quinta-feira, 16 de março de 2023

Em memória do Padre Luís Alberto Seixeira

 

A notícia do seu falecimento a 8 de março, no Hospital de São Teotónio, em Viseu, deixou-me consternado, aliás como a tantas pessoas que o conheceram.

Devo relevar a dignidade que as instituições envolvidas emprestaram às solenes exéquias do tenente-coronel capelão Luís Alberto Ferreira Seixeira – cumulativamente pároco de Ervedosa, Sarzedinho e Casais –, em que se destacam o Presidente da República, o Exército, o Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE), de Lamego, o Regimento de Infantaria n.º 13, de Vila Real, as dioceses de Lamego (onde estava incardinado) e das Forças Armadas e Forças de Segurança (em que era capelão titular), a Câmara Municipal de Sernancelhe e a Junta da União de Freguesias de Ferreirim e Macieira e Ferreirim.

É digna de menção a Nota de Pesar emitida pela Diocese das Forças Armadas e Forças de Segurança, que refere, entre outos dados: “Cristo foi o centro da sua vida, que a tudo dava sentido e Onde ia alcançar força e esperança para, à imagem do Bom Pastor, conduzir quem a ele estava confiado, aos tesouros inesgotáveis da graça e da bondade de Deus”.

Ao mesmo tempo, homenageia “a disponibilidade do Capelão Luís Seixeira, certos de que o ‘sim’ da disponibilidade, por ele tantas vezes pronunciado, como atestam todas as Unidades onde esteve e serviu, para estar junto dos Militares, completamente dedicado à missão de servir e dando-se abnegadamente por Cristo, pela Sua Igreja e pelas pessoas. O seu exemplo será cultivado entre nós, sobretudo a urgência em submetermos tudo ao exclusivo interesse de Jesus Cristo e do seu Povo.” E garante: “Estás vivo em Cristo, na comunhão com o Pai e no Espírito Santo, e vivo continuas na comunidade santa – que também é a Diocese Castrense. Serás perpétua referência de doação, de humildade, de simplicidade, de entrega, de disponibilidade – ‘vou para onde o meu Bispo, voz do Bom Pastor, me enviar’ – que a todos continuarás a oferecer e, assim, permaneces vivo nos mais elevados gestos e valores vividos e praticados por nós.”

***

Também eu não posso parar a caneta, devendo escrever um singelo testemunho derivado da amizade com que sempre nos contactámos e entendemos, mas também pela obrigação decorrente da comunhão eclesial e do facto de o Padre Seixeira ter sido o meu primeiro sucessor na liderança pastoral das paróquias de Vila da Ponte, Granjal e Cunha e da comunidade de Ponte do Abade.

Atendendo ao facto de eu ter liderado as paróquias referidas e ao facto de ter sido também capelão militar na prestação do serviço militar obrigatório, eram frequentes as nossas trocas de impressões e os encontros, sobretudo quando o Padre Seixeira prestava serviço no Regimento de Engenharia n.º 3, de Espinho, e no Regimento de Infantaria n.º 10 / Área Militar de São Jacinto, na freguesia de São Jacinto, no concelho de Aveiro.

Era um empreendedor, atento ao património humano e edificado e bom utilizador das novas tecnologias da comunicação. E era um homem de iniciativa e secundava as iniciativas logísticas e culturais de superiores e de camaradas.   

Era um exímio utilizador da palavra verbalizada e da escrita, ao serviço da pastoral e da cultura.

Porque me revejo no ideário do texto, tal como me ensinaram na Academia Militar em setembro de 1981, embora isto não seja muito curial, ouso transcrever de Ponto de Reunião, Revista das Operações Especiais do Exército (2021), a páginas 85-86, o seu artigo “A relação entre a Igreja Católica e as Forças Armadas”:

“Por norma, as cidades onde tem havido aquartelamentos das Forças Armadas sentem um certo gosto e até orgulho pelos militares que por ali passam. E Lamego não é exceção, pelo contrário, a cidade e arredores sempre prezaram a instituição militar e tanto os poderes locais como as suas forças vivas se deram bem com as diversas unidades que aqui se acantonaram. Muitas vezes, equipas de futebol de militares jogaram com a do Seminário e houve militares que passaram por Lamego e prestaram ao mesmo Seminário o serviço de aulas de ginástica.

