quinta-feira, 9 de março de 2023

Polémicas na TAP não têm a página virada, como diz o governo

 

O desempenho de Christine Ourmières-Widener, presidente da comissão executiva (CEO) da transportadora aérea portuguesa, a TAP, SA desde junho de 2021, conheceu várias polémicas.

Depois do despedimento de milhares de trabalhadores e dos cortes salariais impostos pelo plano de reestruturação desenhado pela Comissão Europeia, que aprovou a injeção de 3,2 mil milhões de euros de verbas do Estado, a administração liderada pela gestora foi alvo de duras críticas de má gestão de recursos por vários setores da companhia aérea portuguesa.

Desde logo, a transformação de dois aviões A330 que foram convertidos em cargueiros e que ficaram sem voar, durante mais de um ano, até que a administração decidiu transformá-los, de novo, em aviões de passageiros. De igual modo, foram alvo de aceradas críticas os vários contratos com companhias em regime ACMI (aluguer de aviões, incluindo pilotos, tripulação e manutenção), mercê do atraso da entrega de aviões Embraer.

Após marchas silenciosas e protestos à porta da empresa, no final de 2022, a 8 e 9 de dezembro, a notável gestora enfrentou a primeira greve da companhia desde 2017, marcada pelos tripulantes de cabine e convocada pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), quando arrancava a negociação do novo Acordo de Empresa e quando a transportadora ainda registava prejuízos. A greve levou a TAP a cancelar 360 voos nos dois dias, provocando perdas de oito milhões de euros em receitas e afetando 50 mil passageiros.

Já em outubro, antes da greve, estalou a polémica com a notícia de que Isabel Nicolau fora contratada para dirigir o departamento de melhoria contínua e sustentabilidade da transportadora portuguesa, por 15 mil euros mensais. Era uma amiga de Christine Ourmières-Widener que nunca tinha trabalhado no ramo da aviação e que é a mulher do personal trainer do marido de Christine Ourmières-Widener. E o companheiro de Isabel Nicolau, antes de esta ser contratada pela transportadora aérea nacional, abriu uma associação sem fins lucrativos, ligada ao triatlo, com o marido da presidente executiva.

Ainda em outubro, a ex-CEO tinha sido envolvida noutra polémica depois de a CNN Portugal ter revelado que a companhia encomendara uma frota de 79 automóveis BMW para a administração e diretores, substituindo os da Peugeot, alegadamente por permitir uma poupança anual de 630 mil euros. Todavia, depois das fortes críticas, a administração da TAP recuou na renovação da frota automóvel, mas a companhia decidiu atribuir um vale de 450 euros mensais aos diretores e aos administradores da TAP para serem usados na plataforma Uber, de forma a compensar a não renovação dos automóveis.

Depois, a mudança da sede da companhia para o edifício Báltico, no Parque das Nações, foi outra medida da administração que provocou forte contestação. A TAP tencionava sair do edifício na Portela até março de 2023, vendendo o imóvel e pagando uma renda mensal entre 3,8 milhões e quatro milhões de euros. Tanto os sindicatos como a Comissão de Trabalhadores assinalaram a medida como mais um caso de má gestão, alertando para a duplicação de recursos, como a segurança por exemplo. E advertiram que as futuras instalações não tinham espaço para a creche que funciona 24 horas todos os dias da semana, serviço essencial para os horários dos tripulantes, dos pilotos e dos restantes profissionais que trabalham na companhia. No início de 2023, Christine Ourmières-Widener deixou cair esta intenção.

A última polémica da TAP envolve o pagamento da indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis e ditou a saída de Christine Ourmières-Widener da companhia. Depois de a Inspeção Geral das Finanças (IGF) ter concluído pela nulidade do acordo celebrado entre a administração e Alexandra Reis, que passou, meses depois, para a presidência da NAV Portugal, o ministro das Finanças, Fernando Medina, defendeu que “se impõe um virar de página na gestão da empresa”, tendo o Governo decidido a “exoneração, com justa causa, do presidente do Conselho de Administração e da presidente da Comissão Executiva da TAP”, pelo que saem sem o pagamento da indemnização previsto no contrato. Porém, Christine Ourmières-Widener, em reação ao relatório da IGF, ameaçou retirar “consequências legais”, abrindo espaço para novos capítulos na sua passagem pela TAP.

A CEO exonerada acusou a IGF de “comportamento discriminatório”, no âmbito da auditoria ao processo que levou ao pagamento de uma indemnização a Alexandra Reis e ameaçou retirar “consequências legais”. No seu contraditório ao relatório, divulgado a 6 de março, a gestora manifestou a sua “perplexidade ao constatar que, lamentavelmente, foi a única pessoa diretamente envolvida” neste processo “que não foi ouvida pessoalmente perante a IGF”.

Na fundamentação para o contraditório às conclusões, a ex-CEO disse que a sua responsabilidade pessoal “quanto ao cometimento das alegadas infrações financeiras inexiste ou será de considerar juridicamente insubsistente”. Com efeito, a “condução deste assunto foi confiada a um escritório de advogados de renome, que, na altura, já assessorava a TAP em matérias de direito laboral”, a SRS Legal, porque, à data, “a diretora jurídica da TAP, se encontrava ausente do serviço por licença de maternidade” e lhe fora comunicado que não havia, internamente, nenhum jurista “com perfil e competências” para gerir este processo. Adicionalmente, frisou que não é portuguesa e não domina a Língua Portuguesa”, como salientou que “não é jurista de formação, nem tem quaisquer conhecimentos jurídicos ou experiência de gestão de empresas do setor público em Portugal”. Se não sabe Português e não conhecia o nosso setor público, não devia ter sido convidada, nem devia ter aceitado o convite. E o não ser jurista não colhe (há assessorias).

