quarta-feira, 8 de março de 2023

Ameaça constante aos direitos da mulher mobiliza protestos e reflexão

 

No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, foram organizados eventos e manifestações em várias cidades do mundo, bem como jornadas de reflexão sobre o estatuto da mulher.

As manifestações das mulheres foram proibidas em vários países, como no Paquistão, onde as autoridades acusaram os “cartazes controversos” que as manifestantes costumam carregar, com reivindicações sobre o divórcio ou contra o assédio sexual. E também não receberam autorização para protestar as organizações feministas independentes de Cuba, que convocaram uma “marcha virtual” nas redes sociais, para conscientizar sobre a violência de género e sobre o feminicídio.

Milhares de mulheres protestaram, nas ruas, para denunciar a ofensiva global contra os seus direitos e exigir o fim da discriminação e dos feminicídios, que têm aumentado em vários países.

As razões da mobilização são inúmeras: a discriminação imposta no Afeganistão desde o regresso dos talibãs ao poder, em agosto de 2021, a repressão aos protestos no Irão pela morte de Mahsa Amini, o fim do direito ao aborto nos Estados Unidos da América (EUA) – direito também enfraquecido na Hungria e na Polónia – e as consequências da guerra para as mulheres.

Tema central dos protestos nos EUA foi a defesa do direito ao aborto, enfraquecido pela decisão do Supremo Tribunal, em junho, de revogar a decisão de 1973, que o garantia a nível federal.

“Lutamos contra um patriarcado [...] que disputa até a morte dos nossos direitos – como o aborto – que conquistamos a lutar”, afirma o manifesto da marcha que ocorreu também em Madrid.

Em França, foram convocadas manifestações pela “igualdade no trabalho e na vida”. O país está em crise por greves e protestos contra a reforma da Previdência Social promovida pelo governo liberal de Emmanuel Macron, que os críticos dizem ter efeitos nocivos sobre as mulheres.

Houve protestos nas principais cidades do México, da Colômbia, da Venezuela e de Portugal.

E, no Brasil, protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro denunciaram os cortes nas políticas de proteção às mulheres e o crescimento vertiginoso do machismo e da misoginia no mandato de Jair Bolsonaro (2019-2022), confirmou Juneia Batista, da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

O presidente Lula da Silva participou, em Brasília, no lançamento de programas para mulheres e na criação do Dia Nacional Marielle Franco contra a violência política, em homenagem à vereadora assassinada em 2018.

António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a 6 de março, advertiu que “os avanços obtidos em décadas estão a evaporar diante os nossos olhos”. Evocando o Afeganistão, onde mulheres e meninas foram “apagadas da vida pública”, desde o retorno dos talibãs ao poder, frisou que, no ritmo atual, serão necessários 300 anos para se atingir a igualdade entre homens e mulheres. E alertou para as elevadas taxas de mortalidade materna para jovens forçadas a casar cedo e raparigas raptadas e agredidas por frequentarem a escola.

A União Europeia (UE) adotou, a 7 de março, sanções contra o ministro talibã do Ensino Superior, Neda Mohammed Nadeem, responsável pela violação generalizada do direito das mulheres à educação. Com efeito, as universidades afegãs reabriram, a 6 de março, após as férias de inverno, mas apenas os homens foram autorizados a frequentar as aulas. E também foram alvos de sanções outros indivíduos e entidades responsáveis por violações dos direitos das mulheres no Irão, Rússia, Sudão do Sul, Mianmar e Síria.

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O Afeganistão é o país mais repressivo do mundo para as mulheres. O governo talibã baniu a educação das meninas além do 6.º ano, proíbe as mulheres de frequentarem certos espaços públicos (como parques e ginásios) e de trabalhar em ONG nacionais e internacionais e obriga-as a andar cobertas da cabeça aos pés.

A ONU considerou, a 8 de março, que o Afeganistão é, desde a tomada do poder pelos talibãs, o país mais repressivo do mundo para as mulheres e meninas, privadas de muitos direitos básicos.

Em comunicado divulgado no Dia Internacional da Mulher, a missão da ONU no Afeganistão disse que os governantes do país mostraram um “foco quase singular na imposição de regras que deixam a maioria das mulheres e meninas efetivamente presas nas suas casas”.

Apesar das promessas iniciais de postura mais moderada, os talibãs impuseram medidas duras desde que assumiram o poder, quando as forças dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) estavam nas últimas semanas da retirada, após duas décadas de guerra.

“O Afeganistão, sob o regime talibã, continua a ser o país mais repressivo do mundo em relação aos direitos das mulheres”, disse Roza Otunbayeva, representante especial do secretário-geral da ONU e chefe da missão no Afeganistão, que sublinhou: “Tem sido angustiante testemunhar os seus esforços metódicos, deliberados e sistemáticos para expulsar as mulheres e meninas afegãs da esfera pública.”

As restrições, especialmente as proibições de educação e de trabalho em ONG, tiveram forte condenação internacional, mas os talibãs não dão sinais de ceder, alegando que as proibições são suspensões temporárias, porque as mulheres não usavam corretamente o lenço islâmico, ou hijab, e negando qualquer segregação de género. E, quanto à proibição do ensino universitário, alegam que algumas disciplinas contrariam os valores afegãos e islâmicos.

“Confinar metade da população do país nas suas casas numa das maiores crises humanitária e económica do mundo é um ato colossal de autoagressão nacional”, disse Otunbayeva. “Isso condenará não apenas mulheres e meninas, mas todos os afegãos à pobreza e dependência de ajuda para as próximas gerações”, insistiu, acrescentando: “Isolará ainda mais o Afeganistão dos seus próprios cidadãos e do resto do mundo.”

