sábado, 4 de março de 2023

Criação, expansão, perpetuação e relevância do Latim

 

O Latim – língua dos Romanos (originária da região do Lácio, envolvente da cidade de Roma), do pensamento e da fulgurante civilização de Roma – integra a família das línguas indo-europeias, com o Indo-europeu a representar a família de grupos de línguas do oeste asiático (Irão, Paquistão, Índia e Ceilão), na Europa e nas Américas, após as grandes navegações, à exceção do Basco, do Húngaro e do Finlandês, provém do grupo Itálico do Indo-europeu e evolui no tempo e no espaço.  

O período mais aceite em que se falava o Indo-europeu (de 5000 a 2000 a.C.), é o 3.º milénio a.C. (dantes, havia o ítalo-céltico), pois há particularidades comuns às línguas itálicas (Latim, Osco, Umbro, etc.) e às célticas (Bretão, Irlandês, Galês, etc.), comparativamente com as outras línguas indo-europeias. Porém, o grupo das línguas itálicas tem ligações mais estreitas entre si do que qualquer outro grupo indo-europeu, como o Germânico, o Grego, o Balcânico-eslavo e o Indo-iraniano. Não há documentos em Indo-europeu, pois este é reconhecido na reconstituição pelo método histórico-comparativo (século XIX), inaugurado por Franz Bopp, comparando o sistema de conjugação do Sânscrito, do Latim, do Grego, do Persa e do Germânico.  

O Latim foi a língua oficial e representante do poder de Roma. E, para solução das ambiguidades da expressão latine loqui (falar à moda do Lácio), divide-se a sua História em períodos, conexos com a História política de Roma, que abrange três épocas às quais correspondem três regimes: Realeza (das origens a 509 a.C.), República (de 509 a 27 a.C.) e Império (de 27 a.C. a 476 d.C.).

Em seis a oito séculos de Império, do século III a.C. ao século II d.C., ou mesmo até ao século V d.C., o Latim conserva aparente fixidez, que não corresponde à situação linguística real, pois essa imobilidade esconde uma mudança radical na sua estrutura interna, graças à evolução. Com a ruína do Império e da sua civilização, os resultados da mudança rapidamente se manifestam. O Latim, entre os séculos VI e IV.C., era bastante uniforme, sendo foco irradiador dessa unidade o sermo urbanus de Roma. É o Latim arcaico, língua de camponeses, com forte influência do Indo-europeu. E um dos fatores de divulgação do Latim no Império é o exército. O soldado ensina a sua língua e pronúncia, mas aprende a prosódia e a língua dos companheiros. E o Latim torna-se mestiçado com os dialetos afins e apresenta arcaísmos condenados em Roma.

Quando os romanos começam a projetar-se, o Latim já é um mosaico de raças. Por volta do ano 500 a.C., Roma expulsa os Etruscos, originários do norte de Roma, cujo domínio se estendera a Roma e a Cápua, no sul. A posição estratégica da cidade e a capacidade para alianças levam os Romanos a vencer os Etruscos, a norte, e os Samnitas, a sul. Sucedem-se várias guerras na expansão, de 500 a.C. a 117 d.C. E o Império atinge a extensão máxima, com 301 províncias.  

Destacam-se algumas datas: Em 494 a.C., uma tropa de plebeus, que fala o sermo plebeius, ocupa o monte Aventino, reivindicando igualdade de direitos e acesso a cargos públicos. É a primeira greve conhecida. Porém, só em 287 a.C. ocupam todas as magistraturas. Em 272 a.C., toda a Itália integra a confederação romana; e os povos submetem-se ao direito romano, pagam impostos e obrigam-se ao serviço militar. As três guerras contra Cartago, potência naval no século III a.C., ocorrem após a subjugação dos povos da Itália. Com a 1.ª guerra (269-241 a.C.), os Romanos anexam a Sicília, em 241 a.C., a Sardenha e a Córsega, em 238 a.C. Após a 2.ª guerra (218-201 a.C.), vencida por Cipião, o africano, chamam o Mediterrâneo de Mare Nostrum. E, com a 3.ª guerra (149-146 a.C.), destroem Cartago e tomam o Norte da África, nova província romana. Expandindo-se em várias frentes, Roma incorpora a Hispânia, em 197 a.C., o Illyricum, em 167 a.C., a Grécia (Achaia), em 146 a.C., a Ásia Menor, em 129 a.C., a Gália Narbonensis, em 120 a.C.. A Gália Cisalpina, tomada em 191 a.C., torna-se província em, 81 a.C., e submete os Vénetos, em 215 a.C.. A Gália Transalpina é a grande conquista de César, em 51-50 a.C.. Outras conquistas: Egito (30 a.C.); Récia e Nórico (15 a.C.); Panónia (10 d.C.), Capadócia (17 d.C.), Britânia (43 d.C.), Dácia (107 d.C.), com Trajano, que faz as últimas, de 114 a 117 d.C. e incorpora a Arábia do Norte, a Assíria, a Arménia e a Mesopotâmia.   

