porque, se a Sabedoria constrói uma
casa com sete colunas trabalhadas, este palácio de Maria está alicerçado nos
sete dons do Espírito Santo. Salomão celebrou de modo soleníssimo a inauguração
de um templo de pedra. Como celebraremos o nascimento de Maria, templo do Verbo
encarnado? Naquele dia a glória de Deus desceu sobre o templo de Jerusalém sob
forma de nuvem, que o obscureceu. O Senhor que faz brilhar o sol nos céus, para
a sua morada entre nós escolheu a obscuridade (1Rs 8,10-12), disse Salomão na
sua oração a Deus. Este mesmo templo estará repleto pelo próprio Deus, que vem
para ser a luz dos povos.” (cf
http://www.arautos.org/especial/19039/A-Natividade-de-Maria.html,
ac setembro2014).
Com Ela vale a pena trazer sempre o canto da misericórdia
no coração, o nome de Deus nos lábios e a Bíblia e o rosário nas mãos. A Senhora
do Sim está sempre disposta a mostrar Jesus ao mundo e a palmilhar os caminhos
dos homens sempre que tal se lhe afigure necessário. E é assim que pouco
importa (até servirá de perceção do cariz incarnado da doutrina) o facto de, a
propósito da natividade de Maria, o povo cristão a honrar com este ou aquele
título, aparentemente não condicente com a efemeridade do nascimento. O nascimento
não esgota a alegria cristã. É o começo, para continuar, de toda a nova era,
bem recheada dos benefícios de Deus em favor dos seus filhos.
Nasce para servir e é aclamada como bem-aventurada por
todas as gerações. Nasce para servir e é reverenciada e amada como Rainha por
todos os servidores do Reino de paz e de justiça – Reino de vida e de graça,
Reino de reconciliação e de amor, Reino que não sofre violência, Reino que não
é deste mundo, mas que já começou.
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