Tem a Comunicação Social dado
algum relevo à atitude do ilustre vereador da Cultura do Município de Lisboa,
Dr José Sá Fernandes, de se recusar publicamente a preservar o jardim da Praça
do Império situada em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, pelo facto de ela
asilar os brasões que alegadamente são vestígios, ora envergonhados, do
colonialismo português.
A ser verdade e em nome da
coerência, o edil teria de promover a demolição (ou, ao menos, permitir a
degradação) de outros testemunhos monumentais, como o Mosteiro que emoldura a
praça, a Torre de Belém e o monumento aos descobridores – tudo a documentar
monumentalmente a gesta expansionista dos portugueses, obviamente
extraeuropeia, colonizadora, missionária, antiesmaelita e dominadora. Deveria
outrossim, embora no respeito das autonomias dos outros municípios, solicitar
aos vereadores de pelouro homólogo, em todo o país, o empenhamento na mesma
cruzada, obnubilando também a malfazeja memória dos “heróis do mar”, como Gil
Eanes, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão
Mendes Pinto (herói pícaro), etc., incluindo os recém-reconhecidos como
portugueses de origem Fernão de Magalhães e Salvador Fernandes (o Cristóvão
Colombo). Deveria até rogar umas veementes pragas a D. Dinis, “o plantador de
naus a haver”, o que “ouve um silêncio múrmuro consigo”, o do “rumor dos
pinhais que, como um trigo de império, ondulam sem se poder ver” (Fernando
Pessoa, Mensagem, Dom Dinis). E
porque não anatematizar o Infante D. Henrique, o arquiteto dos Descobrimentos,
mas que andou a profanar a cruz de Cristo naquelas velas das caravelas, a
esfarraparem-se com os ventos, a encherem-se do sal do imenso monstro marinho e
serem salivadas pelo gado de Proteu?
Mais: atrevo-me a sugerir-lhe um
périplo por todas a ex-colónias a apagar todos os vestígios monumentais e do
património linguístico e étnico que sabem a português; e mesmo por outros
lugares, já não ex-colónias, mas sítios por onde os portugueses “ficaram em
pedaços repartidos” (China, Japão, Arábia…). Poderia mesmo desembainhar a sua
espada autárquica contra a CPLP e talvez obtivesse o afastamento do panorama de
interesses portugueses a Guiné-Equatorial e o padrinho de um determinado banco.
Estas, sim, seriam medidas que
espelhariam o anticolonialismo, embora se duvide da sua eficácia!
Será que o autarca acha mais
plausível terem sido entregues colónias como dote de casamento de princesas
portuguesas com monarcas estrangeiros, como aconteceu com o casamento de D.
Catarina de Bragança, que arrastou consigo a
cidade e a fortaleza de Tânger com
tudo quanto lhe pertencesse e a ilha de Bombaim na
Índia Oriental, com todas as suas pertenças e senhorios, para ficarem daquele porto mais prontas as armadas inglesas para
socorro (?!) das praças de Portugal na Índia? Foi este (além de dois milhões de
cruzados) o preço do casamento da filha de D. João IV com Carlos II, de Inglaterra,
tornando-se, por essa via, rainha consorte de Inglaterra, que lá introduziu o
hábito da toma de chá às cinco da tarde… Uma boa medida anticolonialista ou uma
rescisão amigável!
***
Não me custa a reconhecer o
exorcismo do colonialismo português inerente ao combate ao Estado Novo e a
condenar os excessos concomitantes à colonização, bem como entendo e defendo o
direito dos povos à autodeterminação e à independência como consequência
daquela (era uma questão de maturação), como me ensinava o padre professor de
Economia Social e Política no Seminário de Lamego, no ano letivo de 1968-69.
Também aceito os exageros da ostracização do período histórico por parte de
alguns em determinados momentos pós-revolucionários. Porém, agora que já lá vão
quarenta anos sobre a descolonização (inevitável e com todo o direito, embora
com erros de abandono e de não assunção de promessas e compromissos), é justo
exigir-se o cuidado da memória do nosso país e dos países que resultaram da
ocupação portuguesa, ainda que com sombras e luzes, e do seu reconhecimento
como Estados independentes a engrossar o concerto das nações, quais filhos das
suas tradições e enteados da velha metrópole.
E temos de fomentar o desmame de
algumas bandeiras republicanas da ótica do estado Novo, que delas se apropriou
ora com alguma razão ora indevidamente. Assim, “A Portuguesa” dos “Heróis do
Mar”, que foi obrada por Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça em reação ao
ultimatum britânico (“contra os
bretões, marchar, marchar!”), não foi adotada como hino nacional pelo regime de
Carmona e Salazar, mas pela I República (“contra os canhões, marchar, marchar!”