A missão da ONU no Afeganistão disse ter registado um fluxo quase constante de decretos e de medidas discriminatórias contra as mulheres desde a tomada do poder pelos talibãs – o direito de viajar ou de trabalhar fora dos limites das suas casas e o acesso a espaços públicos são amplamente restritos. As mulheres estão igualmente afastadas de todos os níveis de decisão pública.

“As implicações dos danos que os talibãs estão a infligir aos seus próprios cidadãos vão além de mulheres e meninas”, disse Alison Davidian, representante especial da ONU. Porém, nenhum funcionário do governo esteve disponível para comentar estas posições da ONU.

O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se, a 8 de março, com Otunbayeva e com mulheres representantes de grupos da sociedade civil afegã. De acordo com o comunicado de convocatória, 11,6 milhões de mulheres e meninas afegãs precisam de assistência humanitária. Mas os talibãs minam o esforço de ajuda internacional, ao proibirem as mulheres de trabalharem para ONG.

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Também o Papa Francisco culpa a “cultura de opressão patriarcal e machista” pela violência contra as mulheres, destacando as lacunas que há na igualdade de género, no prefácio do livro “Mais liderança feminina para um mundo melhor: o cuidado como motor da nossa casa comum”, editado por Anna Maria Tarantola, ex-diretora do Banco de Itália e atual presidente da Fundação Centesimus Annus pro Pontifice e divulgado neste Dia Internacional da Mulher.

No volume publicado em Itália, cujo conteúdo foi divulgado portal Vatican News, o Papa afirma que “o mundo será melhor, se houver igualdade na diversidade entre homens e mulheres”, vincando que a igualdade não é a adoção de comportamentos masculinos pelas mulheres.

“Se as mulheres pudessem desfrutar de plena igualdade de oportunidades, poderiam contribuir substancialmente para a mudança necessária rumo a um mundo de paz, [de] inclusão, [de] solidariedade e [de] sustentabilidade integral”, defendeu o Chefe da Igreja Católica.

O Papa declarou também que “ainda há muito por fazer para a plena emancipação da mulher”.

O papel da mulher na Igreja foi outro ponto realçado pelo pontífice: “O papel da mulher na Igreja vai muito além da funcionalidade. Devemos continuar a trabalhar nisto. Muito mais além.”

Destacando a necessidade de igualdade para um mundo melhor,  Francisco observou: “O caminho para a afirmação da mulher é recente, acidentado e, infelizmente, não definitivo.”

“A capacidade de cuidar, por exemplo, é sem dúvida uma caraterística feminina que se deve expressar não só no seio da família, mas igualmente e com êxito na política, nos negócios, no mundo académico e no local de trabalho”, sustentou.

O Papa concluiu com a verificação de que 130 milhões de meninas no mundo “não vão à escola”. “Não há liberdade, justiça, desenvolvimento integral, democracia e paz sem educação”, vincou.

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Em Portugal, entre os eventos que assinalaram a efeméride, sobressaiu a tertúlia “Desafios para as mulheres da Europa em tempo de guerra”, organizada pelo Diário de Notícias (DN), em parceria com a Fundação Santander e a Vodafone, tendo Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, feito a abertura do debate.

A tertúlia, que decorreu no Edifício dos Leões, em Lisboa, a partir das 17 horas, foi moderada por Rosália Amorim, primeira mulher diretora do DN em 158 anos de História, com a participação de Ana Mendes Godinho, referida, Marco Galinha (CEO do Global Media Group), Isabel Guerreiro (membro da Comissão Executiva do Santander Portugal), Célia Reis (Executive Vice-President e MD Engineering Centers da Capgemini Engineering), Gonçalo Saraiva Matias (Presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos), Inês Oom de Sousa (Presidente da Fundação Santander Portugal), Luísa Pestana (Administradora da Vodafone Portugal), Maria Celeste Hagatong (Presidente do Banco Português de Fomento) e Viktoria Kaufmann-Rieger (Administradora da SIVA-Porsche Holding), que deram o seu testemunho quanto à temática em debate.

Estiveram em foco os desafios económicos, sociais e políticos para 2023 vistos na perspetiva feminina e masculina. E foram discutidos assuntos conexos com a igualdade de género, com as ameaças da crise financeira causada pela inflação e com as atuais dificuldades sentidas, desafios que o continente europeu enfrenta, tendo em conta a guerra na Ucrânia, depois de dois anos em que a pandemia abanou a vida do Mundo e também a dos Portugueses.

Também esteve em destaque o papel importante das mulheres, como CEO das empresas ou nas suas famílias, e foram evocadas as que, no passado, fizeram ouvir a sua voz para garantir direitos de igualdade, de independência e de representatividade no mundo e em Portugal. Aliás, o direito ao voto, à paridade salarial, à participação política e ao acesso à educação continuam por cumprir em muitos países, onde a mulher ainda não consegue ter uma voz ativa na sociedade.

Por fim, é de referir a mensagem do Presidente da República, que, celebrando a força das mulheres, considerou: “A nossa democracia deu passos decisivos para salvaguardar a igualdade na lei e mitigar a discriminação contra as mulheres na Constituição, na legislação, na família, na revisão do Código Civil, na paridade no emprego, nos salários, nos cargos de direção, na política, nas responsabilidades familiares e domésticas, na proteção contra a violência – grandes passos, mas, ainda, insuficientes na promoção da igualdade de oportunidades.”.

Enfim, muito caminho por andar pela igualdade de género e pelo empoderamento da mulher!

2023.03.08 – Louro de Carvalho

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