sexta-feira, 31 de março de 2023

O significado do batismo para os cristãos

 

Ocorreu, a 31 de março, mais um aniversário do meu batismo. E, como entendo dever contrariar uma certa onda de deserção da Igreja católica, manchada pelos desmandos dos abusos sexuais, por parte de alguns dos seus responsáveis, deixo aqui o testemunho do meu apreço pela Igreja de que faço parte e que, em tempos, servi em funções de liderança pastoral, conforme soube e pude.

É óbvio que o crime é intolerável, o seu encobrimento merece crítica, as vítimas merecem apoio a todos os níveis, nomeadamente a audição, o acompanhamento e, mesmo, a indemnização, quando solicitada e ponderadas as circunstâncias, sobretudo se os agressores tiverem falecido ou sofrerem de doença incapacitante e estiverem em situação de penúria (casos em que se pode impor a obrigação supletiva e subsidiária da autoridade e dos recursos da Igreja).

Contudo, a Igreja, constituída por pecadores e para pecadores, tem a sua força e a sua referência em Jesus Cristo, que funciona como cabeça deste corpo místico e é guiada pelo Espirito Santo, que, não raro, deixa de ter a obediência que se Lhe deve. E, embora tenha de se envergonhar pelos erros em cujo seio se cometem, sobretudo por causa da arrogante autorreferência e do frequente abuso de poder, ela deve continuar a testemunhar a fé no Ressuscitado, para o que deve alimentar-se do templo da Palavra e da Eucaristia, respirar o ar dos campos e das ruas e apresentar-se, apesar de tudo, ao Mundo como sinal e instrumento de salvação, não em si, mas em Cristo.

Ora, começa a fazer-se parte da Igreja através do batismo cristão.

O termo “batismo” é a transliteração dos gregos báptisma e baptismós (em Latim, baptismus e baptisma), derivados do verbo baptízô, traduzivel por “batizar”, “imergir”, “banhar”, “lavar”, “derramar”, “cobrir”, “tingir” ou “purificar”.

Falo do batismo cristão, pois também as abluções do Antigo Testamento foram traduzidas por “batismos” no Grego koinê do Novo Testamento. Pela discussão entre os discípulos de João e os de Jesus (Jo 3,25-26) vê-se que as purificações katharismoí são usadas como sinónimos de batismo. E baptismós é a palavra usada em Lucas 2,22, quando Maria apresenta Jesus no Templo, referindo-se ao tempo de purificação das mulheres que tinham filho, como está na lei mosaica.

Também em Marcos 7,4, onde o termo não representa o batismo cristão, o verbo é traduzido, em diferentes versões da Bíblia, por lavar, ou, literalmente, batizar. E os textos de Marcos 10,38 e de Lucas 24,49 enfatizam o batismo como rito de passagem.

O próprio batismo de penitência e purificação que, à semelhança de outros profetas, João Batista ministrava às multidões e a que Jesus se sujeitou com uma das multidões, só prefigura o batismo cristão na dimensão da penitência e de purificação, que este comporta, e pela revelação que, excecionalmente, ocasiona da identificação de Jesus como o Filho, o amado de Deus Pai, e como o Ungido (Cristo) do Espírito Santo. Dele nos tornamos irmãos ou filhos no Filho.

Porém, a pregação e o batismo a todas as pessoas é um imperativo apostólico sempre e em toda a parte (cf Mt 28,20).  

Segundo algumas confissões cristãs, como a católica, a ortodoxa, a luterana e a reformada, o batismo é um sacramento de ingresso na comunidade e o fundamento da comunhão entre todos os cristãos. Assim, proporciona ao catecúmeno a graça de Deus. E, para a Igreja católica, o batismo não só é um sacramento de inclusão na Igreja, Corpo Místico de Cristo, Povo de Deus, Vinha do Senhor, Grei de Cristo, Esposa de Cristo, como é necessário para a salvação, fazendo-nos filhos especialmente amados de Deus e herdeiros de todos os seus bens.

Na Igreja católica, o batismo é ministrado às crianças e a convertidos adultos que não tenham sido antes batizados validamente. O batismo da maior parte das igrejas cristãs é considerado válido pela Igreja católica, pois o efeito chega diretamente de Deus, independentemente da fé pessoal, embora não da intenção do ministrante. Como os demais sacramentos, confere e significa a graça de Deus ex opere operato, não ex opere eius ministri, isto é, independentemente da santidade do seu ministro. Por isso, em caso de extrema necessidade, qualquer pessoa pode batizar, desde que o faça com a intenção de fazer o que faz a Igreja, derrame água sobre a cabeça da pessoa e pronuncie as palavras essenciais da forma do sacramento.

O rito essencial deste sacramento consiste em imergir na água o candidato ou em derramar a água sobre a sua cabeça ou aspergi-lo com água natural, chamando-o pelo seu nome e dizendo: “Eu o te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”

O batismo liberta do pecado original e perdoa todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado. Por isso, o recém-batizado adulto comunga, sem necessidade do sacramento da Reconciliação. Possibilita aos batizados a participação na vida trinitária de Deus, mediante a graça santificante e a incorporação em Cristo e na Igreja.

Os apóstolos impunham as mãos e batizavam e conferiam as virtudes e dons do Espírito Santo. Uma vez batizado, o cristão é um filho de Deus e um membro da Igreja e também pertence, para sempre a Cristo, se perseverar até ao fim em integridade de vida.