“Não obstante, pelo menos aparentemente, paira na opinião pública a ideia duma certa excrescência das Forças Armadas no atual contexto do país, reduzido ao retângulo do Continente e às Regiões autónomas, para mais em tempo em que não há guerra e a soberania nacional está, de certo modo, partilhada com a União Europeia, parecendo até que os decisores políticos terão subalternizado a instituição castrense, sobretudo pelo desinvestimento em efetivos, material e instalações. Em contrapartida, os Chefes de Estado eleitos em democracia têm enaltecido o relevante e, mesmo, insubstituível papel das Forças Armadas na iminência de invasão externa, agora sobretudo na modalidade de ameaça de terrorismo internacional sem rosto, no desempenho de missões humanitárias ou de paz a nível internacional e no apoio às populações em situação de calamidade pública, mormente em estado de emergência. 

“Ora, é certo e consensual que, na verdade, ninguém quer a guerra. Contudo, segundo o aforismo romano ‘Si vis pacem para bellum’ (se queres a paz prepara a guerra), é imperioso que um Estado soberano esteja preparado para a guerra, mesmo que a não deseje.

“Também em termos evangélicos se pode enquadrar a opção pela existência e a valorização da instituição castrense na exortação de Jesus Cristo aos discípulos ‘Sede prudentes como as serpentes’, a par da recomendação da simplicidade das pombas (cf Mateus 10,16). Isto, para dizer que, a partir da pacificação da relação do Império Romano com as religiões, nomeadamente a cristã, pelo édito de Milão de Constantino (em 313), e após a conversão de Clóvis, rei dos Francos (século V), os reinos cristãos, com excessos históricos, se guindaram ao estatuto de discípulos de Cristo na vertente da prudência coletiva. E os Estados Pontifícios mobilizaram, formaram e puseram em ação as suas tropas. Tudo isso passou, mas o Estado da Cidade do Vaticano mantém, pelo menos a nível simbólico, a Guarda Suíça como força armada.

“A este propósito, será de referir que João Batista, enquanto aos cobradores de impostos admoestava a que não exigissem mais do que aquilo que lhes fora estabelecido, aos soldados recomendava que não extorquissem nem denunciassem falsamente ninguém e que se contentassem com os seus salários (cf Lucas 3,12-14).

“Se, ao longo da História do Ocidente, houve certa osmose entre a instituição eclesial e a instituição castrense – clérigos, nobres e peões juntavam-se nas batalhas, tendo-se até formado ordens religiosas militares –, com a separação das Igrejas do Estado, de certo modo ensaiada nalgumas monarquias constitucionais e consumada nas repúblicas, sobretudo as originadas na filosofia positivista, incluindo a portuguesa, a assistência religiosa aos militares passou de permanente, em tempo de paz e de guerra, a cingir-se ao tempo de guerra, até que, a 29 de maio de 1966, São Paulo VI erigiu, pelo Decreto da Sagrada Congregação Consistorial ‘De Spirituali Militibus’, para assistir as Forças Armadas e as Forças de Segurança, o Vicariato Castrense de Portugal, instituição que organiza e acompanha, sob critérios semelhantes aos das dioceses territoriais, os católicos presentes no setor militar e policial. E até maio de 2000, o Patriarca de Lisboa acumulava as suas funções com as de Ordinário Castrense, que as exercia através dum Vigário Geral, bispo ou padre. E, a 21 de abril de 1986, a Constituição Apostólica ‘Spirituali Militum Cura’ denomina a instituição de Ordinariato Militar para Portugal.