– já não contra os bretões). A bandeira das quinas, verde e rubra, é obra da I
República, não da Ditadura Militar, da Ditadura Nacional nem do Estado Novo.
Quanto às colónias, é verdade
que, na reta final da monarquia constitucional, se pôs a hipótese da venda de
algumas das colónias para pagamento da dívida externa e impulso ao
desenvolvimento do país. Nestes termos, José Bento Ferreira de Almeida, antigo ministro da Marinha e Ultramar, defendeu na
Câmara dos Deputados, em 12 de fevereiro de 1900, a venda das colónias (à
exceção de Angola e de S. Tomé e Príncipe), como forma de pagar a dívida
externa e fomentar o desenvolvimento do país. Aliás, a questão dos sempre crescentes
défices financeiros da monarquia constitucional estivera na origem do acordo
celebrado, em 1898, entre a Inglaterra e a Alemanha que previa a partilha de
Angola, Moçambique e Timor, em caso de dificuldades que obrigassem a avultados
empréstimos externos contraídos por Portugal. No ano seguinte, em função dos
acontecimentos relacionados com a Guerra dos Boéres, a Inglaterra e Portugal
renovaram os tratados de Windsor, mantendo o status quo. Nesse ano, Ferreira de Almeida foi nomeado Par do Reino
por D. Carlos, enquanto António Enes, o vencedor das campanhas em Moçambique,
ficou de fora.
Foram os
governos da I República – com erros, é certo – que acalentaram a mística da
defesa e desenvolvimento das colónias. E Renato Epifânio, colunista do
semanário O Diabo, na pg 23 do número
de 2 de setembro, fustiga os que identificam simplisticamente a defesa das
colónias com o Estado Novo, lembrando que “a defesa das ditas ‘colónias’ foi o
móbil maior da nossa participação nessa Guerra” (a I Grande Guerra). E
classifica mesmo essa defesa como “algo que, na altura, sem que haja qualquer
exemplo comparável, não apenas fez (quase) o pleno entre republicanos, como
ainda entre republicanos e monárquicos”, afora – digo eu – aquela tentativa,
sem êxito, de venda das colónias em 1900 ou a partilha das mesmas entre as
poderosas Inglaterra e Alemanha.
De facto, não é
legítimo olvidar o esforço, embora insuficiente, da I República (como aliás o
da Monarquia Constitucional) no desenvolvimento dos territórios africanos. Quem
esquece a ação de Mouzinho de Albuquerque, em 1895, ou as medidas preconizadas
por Norton de Matos (Angola) e por Álvaro de Castro (Moçambique), bem como as ações
militares de Alves Roçadas e Pereira de Eça, em Angola, e as de Massano de
Amorim, Moura Mendes, Ferreira Gil e do próprio Álvaro de Castro em Moçambique?
Tanto quanto sei, Salazar dificultou ao máximo, até determinado momento, a
migração de cidadãos do continente para as colónias, chegando a exigir-se o
sistema de carta de chamada de quem já lá estivesse, tal como para a emigração
para o Brasil. Somente a quando da eclosão a luta armada pelos movimentos de
libertação é que veio a palavra de ordem oportuna e inoportuna Para Angola, rapidamente e em força!”. (cf [em linha] http://cc3413.wordpress.com/2011/10/16/para-angola-rapidamente-e-em-forca/,
ac setembro de 20014).
Também será de considerar que, se
Portugal mandou o Corpo Expedicionário Português para a Flandres, para a Guerra
de 1914-1918 – a coberto da aliança com a Inglaterra, em torno do que fez um
enorme esforço humano, financeiro e económico e onde perdeu milhares de
militares e teve de amparar outros milhares de estropeados e esgazeados – fez
esforço maior para as colónias e com resultados similares.
Por isso, a Sá Fernandes e a
outros que encostam inevitável e exclusivamente ao Estado Novo as bandeiras da
República, se recomenda a leitura, por exemplo, dos insuspeitos livros: História de Portugal, de Jean-François
Labourdette (Edições Dom Quixote: 2003); História da I República (1.ª e 2.ª
parte), vol. XI e XII de História de
Portugal, de Joaquim Veríssimo Serrão (Editorial Verbo: 1989 e 1990,
respetivamente); e História da Primeira
República Portuguesa, coordenada pelos também insuspeitos historiadores
Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo e com a colaboração de mais de uma dezena
de renomados ensaístas (Edições Tinta da China: 2010). Não sigo, pois, o
exemplo do mencionado Renato Epifânio no seu Manifesto Antizé (Fernandes) nem contra ninguém. Todavia, não
quereria que qualquer atitude política redundasse em apagamento da História, o
qual poderia dar azo ao descarrilamento do futuro, por denegação identitária e
auto-obstrução da consciência coletiva.
Sem comentários:
Enviar um comentário