quarta-feira, 29 de março de 2023

Empresas e países amigos do ambiente ou nem tanto

 

Na apresentação das conclusões do Relatório-Síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), advertiu que “a humanidade caminha sobre gelo fino”, que se está a derreter “rapidamente”. O relatório confirma a necessidade de uma ação global e imediata para garantir um futuro habitável para os humanos e para outras espécies, mas julga que ainda há esperança.

E, no Dia Mundial da Água (22 de março), António Guterres assinou o prefácio de um relatório sobre a água, avisando que “o superconsumo e o superdesenvolvimento vampírico, a exploração insustentável dos recursos hídricos, a poluição e o aquecimento global descontrolado estão a esgotar, gota a gota, esta fonte de vida da humanidade”.

Por outro lado, o uso desenfreado dos plásticos e a acumulação de plásticos nos oceanos estão a causar problemas ambientais de enorme dimensão.

Neste contexto, surgem as empresas amigas do ambiente, do social e da boa gestão – ESG (environment, social, governance). E o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, refere que Rui Nabeiro, o recém-falecido líder do grupo Delta, “sem estes conceitos académicos e de modas, sempre incorporou, na sua organização, estes mesmos princípios, estes mesmos valores, e com muita preocupação no social”.

Efetivamente, num estudo de mercado, da empresa Merco, sobre as empresas mais responsáveis a atuar em Portugal, a Delta Cafés é a primeira no ranking de 100, obtendo este feito pelo segundo ano consecutivo. E ocupa a posição cimeira nas três vertentes do ESG e lidera o ranking das empresas mais responsáveis em Portugal, com 10 mil pontos, quase o dobro da média da pontuação das 100 empresas referidas no estudo (5.326 pontos), em que participaram 252 executivos de grandes empresas, 41 jornalistas de informação económica, 31 membros do Governo, 39 analistas financeiros, 35 responsáveis de organizações não-governamentais (ONG), 38 dirigentes sindicais, 30 dirigentes de associações de consumidores e 800 cidadãos. 

Na segunda posição surge a Sonae e, depois, a EDP. A Ikea, empresa sueca que vende móveis em Portugal, a Jerónimo Martins, a Vodafone, o Lidl, a Galp, a Microsoft e o Google completam o top 10. A nível setorial, a Delta Cafés lidera na categoria da alimentação, a Vieira de Almeida nos advogados, a Accenture na Auditoria e Consultoria, o Grupo Volkswagen nos automóveis, o Santander na banca e o grupo Impresa (da SIC e do Expresso) nos meios de comunicação social.

Em comunicado, José María San, CEO do Merco, alerta que, “analisando a perceção dos consumidores sobre as empresas portuguesas, percebe-se que as duas variáveis com as classificações mais baixas são a responsabilidade social e a responsabilidade ambiental”. Por isso, “este é um desafio para as empresas, que deverão estar conscientes de que, apesar dos grandes progressos alcançados, as expectativas dos consumidores estão mais avançadas do que os progressos reais realizados”. Porém, comparando as conclusões do estudo feito em Portugal com o mesmo feito em Espanha conclui-se que, “do ponto de vista dos consumidores, as empresas portuguesas pontuam melhor do que as empresas espanholas”. Na mesma comparação, mas tendo em conta a opinião dos gestores e não dos consumidores, observa-se o inverso: “quando se trata de variáveis como a ética e boa governação, os gestores portugueses são mais críticos em relação às empresas portuguesas do que o são os gestores em Espanha”.

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Um relatório da ONU, de 2014, calculava que a indústria dos brinquedos gasta 40 toneladas de plástico por cada milhão de dólares de receitas. Um relatório, de 2021, publicado na revista Environment International e citado pela agência Bloomberg, calculava que, nos países ocidentais, cada casa compra, por ano e por criança, uma média de 18,3 quilos de brinquedos de plástico. E a revista Environmental Pollution divulgou em 2020 um estudo segundo o qual as peças da Lego atiradas aos oceanos levam 1.300 anos a decompor-se. Ora, isto não é sustentável. Por isso, a indústria já começou a transição: por exemplo, a Mattel fabrica as bonecas Barbie com plástico recolhido dos oceanos, e a dinamarquesa Lego produz peças de lego com um composto plástico de base vegetal, processado a partir da cana-de-açúcar.

