quarta-feira, 15 de março de 2023

Resolução do BES não foi ilegal, nem violou a Constituição

 

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) considerou que a resolução do Banco Espírito Santo (BES) em 2014 não foi ilegal, nem violou a Constituição. Em causa estão os recursos de várias empresas, designadamente fundos de investimento internacionais, e da massa insolvente da Espírito Santo Financial Group (a casa-mãe do BES – então o terceiro maior banco de Portugal e o segundo maior banco privado) por considerarem ilegais várias decisões do Banco de Portugal (BDP) na Resolução, designadamente decisões que violam a Constituição.

No acórdão de 224 páginas datado de 9 de março, os juízes decidem que as deliberações do BdP e do Governo (que fez, na altura, alterações ao regime das instituições de crédito) cumpriram a lei, não dando razão a quem recorreu de decisões anteriores dos tribunais.

O STA entende não haver ilegalidade na deliberação do BdP de obrigar ao BES à constituição de provisões de 2.000 milhões de euros, o que a ESFG diz ter originado prejuízos de 3.500 milhões de euros no 1.º semestre de 2014, ficando o banco com rácios de capital abaixo do exigido. Ao invés, para o STA, a decisão de resolução não advém da obrigação à provisão.

Quanto à alegada inconstitucionalidade no Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, que alterou o Regime das Instituições de Crédito, por só a Assembleia da República (AR) poder permitir tais alterações, devido a implicar o direito de propriedade, o STA diz que tais alterações não são da competência exclusiva do AR e não restringiram o direito de propriedade, não resultando no prejuízo deste. Assim, não conclui que sejam organicamente inconstitucionais as normas do decreto-lei em causa.

Também recusa as alegadas violações dos princípios da igualdade, do direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica privada, desde logo no modo como foi decidida a separação dos ativos, o que levou a perdas para quem detinha obrigações subordinadas e ações. E recorda que o direito à propriedade não implica uso de um bem como valor absoluto, mas que se compagina com outros direitos e que não houve expropriação, mas uma resolução, “pela necessidade de prevenção dos efeitos diretos/indiretos decorrentes de uma insolvência iminente”. Observando que o conjunto das perdas dos acionistas “não será consequência direta da medida da resolução”, mas que foram as ações/omissões dos acionistas “a contribuir para a situação de risco” da falência do banco, considera que a medida de resolução foi “o único meio de travar uma liquidação desordenada e os riscos sistémicos de contágio”.

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O processo que agora parece ver um fim – ainda pode ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional (TC) – arrasta-se há anos. Em março de 2017 foi pronunciada a primeira decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que concluiu que a medida de resolução aplicada pelo BdP foi adequada, razoável e “salvaguardou o erário público das desventuras bancárias, bem como aqueles que não assumiram riscos a troco de remunerações”. Só agora, em março de 2023, chega a resposta ao recurso interposto por um conjunto de acionistas e credores subordinados do BES, depois de o STA ter pedido ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que apreciasse o caso. Este vem dizer que a legislação nacional que deu azo à medida de resolução não viola os direitos fundamentais europeus.

Agora, o STA valida que a Resolução não é ilegal e rejeita argumentos de inconstitucionalidade. Assim, o acórdão do STA de 9 de março aplica-se a outros processos cujo pedido é idêntico. Há para já 24 processos dependentes e muitos seguirão a jurisprudência desta ação.

A medida de Resolução tomada pelo BdP dividiu o BES em dois: o banco bom (Novo Banco) e o mau (Banco Espírito Santo). No BES mau ficaram ativos, como, por exemplo, ações e créditos subordinados, cujos detentores são, no âmbito da liquidação, os últimos a receber, se houver algo a receber. Os autores dos processos queriam ser indemnizados pelos prejuízos da Resolução, que julgam ferir a lei e a Constituição.

Neste cenário se moveram os acionistas e alguns credores subordinados que, após a resolução, foram para ao BES mau, entre os quais credores subordinados que, um ano depois da medida de resolução, passaram do Novo Banco (NB) para o BES mau – forma de solucionar problemas de capital no NB, que não tinha sido vendido no final de 2015 e tinha de manter-se no mercado.

Depois da intervenção, houve uma avalanche de ações para tentar anular a decisão e, em maio de 2017, o Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) – utilizando o mecanismo de resolução de processos em massa, ao abrigo do Código do Processo nos Tribunais Administrativos – optou por julgar apenas um, entre mais de 20 processos que reclamavam pedidos idênticos: a impugnação da resolução do BES. Foi escolhido o processo mais abrangente para que pudesse haver uma só decisão em relação ao mesmo pedido. O objetivo era evitar decisões contraditórias.

Neste quadro, o juiz do TAL usou um mecanismo que lhe permitiu avançar com um processo, tornando os restantes pendentes da decisão daquele. Poupando tempo e recursos para aplicar a mesma decisão a um conjunto de 24 processos com um único propósito: anular a Resolução. E, na impossibilidade da sua reversão, os interessados queriam ser financeiramente ressarcidos.

O acórdão do TAL dá como totalmente improcedentes as várias inconstitucionalidades invocadas pelos investidores, como a violação da reserva legislativa da AR, a violação do direito de propriedade privada e dos princípios da igualdade e da justa indemnização; e rejeitou as múltiplas ilegalidades imputadas à deliberação, nomeadamente a violação dos princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade, assim como disposições do direito europeu.

