terça-feira, 21 de março de 2023

Pede-se realismo na análise do efeito das crises bancárias

Primeiro, faliram bancos americanos considerados, nos Estados Unidos da América (EUA), bancos de média dimensão; agora, regista-se a falência do Credit Suisse (CS). E, tanto num caso como no outro, os analistas e os governos garantiram que os bancos da Zona Euro (e, obviamente, a banca portuguesa) estavam a salvo de qualquer consequência nefasta daí decorrente.

No quadro do outrora poderoso banco suíço, os resultados tranquilizavam, pouco interessando o histórico dos últimos anos. Entretanto, dos 2,7 milhões de euros investidos no CS restam apenas 119 mil euros na carteira do fundo de reserva do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). É uma perda de 96%. Mas as nossas robustas pensões pagam tudo!

O FEFSS apresentava, no final de 2021, uma exposição de 1,5 milhões de euros àquele banco, pesando o investimento no histórico banco suíço 0,006% na carteira de 23,2 mil milhões de euros do FEFSS, espelhando uma posição praticamente irrelevante, como chegou a referir Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. No entanto, segundo as contas do FEFSS, o CS tem tido impacto negativo na carteira do fundo da Segurança Social há vários anos. Por exemplo, até 2021, a posição do CS acumulava perdas potenciais de 1,3 milhões de euros no portefólio do fundo, pois, entre as quase 150 posições diretas em empresas, a posição no Credit Suisse era a terceira no ranking dos piores investimentos acionistas do FEFSS, apenas superada pelas perdas potenciais (desvalorizações das posições acionistas) de dois milhões de euros dos investimentos na petrolífera BP e no banco HSBC.

E, como a gestão do FEFSS não aumentou nem reduziu a exposição ao Credit Suisse no último ano, as perdas potenciais com o investimento no banco suíço são praticamente totais: de um investimento inicial de 2,77 milhões de euros, sobram 119 mil euros, considerando o rácio de troca de 22,48 ações do CS por uma do UBS , acordado no negócio da compra do banco. A 17 de março, a ministra da tutela, questionada sobre a exposição do FEFSS ao Credit Suisse, respondeu “a exposição é mínima ou ínfima”, devido a “uma grande capacidade de diversificação das próprias aplicações”, e que temos de salvaguardar a não dependência excessiva do mercado.

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Não obstante, a perda de 96% do investimento do nosso FEFSS é só uma gota no oceano.

Ao fim de mais de 160 anos o CS foi absorvido pelo rival, a bem da confiança e da salvaguarda do resto do sistema financeiro mundial. E não faltavam bandeiras vermelhas, nos últimos anos, numa das 30 instituições de risco sistémico global – que se tornou demasiado complexa para ser controlada e cuja cultura de risco era, no mínimo, negligente.

Escândalos, coimas milionárias, enormes prejuízos com operações financeiras e casos de espiões, contribuíram para a degradação da reputação, cujos problemas tardaram a ser resolvidos.

Agora, foi apanhado pela onda de instabilidade devida à falência do Silicon Valley Bank (SVB), nos EUA, quando procurava arrumar os problemas do passado e virar a página. É a maior vítima da subida das taxas de juro pelos bancos centrais no mundo, mas deve o seu fim a si próprio.

Desde a anterior crise financeira, as ações do CS perderam quase 99% do valor, com a venda a cerca de 0,75 francos suíços ao UBS. O resgate foi feito com desconto, avaliando o Credit Suisse, com mais de 550 mil milhões em ativos, em apenas três mil milhões de dólares.

Com a queda do SVB a colocar o setor da banca no centro do furacão, a pressão em torno do CS – habituado a gerir as fortunas da realeza árabe e dos oligarcas russos – intensificou-se depois de o seu principal acionista, o Saudi National Bank, ter afirmado publicamente que não podia investir mais no banco – depois dos quatro mil milhões injetados poucos meses antes.