Ao mesmo tempo, o polietileno verde, a borracha natural e a cortiça são alguns dos produtos que a indústria tem usado para substituir os plásticos.

Neste contexto, a Corticeira Amorim, empresa líder mundial no setor da cortiça, juntou-se à alemã Hape, líder mundial na área dos brinquedos de madeira, para criar uma joint venture, a Korko que fabrica e vende brinquedos de cortiça. E Carlos Duarte, diretor executivo da Amorim Cork Composites, revelou que, no ano passado, o primeiro ano desta parceria, foram vendidos mais de 100 mil brinquedos de cortiça e já estão prontos mais sete protótipos de brinquedos para serem lançados no mercado no Natal deste ano.

Um dos produtos que também está a ser comercializado no mercado são os building blocks que receberam do Itecons (Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade) avaliação carbónica negativa.

Por sua vez, a Greenvolt implementou uma Unidade de Produção para Autoconsumo na Essilor Portugal. Através da Greenvolt Next, foram instalados mais de mil painéis solares fotovoltaicos que permitem uma redução na fatura energética e reforçam os esforços da filial da empresa franco-italiana de lentes oftálmicas no sentido da redução da sua pegada carbónica.

O grupo industrial Sodecia e o BPI fizeram um acordo de 40 milhões de euros para refinanciar um programa de papel comercial existente, convertendo-o em financiamento sustentável, que apresenta condições indexadas ao desempenho da Sodecia, no atinente à redução da pegada de carbono e ao crescimento das vendas de produtos destinados a veículos elétricos.

A empresa sueca Klarna, uma das maiores fintech do Mundo, tem uma funcionalidade que permite saber se a loja que vende um aparelho eletrónico é ou não amiga do ambiente. E já tem 400 mil utilizadores com conta ativa em Portugal, mercado onde regista mil transações por dia, com um valor médio de compra de 114 euros.

Sines anda num corrupio de visitas institucionais, entre diplomatas e delegações vindas do estrangeiro, que querem perceber o que este concelho do litoral alentejano tem para oferecer. O hidrogénio verde concentra boa parte da curiosidade, mas há outros projetos em desenvolvimento para transformar o antigo polo de combustíveis fósseis numa plataforma global alinhada com a nova agenda verde.

Todavia, estão no ar algumas ambiguidades. Por exemplo, o Credit Suisse, que foi absorvido pelo rival UBS, era considerado o maior dinamizador do mercado debt-for-nature swaps, um instrumento financeiro que ajuda os países mais pobres a obter fundos em troca de projetos para garantir a sustentabilidade ambiental. Apesar disso, segundo a agência Reuters, o banco compara mal com o até agora rival UBS que está em fase mais avançada do processo de transição climática. Dados da Bloomberg mostram que, desde o Acordo de Paris, o Credit Suisse deu empréstimos de 21,7 mil milhões dólares a empresas ligadas aos combustíveis fósseis, ao passo que o UBS, no mesmo período, emprestou só 6,4 mil milhões.

Por outro lado, a União Europeia (UE) queria que os carros com motores a combustão deixassem de ser vendidos, nos 27, a partir de 2035 (quer a neutralidade carbónica em 2050). Mas, na reta final, já com a aprovação no Parlamento Europeu (PE), em fevereiro, culminando processo legislativo que implica o acordo prévio entre os países, a Alemanha pediu à Comissão Europeia (CE) que os carros movidos a combustíveis sintéticos fossem excluídos da meta de 2035. E, a 25 de março, foi anunciado acordo entre a Alemanha e a CE, abrindo espaço à concessão exigida por Berlim: a de que os carros com motor de combustão movidos a eletrocombustíveis (combustíveis sintéticos) possam circular além de 2035.