Os interessados contestaram a decisão no TACL, cuja decisão chegou a 16 de março de 2019. Nos termos do acórdão, a Resolução é legal e constitucional, pelo que afasta as pretensões do conjunto de acionistas e de credores subordinados do BES – um alívio para o BdP.

Nessa decisão do pleno dos seus 20 juízes, o TACL concluiu que, “perante as circunstâncias em que o BES se encontrava, não havia um cenário alternativo [à Resolução] que não fosse o da liquidação do BES, pois não tinha sequer condições de manter o exercício da atividade, sendo totalmente hipotético e inverosímil qualquer outro cenário que não aquele”.

É de recordar que foram injetados 4,9 mil milhões de euros no NB. E o TACL, dizendo que a medida de Resolução foi a mais adequada, frisou que a opção por outra medida que fosse mais vantajosa para os acionistas e para os credores subordinados “desvirtuaria a razão de ser existência da medida de resolução, que tende, primeiramente a salvaguardar o erário público das desventuras bancárias bem como aqueles que não assumiram riscos a troco de remunerações”.

Os autores, BPC Lux e Outros recorreram para o STA, que ordenou o reenvio do processo, em janeiro de 2020, ao TJUE para apreciação. Este, em 5 de maio de 2022, concluiu que a legislação portuguesa é compatível com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou seja, não viola o direito europeu, contrariando o argumento aduzido por várias entidades, incluindo BPC Lux e a massa Insolvente, que detinham, direta e indiretamente, ações no capital social do BES. E que entendiam que a Resolução era ilegal e violava a legislação da União Europeia (UE), quando transferiu ativos e passivos entre o NB e o BES mau, em liquidação.

Segundo o TJUE, ao transpor apenas parcialmente a Diretiva sobre a reestruturação e resolução das instituições de crédito antes do termo do prazo, Portugal não comprometeu “seriamente” a obtenção do resultado prescrito pela legislação da UE, ao invés das pretensões dos queixosos. Esta medida, adotada com base na legislação nacional sobre a resolução das instituições de crédito, envolveu a criação de um banco transição – o NB –, para o qual foram transferidos determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos geridos pelo BES.

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No acórdão de 9 de março de 2023, o STA, além de dizer que a Resolução do BES não incorre em inconstitucionalidade, conclui que, não só legal, como está em linha com a legislação europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais e que, por isso, a legislação que deu origem à Resolução não viola o direito europeu.

Esta decisão contou com a unanimidade de todos os juízes Conselheiros. Mais: é idêntica à tomada na primeira instância no TACL, segundo a qual a medida de Resolução aplicada pelo BdP não viola quaisquer direitos fundamentais, não sendo, por isso, possível de reverter. O STA diz que a resolução era a única alternativa capaz de “travar uma liquidação desordenada e os riscos sistémicos de contágio”. E conclui pela improcedência das premissas avançadas pela recorrente nas suas alegações de recurso a propósito do alegado e presumido erro de julgamento sobre a matéria de facto dada como provada, embora os autores possam recorrer para o TC.

Segundo os observadores o TC, como tribunal de último recurso dos acionistas e dos credores subordinados, irá apenas debruçar-se sobre se a legislação produzida para enquadrar a resolução é conforme à Constituição e não já sobre a conduta do BdP na tomada de decisão.

Transitando em julgado, a decisão serve de orientação para as restantes 24 ações que aguardavam o desfecho do veredicto do STA. E, se assim for, o BdP não terá de ressarcir financeiramente os que entraram com ações para reverter a Resolução.

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Em agosto de 2014, eu não criticava a legalidade da Resolução, mas a política que levou a essa medida e a pressa nos diplomas legislativos que a legitimaram.  

Quem bosquejar o Diário da República (DR), nota que, a 1 de agosto de 2014, fora publicado o Decreto-lei n.º 114-A/2014, de 1 de agosto, que “altera o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, procedendo a alterações ao regime previsto no Título VIII relativo à aplicação de medidas de resolução, e transpondo parcialmente a Diretiva n.º 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento”. O diploma, visto e aprovado em Conselho de Ministros (CM) a 31 de julho (véspera), quinta-feira, com as assinaturas do primeiro-ministro, do secretário de Estado Adjunto e do Orçamento e do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, foi, a 1 de agosto, promulgado pelo Presidente da República (PR), referendado pelo vice-primeiro-ministro e publicado no DR, I série, para entrar em vigor no dia 4. Porém, no dia 3 (domingo), surge o Decreto-lei n.º 114-3/2014, de 4 de agosto, visto e aprovado em CM, só com as assinaturas do vice-primeiro-ministro e da ministra de Estado e das Finanças. Foi, no mesmo dia 3, promulgado pelo PR e referendado pelo vice-primeiro-ministro. Entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação e foi publicado no dia 4, já o BES não funcionava. O seu objeto era outra alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo diploma referido. As alterações de 1 de agosto eram insuficientes. E a Resolução foi anunciada pelo governador do BdP, a 3 de agosto, domingo.

Entretanto, embora não haja ilegalidade, à letra da lei, nem incompatibilidade com a legislação da UE, critica-se a pressa e paira a dúvida sobre a constitucionalidade dos dois diplomas de agosto de 2014, que legitimaram ao BdP a Resolução. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, alterado pelos dois diplomas do governo, em agosto de 2014, foi redigido e aprovado pelo CM, sob autorização legislativa estabelecida pela Lei n.º 9/92, de 3 de julho.

2023.03.15 – Louro de Carvalho

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