domingo, 5 de março de 2023

Acordo histórico na ONU com vista à proteção do alto mar

 
Após 15 anos de discussões e de negociações, com o objetivo de enfrentar as ameaças que pesam sobre ecossistemas vitais para a humanidade, os estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) chegaram a acordo, no dia 2 de março, sobre o primeiro tratado internacional de proteção do alto mar, com um documento que define as bases para o estabelecimento de áreas marítimas protegidas, com a ambição de salvaguardar até 30% dos oceanos até 2030.
A proeza, que resultou de consenso muito trabalhado, paralelamente à “Our Ocean Conference” de 2023, em torno do tema “O Nosso Oceano, a Nossa Ligação”, realizada no Panamá, o primeiro país da América Central a acolher esta importante conferência das Nações Unidas sobre a problemática dos oceanos, no âmbito mais geral das alterações climáticas.
A conferência do Panamá criou um espaço de diálogo colaborativo entre Chefes de Estado, setor privado, sociedade civil e academias, em torno da conservação e da utilização sustentável dos recursos marinhos, bem como a consciência pública sobre a importância do oceano, ameaçado pelos fatores de degradação.
No dia 2 de março, o Secretário Executivo do COI, Vladimir Ryabinin, moderou o Painel 3 – “Alterações climáticas: enfrentar as consequências climáticas”, sob o tema “O efeito das alterações climáticas na saúde do oceano: biodiversidade e comunidades costeiras”.
E, no mesmo dia, Vladimir Ryabinin fez as observações finais no evento oficial paralelo “Futuro dos Recifes” (o Mundo já perdeu 14% deles), que se concentrou em soluções replicáveis dirigidas aos principais condutores locais de degradação dos recifes de coral e vias para o financiamento sustentável. A discussão liderada por especialistas incluiu a transição das economias locais para “recifes positivos”, esforços em curso para atrair financiamento privado, e pontos-chave para os corais na liderança até à COP28 (28.ª conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), a realizar, de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023, na Expo City, no Dubai.
Embora o texto do acordo dos estados-membros da ONU para a proteção do alto mar tenha sido finalizado e não deva sofrer alterações substanciais, apenas deverá ser formalmente adotado mais tarde, depois de ser revisto pelos serviços jurídicos e traduzido nas seis línguas oficiais da ONU.
O conteúdo exato do documento não foi imediatamente publicado, mas os ativistas saudaram-no como um passo decisivo para a proteção da biodiversidade.
É um tratado histórico, pois é considerado essencial para a conservação de 30% da terra e do oceano até 2030, em conformidade com o acordo assinado em Montreal, em dezembro.
“Este é um dia histórico para a conservação e um sinal de que, num mundo dividido, proteger a natureza e as pessoas pode triunfar sobre a geopolítica”, disse Laura Meller, da Greenpeace.
“O navio chegou à costa”, anunciou a presidente da conferência, Rena Lee, na sede da ONU, em Nova Iorque, pouco antes das 21h30 (02h30 GMT domingo, 3 de março), para um aplauso forte e prolongado dos delegados.
Após duas semanas de intensas conversações – com início a 20 de fevereiro e cujo termo deveria ser o 3 de março – incluindo uma maratona noturna (com mais de 35 horas seguidas de discussões) de sexta-feira, dia 3 de março, para sábado, dia 4, os delegados finalizaram um texto que agora não pode ser significativamente alterado. “Não haverá reabertura ou discussões de substância”, disse Lee aos negociadores. O acordo será formalmente adotado, depois de examinado por advogados e traduzido para as seis línguas oficiais da ONU, anunciou Rena Lee.
O Comissário da União Europeia para o Ambiente, Virginijus Sinkevicius, elogiou o acordo de proteção do alto mar, alcançado na ONU, dizendo que se trata de “um momento histórico” para a preservação dos oceanos. “Estamos a dar um passo crucial para preservar a vida marinha e a biodiversidade que são essenciais para nós e para as gerações futuras”, disse o comissário numa declaração à agência de notícias France Presse, realçando que “este dia marca o culminar de mais de uma década de trabalho preparatório e negociações internacionais em que a União Europeia desempenhou um papel fundamental”.
Por sua vez, o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, felicitando os delegados, falou em “vitória para o multilateralismo e para os esforços mundiais que visam travar as tendências destruidoras que ameaçam a saúde dos oceanos atualmente e para as gerações vindouras”.
Também Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República de Portugal, país com forte vocação oceânica, aplaude o acordo alcançado na ONU, para a criação de um “Tratado do Alto Mar”, com o propósito de promover a preservação dos oceanos. Em comunicado no site da Presidência, o chefe de Estado congratula-se com a obtenção do “acordo histórico”, “após duras negociações”, e que “é fundamental para toda a comunidade internacional e para Portugal, que tem assumido uma posição firme e liderante na preservação do oceano, na aposta no seu conhecimento e no desenvolvimento sustentável de uma Economia Azul.” E releva a preponderância dos compromissos da Declaração de Lisboa “Nosso oceano, nosso futuro, nossa responsabilidade”, que urgia um acordo, ao abrigo da ONU, sobre o Direito do Mar e “sobre a conservação e uso sustentável da diversidade biológica marinha de áreas além da jurisdição nacional”.