Só uma injeção de 50 mil milhões do banco central salvara a instituição do colapso iminente, enquanto investidores e depositantes tiravam o seu dinheiro de lá, não deixando alternativa aos reguladores e ao governo, se não avançassem com o resgate.

Há algum tempo que o CS procurava mudar de vida, depois dos últimos casos quase terem dado a machadada final na reputação do banco. Em março de 2021, a queda da Archegos Capital – mercê de apostas arriscadas nos mercados acionistas – levou o banco a assumir a perda de mais de 5,5 mil milhões de dólares. E, enquanto geriam esta crise, os responsáveis do banco lidaram com o colapso dos fundos Greensill, de 10 mil milhões de dólares.

O banco teve uma “atitude indiferente em relação ao risco” e “falhou em vários momentos para tomar medidas decisivas e urgentes”, concluiu um relatório independente.

Entrementes, esteve envolto em mais casos, como o da queda da chinesa Luckin Coffee, rival da Starbucks e “cliente de sonho” para o Credit Suisse, que descambou em bolsa, depois de se saber que empolou, artificialmente, as vendas em mais de 300 milhões, e também da Wirecard.

Para ajudar na transformação, o banco convidou António Horta Osório, que, alegadamente, fizera, com sucesso, a reestruturação do britânico Lloyds, mas o renomado gestor saiu, quando se apercebeu de que não havia vontade de mudar a cultura interna, embora se atribuam, oficialmente, as razões da saída à violação das regras da quarentena na crise pandémica. E, após o prejuízo de 7.000 milhões em 2022, o objetivo era regressar aos lucros em 2024, já reestruturado com o corte de recursos humanos e com a transformação das operações de banco de investimento.

Antes dos casos da Archegos e Greensill, o CS passou por outras situações embaraçosas – como os casos de espionagem – e outras que acabaram tragicamente, afetando a imagem de um negócio que vive da confiança dos clientes, mais do que tudo.

Em 2015, descobriu que um gestor da área da banca privada usou um esquema fraudulento, durante anos, para esconder perdas dos clientes. Acabou condenado em 2018, suicidando-se dois anos depois. O banco terá cedido ao mau comportamento do funcionário, enquanto as coisas deram resultado, mas não se concluiu que soubesse da fraude.

Em fevereiro de 2020, o então CEO Tidjane Thiam foi forçado a abandonar a liderança do banco na sequência de um caso de espionagem, que não foi uma situação isolada. O caso começara um ano antes, quando Thiam e Iqbal Khan, que geria a divisão de património e ambicionava liderar o CS, se envolveram numa discussão num jantar. Semanas mais tarde, Khan pediu a demissão, depois de ter sido preterido numa promoção dentro do banco, e encontrou, depois, emprego no rival UBS. A mudança causou apreensão no CS, que mandou vigiar o antigo funcionário. Numa deslocação à baixa da cidade de Zurique, Iqbal Khan confrontou um dos investigadores privados que o seguia, expondo o caso.

Cinco outros casos de vigilância foram detetados entre 2016 e 2019, segundo investigação feita na sequência do caso Khan.

Por conta dos casos de espionagem e por financiamento corrupto a Moçambique, o banco foi condenado a multas de mais de 500 milhões de dólares pelos reguladores do Reino Unido e dos EUA. Agora, com a absorção pelo UBS, fica a dúvida se estas práticas e casos foram definitivamente eliminados. “O fim do Credit Suisse é um revés para a marca Suíça. Não havia outra solução”, referiu o antigo vice-governador do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio. “A turbulência nos mercados deve ter acabado, assim espero”, porfiou.

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O Banco Central Europeu (BCE) não vê sinais de contágio da turbulência no setor nos bancos da Zona Euro, apesar de os resgates ao Credit Suisse e ao First Republic Bank não terem restabelecido a confiança dos investidores. Por causa destas tensões, o BCE fez uma reunião de emergência, a 17 de março, para avaliar a instabilidade e a volatilidade no setor, mas recebeu a informação de que os depósitos se mantêm estáveis na Zona Euro e de que a sua exposição ao CS é imaterial. O Credit Suisse tombou mais de 10%. E o First Republic Bank, dos EUA, também  resgatado recentemente e que teve a boia de salvação de 30 milhões de dólares, da parte dos principais bancos de Wall Street, incluindo o Bank of America, o JPMorgan Chase, o Wells Fargo e o Citigroup, viu os títulos a afundar em mais de 20%.