A indústria automóvel da Alemanha é a maior da Europa e das suas construtoras dependem milhares de postos de trabalho em todo o continente. Marcas como a Porsche não estão tão empenhadas a investir nos motores elétricos e estão a apostar em alternativas aos combustíveis fósseis como os eletrocombustíveis (e-fuels), os quais, apesar de representarem emissões de dióxido de carbono, são produzidos com base em energia renovável, através da captura de CO2 da atmosfera, que é combinado com hidrogénio.

A proposta da CE, apresentada em julho de 2021 para banir a venda de carros com motores de combustão, foi debatida e aprovada pelos 27, no final de 2022; e, tendo ido a votos em fevereiro deste ano, foi aprovada pelos eurodeputados. Porém, o veto da Alemanha foi apoiado por países com indústrias automóveis relevantes, como a Polónia, a Eslováquia, a República Checa, e Itália – que fez saber que só levantaria as suas objeções, se as exceções abrangessem, não só os e-fuels, mas também os biocombustíveis.

A perda do motor de combustão a partir de 2035 – para os carros vendidos até então saírem do mercado em 2050 – representa uma mudança estrutural para as marcas que, há vários anos, investem somas astronómicas para mudarem a forma de produção e modelos de negócio. A alternativa é manter o motor de combustão e descarbonizar a economia: os eletrocombustíveis.

Porém, algumas construtoras de automóveis, como a norte-americana Ford e a sueca Volvo, com mais 45 empresas, assinaram uma carta a apelar a que a UE mantivesse a proibição total de venda de carros com motores a combustão a partir de 2035, medida que “demorou quase dois anos a ser negociada”. Sob a égide do Climate Group, ONG que pugna pela limitação dos impactos das alterações climáticas, a carta defendia que “avançar com a proibição de acordo com o planeado dará estabilidade legal, algo vital para que as empresas possam avançar com os seus planos de descarbonização e investir em veículos elétricos.” “Recuar agora daria origem a um precedente perigoso e a comprometer a confiança no processo legislativo da UE”, alegam, dizendo que as concessões (à data da divulgação da carta ainda não anunciadas) iriam atrasar a transição para veículos puramente elétricos.

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Entretanto, depois de quase 15 anos de negociações foi aprovado, pelos Estados-membros da ONU, o Tratado sobre os Recursos Biológicos do Alto-Mar, incidindo sobre a larga porção de mar que fica além das áreas de jurisdição marítimas dos Estados costeiros. É uma vitória do multilateralismo e do direito internacional, quando os impasses geopolíticos que decorrem da tensão Ocidente/Rússia e Estados Unidos da América (EUA)/China e os velhos antagonismos Norte/Sul não são superiores à vontade coletiva da comunidade internacional, onde muitos países em desenvolvimento foram determinantes para a adoção do Tratado.

O Tratado regula a exploração dos recursos biológicos e genéticos do mar, prevendo de normas e mecanismos que visam proteger e conservar estes recursos, cada vez mais escassos. Assim, é essencialmente um tratado sobre a conservação do alto-mar. Desde logo, prevê a criação de áreas marinhas protegidas no alto-mar, determinante para a sua proteção e para o cumprimento do compromisso mundial de chegarmos a 2030 com pelo menos 30% do mar coberto por áreas marinhas protegidas.

E, para Portugal, tem um significado especial: Portugal começa a compreender que uma das riquezas principais do mar assenta na sua diversidade biológica, que é a matéria-prima da nascente indústria de biotecnologia marinha; e precisa de criar as suas áreas marinhas protegidas, criação que incentiva o cumprimento da obrigação internacional inerente à sua posição de país do mar.

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Terá, a sério, o ambiente melhores dias e será mais promissor o futuro?

2023.03.29 – Louro de Carvalho

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