Isto implica a latinização. No Oriente, é superficial. A Hispânia e a Sardenha levam dois séculos a romanizar-se. Outros territórios, como o Agri Decumates e a Britânia, não romanizados, mas têm marcas do Latim, que passa por fases: da fundação de Roma (753 a.C.), patente em inscrições, à queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) ou à invasão longobarda (568 d.C.).

1. O Latim arcaico. A sua mais antiga inscrição data de cerca de 600 a.C., em latim dialetal, o Prenestino: “MANIOS MED FHEFHAKED NVMASIOI” = “Manius me fecit Numerio” (Mânio fez-me para Numério). É inscrição duma fivela de ouro encontrada em Preneste (Palestrina). Daí a designação de fíbula prenestina, cujas marcas são: a conservação do ditongo oi (em numasioi), o dativo (o i final cai e a desinência de dativo passa a o), a conservação do s intervocálico, que sofre rotacismo (como em flos, floris; honos, honoris), e a reduplicação do pretérito perfeito fhefhaked, além da desinência secundária em d. No Latim arcaico era feced (atestado no “vaso de Duenos”), que evoluiu para fecit. E é de notar a posição medial do verbo, a contrastar com a usual no Latim clássico, o fim da frase. Muitas tendências do Latim vulgar (sermo vulgaris, falado e escrito no quotidiano), presentes no Latim arcaico, resultam da estrutura do Indo-europeu e verificam-se em quase todas línguas europeias. A epigrafia latina comprova a pronúncia do ē e do ō como e fechado e o fechado, respetivamente, pois o ō longo surge não raro representado por u e o ē longo por i. O Umbro apresenta apócope do –m final e o Osco-umbro tem a partícula de reforço dos demonstrativos –ce, idêntica ao Latim. Havia, pois, na origem, falares do Latim de Roma. Além do Prenestino, sobressai o Falisco, de Falérios (Falerii). Os dois têm caraterísticas mais arcaicas do que o Latim arcaico. Como documentação do Latim arcaico, há apenas outros escritos epigráficos, como os epitáfios dos Cipiões, dos séculos V ou IV a.C.

O Latim, como o conhecemos, burilado pelos escritores do período áureo, não saiu assim do Indo-europeu. Fruto de amadurecimento e elaboração longos, chega ao momento do maior esplendor, precedido de estágios bem demarcados e seguido de subsequentes estágios, que irão culminar na formação das línguas românicas modernas. Com o advento da Literatura Latina, a partir do século III a.C., o Latim escrito ganha rigor até atingir o máximo da sua estética na época de Cícero e de César, onde é clara a influência helénica, com os gramáticos e os escritores. Inicia-se a expansão da língua falada, pela ação dos gramáticos, da literatura e da classe culta. É já o Latim clássico.

Porém, os únicos prosadores tipicamente clássicos são Cícero e César, embora haja diferenças entre a prosa dos discursos de Cícero e a das obras filosóficas e dos tratados de retórica, excluindo-se as cartas, com marcas da língua familiar, mas sem fosso profundo a separá-las. Contudo, tendo em conta todo o Período Clássico, incluem-se Salústio, Tito Lívio e Cornélio Nepos. Porém, há diferenças de sintaxe entre Cícero e Lívio; e Salústio, Lívio e Nepos são menos severos na escolha das construções que a língua do tempo permitia. Lívio e Salústio são escritores de uma prosa cuja sintaxe é mais ou menos poética, caraterística a aumentar em Tácito.