A gestora vincou, ainda, que “o assunto foi, desde o início, confiado aos consultores jurídicos externos da TAP, que levaram a cabo todo o processo negocial, tendo por interlocutores os assessores jurídicos” de Alexandra Reis, a sociedade Morais Leitão. Mais garantiu que ia apenas “sendo informada dos valores reclamados e da margem de negociação de quer dispunham”, informação que diz ter transmitido ao então Ministério das Infraestruturas e Habitação, através do então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, mas com conhecimento do então ministro, Pedro Nuno Santos.

Assim, “a solução jurídica concretamente adotada não passou pela respondente, nem esta foi alguma vez alertada para qualquer específico risco que a mesma pudesse acarretar”, pelo que foi com “perplexidade” que se viu “recentemente confrontada com as dúvidas”, face à legalidade da solução jurídicos e dos pagamentos a Alexandra Reis, não compreendendo que as questões em torno da solução não lhe tenham sido comunicadas, nem pelos advogados envolvidos, nem pelo Governo durante o processo negocial. Com efeito, “era do conhecimento de todos os envolvidos, por exemplo, que a Eng.ª Alexandra Reis não havia completado 12 meses no mandato em curso, o que, à luz do enquadramento jurídico preconizado no projeto de relatório, teria permitido fazer cessar as funções da mesma, sem o pagamento de qualquer compensação”, com exceção “do vínculo de natureza laboral que a mesma mantinha e que se encontrava então suspenso”.

Porém, as informações que lhe chegaram dos consultores externos indicavam que o pagamento de uma compensação global de 500 mil euros “seria uma boa solução”, representando “cerca de dois terços” do valor inicialmente pedido por Alexandra Reis. Segundo a gestora, as instruções da tutela foram de baixar o valor o inicial, a tutela das Infraestruturas esteve “sempre ao corrente das negociações”, inclusive o valor a ser pago, e a gestora subscreveu o acordo de boa-fé e convencida de que era o que “melhor servia os interesses da TAP”.

Por isso, não lhe cabe “qualquer responsabilidade” de omissões junto do Ministério das Finanças, pois a tutela das Infraestruturas estava informada e deu “expressa concordância” ao acordo.

***

Sem o pagamento de qualquer tipo de indemnização, Christine Ourmières-Widener ameaçou retirar “consequências legais” e já escolheu como advogada Inês Arruda, sócia da Vasconcelos, Arruda & Associados, onde é sócia coordenadora das áreas de Direito Laboral e Segurança Social, Insolvência e Recuperação de Empresas, Contencioso e Arbitragem da Vasconcelos, ao mesmo tempo que detém uma variada folha curricular e uma boa coleção de distinções.

IGF assinalou o recurso a uma figura jurídica que não existe, isto é, um despedimento com acordo, o que levou à conclusão que o acordo é nulo. Porém, a defesa da ex-CEO da TAP já veio a terreiro a admitir que “não lhe caberia a si, pelas razões apresentadas, sequer equacionar a hipótese do enquadramento legal, à luz do Estatuto do Gestor Público” – solução que “nunca foi sequer invocada pela equipa de assessores jurídicos, ao longo de todo o processo negocial”. E questiona como, tendo este “detalhe” escapado a pessoas com “conhecimento jurídico qualificado e com especiais deveres de zelo e diligência, quanto ao estudo de todos os cenários legais aplicados ao caso, poderia a CEO antever outros cenários jurídicos.

É certo que Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener estão mesmo fora da administração da TAP, sem volta, com toda a probabilidade. Contudo, a página não está virada, como proclamou Fernando Medina, tendo ao lado João Galamba. Se, do lado de Manuel Beja e de Alexandra Reis, parece não haver problema, o mesmo não sucede da parte da ex-CEO.

Sem descer a pormenores, é de considerar que a IGF, à qual fora pedido que se pronunciasse sobre a legalidade do acordo, não propôs a demissão dos dois administradores. O que propôs, sobre os administradores, foi a ponderação da “avaliação da atuação dos administradores envolvidos, quanto à inobservância dos normativos aplicáveis”. Isto quer dizer que a exoneração deveria ser precedida de um processo autónomo em que a avaliação fosse feita e com garantias de defesa.

Por outro lado, se os assessores externos são apontados de negligência, também poderão fazer valer a sua situação de inocência, como aliás poderão intervir os demais administradores, ao lado dos quais passou o processo. E fica por saber o que se passou com a saída de todos os anteriores administradores da TAP e das demais empresas públicas. Alexandra Reis não se tentou ao capricho de pedir uma indemnização de cerca de um milhão e meio de euros!

Por fim, é de anotar que os assuntos graves do Estado e a gestão empresarial pública não se devem resolver por SMS, e-mail, WhatsApp e quejandos, mas em conferência com tempo, papéis, assessores e conversa que dissipe dúvidas. O tempo dos apressadinhos é mau conselheiro.

Assim, a página só está virada a meio gás. E resta saber quanto custará o todo do virar de página em dinheiro e também tempo, já que a Justiça funciona ao retardador. 

2023.03.09 – Louro de Carvalho

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