“A 17 de março de 2001, São João Paulo II, a pedido da nossa Conferência Episcopal, separou o múnus do Ordinário Militar para Portugal do de Patriarca de Lisboa. E, por Bula da Santa Sé, de 3 de maio de 2001, o então Vigário Geral Castrense, Dom Januário Ferreira, foi nomeado Ordinário Militar para Portugal, sendo esse o primeiro Bispo da Diocese das Forças Armadas e das Forças de Segurança, também designada por Ordinariato Castrense.

“Pode questionar-se como a Igreja, testemunha e portadora do Evangelho das Bem-aventuranças (v. g: felizes os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus: Mateus 5,9), coopera com pessoas e estruturas preparadas para a guerra. A questão tem sido debatida e registam-se casos de padres que, dados para assistência aos militares, sobretudo em guerras coloniais, se indispuseram contra tal missão. Porém, importa vincar que a Igreja Católica, como as outras Confissões Religiosas, está em ação onde em princípio se sente incomodada, mas convicta de que tem de estar presente e atuante. Ninguém gosta de ver um crime praticado, mas as prisões enchem-se de reclusos; e padres e outros cristãos estão ali ao pé de pessoas que têm a liberdade coarctada, mas não deixam de ser pessoas, com direito a ser ouvidas, apoiadas e acompanhadas. Ninguém deseja que haja doentes e sinistros, mas as pessoas sofrem acidentes que as retêm em casa ou as levam aos hospitais; e padres e outros cristãos estão ali a socorrer, amparar e a confortar aqueles e aquelas que exibem no corpo e no espírito as chagas de Cristo. Ninguém se sente confortável em exéquias ou em cemitério feito campo dos mortos, mas as pessoas morrem e os familiares e amigos choram seus entes queridos; e padres e outros cristãos estão presentes na oração, conforto e acompanhamento, a sublimar o luto e apontar a esperança. 

“Também os militares, que sabem viver em unidades que lhes suscitam a disciplina e a coragem e lhes fazem sentir o espírito de corpo, adoecem e morrem – em paz, em perigo ou em guerra – precisam de ser escutados, acompanhados e confortados com o benefício do Evangelho e mobilizados para as exigências da Boa Nova. Quantos tombaram em perigos esforçados e em combate sentindo, de perto ou um pouco à distância, a presença do padre e a solidariedade humana e cristã dos camaradas! E quantos, na relação de reciprocidade, prestam relevante serviço catequético, cultual e organizacional nas paróquias onde residem!

“Está em causa o sagrado direito da crença e sua expressão em palavras e atos cultuais, a presença da Igreja onde está o homem a viver a vida de perigo ou de júbilo, a legitimidade da entrada de todos nos espaços e tempos eclesiais e a participação multiforme no fluir do Estado de direito democrático e da proteção deste aos seus mais devotados servidores.”

Penso que uma forma de homenagear o capelão Seixeira será fazer valer o seu legado de labor, doutrina e cultura para a memória coletiva, em termos eclesiais e militares. E disso pode ser testemunho físico a obra de valorização do património paroquial, bem como a valorização da igreja de Santa Cruz, em Lamego, como espaço museológico, bem como o arranjo do espaço visitável nas instalações do CTOE enquanto “espaço museológico” ou memória histórica desde a permanência dos Loios, passando pela do Regimento de Infantaria n.º 9 até ao atual CTOE.

Enfim, o Padre Seixeira não morre para o mundo, enquanto houver quem se lembre dele. E é justo que a memória coletiva o preserve e enalteça.

Entretanto, a prece para que Deus lhe perdoe todos os erros que tenha cometido, tal como a nós, o compense dos seus trabalhos e lhe dê a paz do eterno descanso nos esplendores da luz perpétua, enquanto aguarda toque da alvorada para a ressurreição de todos. E agradeçamos os benefícios que Deus concedeu, através deste sacerdote, à Igreja, à Sociedade e à Instituição Militar.

2023.03.16 – Louro de Carvalho

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