2. O Latim clássico é a norma literária estilizada, que vai de 81 a. C. a 14 d.C. e cujos principais representantes são Cícero, César e Salústio, na prosa e, no verso, Virgílio, Horácio, Ovídio, Lucrécio e Catulo. É a estilização do sermo urbanus ou sermo usualis, língua coloquial das classes cultas. Os escritores deste período percebem as variantes do Latim e caraterizam-nas adjetivando a palavra sermo que significa conversação. Três fatores originam as variantes da língua: a variação social, correspondente à estratificação social, a variação geográfica, correspondente às diferenças geográficas, e as diferenças relativas ao grau de formalidade da situação de fala. A língua literária continuou no sermo ecclesiasticus (a partir do século 5 d.C.) e no sermo profanus, com os tratados de Medicina, Filosofia, Ciência, etc., na Idade Média, e penetrou na Idade Moderna. É a língua da Santa Sé e dos documentos da Igreja Católica; é usada na Botânica e na Zoologia; e é superestrato das línguas românicas e adstrato de línguas não-românicas, como o Inglês.

O sermo classicus fixou-se em língua escrita, mas o sermo urbanus (latim culto falado, no qual teve origem) extinguiu-se com a ruína da classe social que o sustentava.

3. O Latim culto falado. O sermo urbanus era falado pelas classes altas de Roma, correto gramaticalmente, exceto na linguagem coloquial, mas sem o refinamento da norma literária, com as longas frases de subordinação e de termos disjuntos. Desapareceu como língua falada entre os séculos V e VI, com o aniquilamento das cidades e da vida cultural que apresentavam, a par da classe social que a mantinha, mas continuou nas academias. Ocorrera a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C., século V) e surgiram as invasões bárbaras (destacando-se os Longobardos na Itália, em 568 d.C.), na Europa, no século VI. Gramaticalmente, é língua correta – sem os erros do sermo uulgaris (latim vulgar), mais próprio de plebeus, sermo plebeius –, mas não goza dos refinamentos da prosa e da poesia artísticas. Cícero aponta a diferença de formalidade no emprego do Latim em carta ao amigo Paetus: “Quid tibi ego in epistulis uideor? Nonne plebeio sermone agere tecum... Epistolas uero cotidianis verbis texere solemus”. (Que te pareço eu nas cartas? Não pareço falar contigo? Com efeito, costumamos tecer as cartas com as palavras do quotidiano.) (Ad Fam.,IX,21). Tem-se, pois, desde o início, notícia da coexistência da variedade culta falada e da variedade falada pelas classes populares (plebeias). Porém, mais tarde, enquanto a língua literária se eximia dos elementos alheios a Roma, a língua corrente exprimia o contacto com eles. A fala rústica e vulgar era instrumento pelo qual se entendiam Romanos, Prenestinos Faliscos, Oscos e Umbros. A língua da sociedade elegante (sermo quotidianus ou sermo urbanus ou usualis ou consuetudinarius) e a das classes baixas (sermo plebeius) não eram compartimentos estanques. De facto, muitas caraterísticas da língua popular apareciam no uso corrente das classes altas. Não é apenas Cícero que anota a diferença no grau de formalidade entre os discursos e tratados filosóficos e as cartas. Também Quintiliano, um século depois, aborda a diferença entre a norma do Latim (grammatice loqui) e o uso deste na comunicação (latine loqui), dizendo que o bom Latim é o de Roma (urbanitas), não o do campo (rusticitas).