A Igreja católica e as tradições luteranas, anglicanas, reformadas e metodistas insistem no batismo das crianças porque, tendo nascido com o pecado original, têm necessidade de ser libertadas do poder do Maligno e de ser transferidas para o reino da liberdade dos filhos de Deus. Isto faz com que as pessoas não têm o direito de, durante o seu crescimento, pecar novamente, visto que Jesus Cristo não voltará à terra para novamente morrer na cruz e lhes dar o direito de ser perdoados. Porém, embora o batismo seja fundamental para a salvação, os catecúmenos e todos aqueles que morrem por causa da fé (batismo de sangue) e todos os que, sob o impulso da graça, sem conhecerem Cristo e a Igreja, procuram sinceramente Deus e se esforçam por cumprir a sua vontade (batismo de desejo), obtêm a salvação, porque Jesus Cristo morreu para a salvação de todos. E, quanto às crianças mortas sem serem batizadas, a Igreja, na sua liturgia confia-as à misericórdia de Deus, que é ilimitada e infinita.

Aquelas Igrejas também ministram o batismo às crianças e a adultos sem batismo considerado como válido anteriormente. Porém, no conceito de validade, apenas católicos, os luteranos e os anglicanos mantêm como válidos todos os batismos cristãos, excetuando-se apenas o dos grupos considerados pela ortodoxia cristã como paracristãos (adventistas, testemunhas de Jeová e Mórmons). Já nos grupos reformados e nos grupos metodistas, há diversas versões sobre aceitação ou não do batismo ministrado pela Igreja católica romana.

No cristianismo evangélico, para os recém-nascidos, há a cerimónia da apresentação da criança, sendo o batismo por imersão na água reservado a adolescentes e a adultos, após o novo nascimento, o nascimento pela fé.

No batismo, utiliza-se a água, como a matéria do sacramento, que simboliza purificar e lavar. Pode usar-se a imersão, a infusão (o comum na Igreja católica) ou a aspersão, o que significa morrer, ser sepultado e ressuscitar com Cristo.

Previamente, costuma impor-se ao candidato o sinal da cruz e fazer-se a unção com o óleo dos catecúmenos, para significar a adesão a um povo de santificados, um povo de lutadores pelas causas do bem. A unção com o óleo reporta-se aos ritos de purificação do Antigo Testamento, o tipo da purificação pelo sangue de Jesus Cristo. Assim como sucede com infusão ou aspersão da água, cuja maior dificuldade é de cunho cultural, pois os Hebreus entendiam bem esta forma de purificação. E a unção com o óleo do crisma, a seguir ao batismo, significa a assimilação à missão de Jesus, o Messias, que é profeta, o sacerdote e o rei. Por isso, todos integramos o povo profetas, a nação santa, a comum idade de reis (cuja realeza é servir na justiça e na caridade, não como mera assistência, mas como integral desenvolvimento pessoal, humano e social).

É batismo com água, pois, assim foram purificados os levitas. Em alguns momentos, a água era misturada com algo do sacrifício, tal como a cinza ou o sangue. Em alguns casos, eram lavados com água tanto pessoas como utensílios. É batismo no sangue, pois é o sacrifício operado com o derramamento de sangue de Cristo, fator da nova aliança de Deus com os homens É batismo no Espírito Santo, mencionado como promessa nos profetas.

É Batismo no sangue. Jesus ante o pedido de Tiago e João, seus discípulos, filhos de Zebedeu, reportou a sua morte futura como um batismo. Nele derramou o seu sangue e mediou uma Nova Aliança entre Deus e os homens, sendo Ele mesmo o sacrifício pelo pecado. Isto é reforçado na instituição da Ceia do Senhor. Os discípulos que haviam afirmado desejarem ser batizados com o mesmo batismo, morrerão, dando a vida por amor a Jesus.

É batismo no Espírito Santo. Cumpre a promessa e unifica os conceitos associados ao batismo com óleo. Pedro, na sua primeira carta, afirma que o povo de Deus é sacerdócio real, povo de propriedade exclusiva de Deus.

É batismo no fogo. João Batista afirmou que Jesus batizaria com o Espírito Santo e com fogo: “E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com fogo (Mt 3,11). Jesus respondeu a Nicodemos: “Em verdade, em verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espíritonão pode entrar no reino de Deus” (Jo 3,5). O fogo, tal como no caso da cinza no Antigo Testamento, está associado à purificação, mas neste caso, conforme os textos dos Evangelhos de Mateus e Lucas, significa a unção do Espírito Santo. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem (At 2,2-4). “E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas, e profetizavam” (At 19,3-6).

Esta é a grande referência da Igreja. Cristo, não o pecado, nem o poder, nem o carreirismo. Esta é a Igreja que tem de se mostrar ao Mundo, mesmo que uma Conferência Episcopal tenha sido, alguma vez, inepta ou insuficiente e, muitas vezes, demasiado atacada. Nesta Igreja, fraca humanamente, mas forte em Cristo, vale a pena acreditar. Não pode ser um terramoto a fazer desaparecer a fé. Se o faz, é porque ela precisa de novo vigor. E, se ela vacila, há que pedir mais fé ao Senhor da Vida.

2023.03.31 – Louro de Carvalho

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