Dados do BCE mostram que os bancos da Zona Euro têm cerca de quatro biliões de euros em excesso de liquidez, dinheiro que lhe querem devolver, pois estes empréstimos tornaram-se mais caros. Um responsável do governo alemão afastou comparações entre a atual situação dos bancos europeus e a crise financeira, vincando não haver motivo para preocupação com o setor.

Em Portugal, os bancos também asseguram ter uma exposição irrelevante ao Credit Suisse.

E o BCE, depois de ter avançado com nova subida das taxas de juro em 50 pontos base, afirmou que os bancos da Zona Euro estão muito mais fortes do que em 2008.

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Face à turbulência na banca sentida nos últimos dias, a presidente do BCE, Christine Lagarde, falando no Parlamento Europeu, salientou que as autoridades suíças agiram rapidamente, no caso do CS, e que “o setor bancário da Zona Euro é resiliente”. Porém, assegurou que a caixa de ferramentas do BCE está pronta para dar apoio de liquidez ao sistema financeiro, se for necessário. “Seja como for, a caixa de ferramentas do BCE está pronta para dar apoio de liquidez para o sistema financeiro, se for necessário, e para preservar a transmissão suave da política monetária.”

Por outro lado, realçou que o aumento das taxas de juros foi decidido antes da crise e que estas são o grande instrumento de controlo da inflação, junto com a política orçamental. 

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Por fim, é de frisar que o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, salientou que é muito desejável que a incerteza da evolução da taxa de inflação se reduza e avisa que é preciso impedir que os problemas de bancos fora da Zona Euro cheguem ao setor bancário em Portugal.

Durante a sua intervenção, num almoço com a Associação de Hotelaria de Portugal, a 20 de março. Mário Centeno deixou uma palavra de confiança, ao frisar que o banco central está atento aos desenvolvimentos e aos riscos que se põem aos bancos e a Portugal. Por outro lado, apontou a evolução da inflação e das taxas de juro, frisando que, acima de 2%, “é uma coisa má e nunca temporária”. E, dos bancos portugueses, disse que, nos últimos anos, reduziram o risco, com menos crédito malparado, e que estão mais “muito mais capitalizados”, vincando que dois bancos concluíram com sucesso os planos de reestruturação (Novobanco e Caixa Geral de Depósitos).

Todavia, avisou que qualquer problema nos mercados financeiros é um risco acrescido. “É muito importante minimizar a turbulência que se gera em torno do setor bancário da área do euro e que nos possa afetar. Todos sabemos que com as interações que os mercados têm, os riscos que enfrentam, temos de continuar a monitorizar, de estar atentos a essa dimensão”, acautelou.

Já a 6 de março, Mário Centeno, em entrevista ao jornal italiano La Stampa sublinhava que os recentes dados para a inflação referente a fevereiro ficaram “vários pontos base abaixo da previsão de dezembro, pelo que preconizava que os membros do conselho do BCE analisassem “com muito cuidado” as novas projeções de março, que podiam ser mais baixas. E, apesar da subida da inflação subjacente, Centeno alertava que “não se devem tirar conclusões precipitadas” e insistiu na queda da evolução geral dos preços em fevereiro. Entretanto, o BCE aumentou as taxas de juro diretoras em 50 pontos base. Agora, garante solidez e promete apoio à liquidez.

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Em maré de crise bancária, é tão imprudente fazer asserções que ponham em causa a confiança como alardear a imunidade aos efeitos colaterais. E, ao mínimo sinal, há que agir adequadamente. 

2023.03.21 – Louro de Carvalho


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