4. O Latim vulgar. Era falado pela massa popular do Império, menos favorecida, analfabeta e ignorada por gramáticos e escritores. Distinguia-se do Latim culto falado e do clássico ou literário nos aspetos gramaticais. Era mais simples, expressivo, concreto e permeável a elementos estrangeiros. Foi-se transformando até que, mais ou menos em 600 d.C., constituía os primeiros romances (primevas manifestações das línguas românicas, próximas do Latim vulgar) e, a partir do século IX, as línguas românicas. As caraterísticas gerais deste Latim remontam ao fim da República ou ao começo do Império, ou seja, desde o século I a.C. ou, no máximo, desde o século I d.C. Mas é comum datarem-se dos séculos III ou IV da era cristã numerosas inovações atestadas pelas línguas românicas. O Latim vulgar é popular e existiu em todos os períodos da Língua Latina. Pertencia à população pouco ou nada escolarizada, pelo que não terá sido influenciado pelos modelos literários ou pela escola. Não sucede ao clássico, antes coexiste com ele, tendo origem nos meios plebeus e nas cercanias de Roma, sendo falado pela plebe romana, embora muitas das marcas contagiassem a classe média e até as classes altas, sobretudo na época imperial. Tratando-se de uma variedade de formas conexas com o Latim falado (mas não só), alguns não consideram que haja textos em Latim vulgar. Quase nenhum texto, que contenha vulgarismos, é vulgar, à exceção da Cena Trimalchionis, de Petrónio e dos comediógrafos, sobretudo Plauto, que põem a falar personagens do povo. A sua escrita envolve convenções e mesmo os escritores sem pretensão literária seguem a convenção. A Bíblia traduziu-se neste Latim (também genuíno).

Olha-se o Latim vulgar como um conjunto de tendências que se manifestavam conforme o maior ou menor grau de educação dos que o falavam e segundo o tempo e os lugares onde era falado. Porém, apesar da variabilidade cronológica, social e geográfica, possui homogeneidade extensa para ser entendido no seu vasto território. Havia uma unidade no Latim vulgar que o tornava uma espécie de koiné latina. Quintiliano justifica a simplicidade da norma com a ausência de dialetos, ao invés do Grego. Não obstante, porque o Latim vulgar é um conjunto de tendências, é inexato falar em gramática do Latim vulgar. É pela gramática comparada das línguas românicas que se reconhecem as particularidades do Latim vulgar, sobretudo pelo que nos revelam o Sardo e o Romeno, de um lado, e as outras línguas românicas, de outro – posição unânime entre latinistas e romanistas. O Latim vulgar tinha, desde Plauto e mais a partir de Cícero, peculiaridades gerais que lhe davam cariz bastante definido, em oposição ao sermo urbanus e ao sermo litterarius.

Tais diferenças provinham de três fatores principais. Primeiro, o Latim vulgar representa a língua do povo comum, da plebe romana, e o Latim clássico é um produto da sociedade aristocrática; a enorme oposição social entre as duas classes reflete-se na língua e explica as diferenças no vocabulário e na sintaxe. Segundo, o Latim clássico, apesar de originado num Latim vivo e falado, é mais conservador e arcaizante do que o Latim vulgar. Terceiro, o Latim vulgar é fruto de uma população heterogénea, que usava a Língua Latina, fazendo-a evoluir, sem esquecer que a criação da literatura é obra de estrangeiros (basta citar Lívio Andrónico, Énio, Plauto e Terêncio).

Cícero afirma que o falar da cidade, no seu tempo, era diferente do século anterior, no qual ainda se ouvia o bom Latim, embora assinale a existência de linguagem corrompida em muitas famílias do século II a.C. E atribui a deturpação do Latim à invasão de estrangeiros que falavam mal a língua. Para tornar a comparação entre o Latim vulgar e o Latim culto ou mesmo o literário mais próxima à nossa realidade, podemos pensar no Português falado pelas populações de um âmbito social limitado a nível de escolarização, que apresenta, ao lado da simplificação gramatical, restos de linguagem arcaica, abandonados na língua culta. A impressão que nos dá ouvir um Português cheio de erros em comparação com a norma culta é a que teria um romano escolarizado ao ouvir o Latim vulgar, acostumado à língua ricamente flexionada e elegante.

As diferenças entre sermo plebeius e sermo urbanus evidenciam-se na pronúncia, no vocabulário, na sintaxe e na morfologia. A distância que separa os dois registos de língua era pequena, a princípio, mas já podia ser vista a partir do século IV a.C. O vocabulário era, em parte, o mesmo, sobretudo o que servia para o uso quotidiano: coisas, animais, plantas, etc. O Latim vulgar nunca se isolou da língua literária, pois sempre houve convívio entre as classes, através do teatro, às vezes pela escola e, mais tarde, pela Igreja. Vestígios fonéticos, morfológicos, sintáticos e de um vocabulário semelhante à língua clássica também ocorrem nas línguas românicas. Trata-se de sobrevivências de época em que o Latim vulgar conhecia essas formas, perdidas depois na maior parte do território. Por exemplo, o Sardo conserva melhor as vogais do latim clássico. É, assim, razoável dizer que o Latim falado apresenta matizes diversos e uma gradação contínua, desde a linguagem inculta dos plebeus proletários dos bairros pobres de Roma até ao falar elegante das pessoas cultas. Porém, enquanto, nessa forma elegante, a língua falada divergia pouco da dos textos literários nas camadas inferiores da sociedade romana e, mais tarde, na população latinizada do Império, esse Latim admitia inovações revolucionárias. É, pois, claro que, entre os séculos I a.C. e I d.C., conviviam sermo classicus ou literarius, sermo urbanus e sermo plebeius.

A nível gramatical, o Latim clássico é língua sintética, com terminações próprias (desinências) da palavra, que lhe indicam a função sintática (as palavras que possuem flexão são nomes, adjetivos, pronomes e verbos). Assim, a frase Intelligenti pauca traduz-se por ‘Ao que sabe compreender, pouca coisa basta’. Além disso, é língua concisa, pois utiliza os termos essenciais. Não há artigos (definido e indefinido) e podem omitir-se palavras em contextos sintáticos que línguas como o Português e o Francês não permitem. É língua de ordem livre, em decorrência do sistema de casos que permitem recuperar as funções semânticas e gramaticais dos nomes. Portanto, são a concisão, a ordem livre dos elementos na frase e a riqueza morfológica dos nomes, dos pronomes e dos verbos que configuram a índole sintética do Latim. Muitas gramáticas dedicam-se à morfologia, apresentando as declinações dos nomes e a conjugação dos verbos (concordância nominal e verbal), como sendo a gramática. Pouca sintaxe se vê nelas, mas destacam estas peculiaridades sintáticas: o acusativo com infinitivo, as diversas funções do ablativo, inclusive a oração subordinada em ablativo (ablativo absoluto) e o uso das formas nominais do verbo. Já o Latim vulgar é analítico, pois, devido à perda dos casos, exprime as funções gramaticais com preposições (complementos indiretos e circunstanciais) e com a ordem das palavras (sujeito, predicado e modificadores do verbo). A frase popular usa mais os pronomes pessoais (1.ª e 2.ª pessoas), possessivos, demonstrativos, e inova com os artigos (definido e indefinido) e com o pronome pessoal de 3.ª pessoa. Simplifica-se e fixa-se a disposição das palavras, em oposição ao Latim literário, onde a ordem obedece às preocupações de estilo.

O Latim vulgar tem as seguintes caraterísticas: substituição do accusatiuum cum infinitiuo por construções formadas por conjunções e pronomes relativos; inflação com pronomes pessoais de 1.ª e 2.ª pessoas; inflação com diminutivos; emprego dos demonstrativos ille e ipse, às vezes com o sentido similar ao do artigo definido das línguas românicas; confusão no emprego dos casos; aumento de frequência das preposições; confusão nas declinações; mudanças de género; ordem direta da frase (sujeito-verbo-modificadores do verbo e da frase); e uso de expressões coloquiais. Havia, pois, duas variedades de língua falada: a exuberante e rica, semelhante ao Latim clássico, mas sem a sua estilização; e a pobre em recursos gramaticais, mas rica em concretude e expressividade, que originou as línguas românicas.

O esquecimento do sermo urbanus, dissociado do Latim literário, levou a entender o Latim clássico como língua artificial, oposta à da plebe, sem vínculo à língua culta falada. Ora, ele não é criação de letrados, nem imitação do Grego, mas língua literária modelada pela língua culta.

2022.06.18 – Louro de Carvalho

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Referências bibliográficas:

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