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Uma das principais definições acordadas foi a de alto mar. O alto mar começa onde terminam as zonas económicas exclusivas dos Estados, a cerca de 200 milhas náuticas (370 quilómetros) das costas, não estando, por isso, sob jurisdição de nenhum Estado.
Apesar de o alto mar representar mais de 60 % dos oceanos e quase metade da superfície do planeta, atrai muito menos atenção do que as águas costeiras e algumas espécies icónicas, pelo que foi, durante muito tempo, subestimado no combate ecológico, em detrimento das zonas costeiras e de algumas espécies emblemáticas.
Porém, o progresso da ciência mostrou a importância de proteger estes oceanos, repletos de uma biodiversidade muitas vezes microscópica, que também fornece metade do oxigénio que respiramos e limita o aquecimento global ao absorver parte importante do dióxido de carbono (CO2) emitido pelas atividades humanas.
O problema é que os ecossistemas oceânicos criam metade do oxigénio que os seres humanos respiram e limitam o aquecimento global ao absorver grande parte do CO2 emitido pelas atividades humanas, mas estão ameaçados pelas alterações climáticas, pela poluição e pela sobrepesca. Assim, o alto mar – de que só 1% está atualmente protegido – está também a sofrer com essas emissões de CO2, com o aquecimento global e com a acidificação da água, além de sofre também com a poluição de todos os tipos e com a sobrepesca.
Por outro lado, estão em risco de extinção os recifes de corais no alto mar. Estes oásis oceânicos originam-se a partir do carbonato de cálcio segregado pelas colónias de corais pétreos, animais marinhos constituídos por milhares de pequenos pólipos similares às anémonas. Cada um desses diminutos invertebrados está envolto num exoesqueleto calcário que perdura após a sua morte e que, junto ao resto da colónia, forma a estrutura inicial sobre a qual são depositados outros sedimentos, corais e algas que fazem com que o recife cresça. Os conhecidos atóis ou recifes circulares e as barreiras coralinas são diferentes fases de um mesmo recife, surgido, há milhões de anos, ao redor de uma ilha vulcânica que afundou paulatinamente até desaparecer debaixo de água. São ecossistemas muito ricos em biodiversidade, mas sensíveis às alterações da temperatura da água, de modo que o aquecimento e a acidificação dos oceanos os stressam até os deixarem sem cor. É uma reação conhecida como branqueamento, que diminui a sua capacidade reprodutiva e que, inclusive, pode chegar a matá-los.
Trata-se de um fenómeno que afeta cada vez mais os corais do planeta e do Oceano Pacífico, que possui 25% dos recifes do Mundo. E está previsto que isso ocorra todos os anos, nos próximos 15 anos, estimando-se que, até 2050, despareçam entre 70 % e 90 % dos corais, inclusive se se mantiver a temperatura terrestre em 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais.
A proteção dos corais passa pela redução de CO2, pelo mergulho sem danificar os corais, pela abstenção da comercialização de recordações de origem coralina, pela redução do uso de plásticos, pela promoção de projetos da sua conservação e pela construção de corais artificiais, para abrigo das espécies marinhas em causa, sobretudo as que estão mais em vias de extinção.
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Quando o acordo, agora finalizado na ONU, entrar em vigor – depois de ter sido formalmente adotado, assinado e ratificado por um número suficiente de países – deverá criar áreas marinhas protegidas nessas águas internacionais, pois, atualmente, apenas 1% do alto mar é alvo de medidas de conservação, pelo que este tratado é considerado essencial para se conseguir proteger, até 2030, 30% das terras e dos oceanos do planeta.
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Os países em vias de desenvolvimento lutaram para não serem excluídos dos ganhos esperados da comercialização de substâncias descobertas nas águas internacionais. Eventuais lucros são prováveis do uso farmacêutico, químico ou cosmético de substâncias marinhas recém-descobertas que não pertencem a ninguém. De facto, o mar é fonte, embora não inesgotável de inúmeros recursos. Há que protegê-lo dos fatores adversos e distribuir equanimemente os recursos.
Tal como em outros fóruns internacionais, nomeadamente nas negociações sobre o clima, o debate acabou por ser uma questão de assegurar a equidade entre o Sul global, mais pobre, e o Norte mais rico, observaram os observadores.
Num movimento visto como tentativa de criar confiança entre países ricos e pobres, a União Europeia (UE) prometeu 40 milhões de euros (42 milhões de dólares), em Nova Iorque, para facilitar a ratificação do tratado e a sua rápida implementação. E anunciou 865 milhões de dólares (a par dos 6.000 milhões dos Estados Unidos da América) para a investigação, monitorização e conservação dos oceanos em 2023 na conferência “Our Ocean Conference”, de dois dias (2-3 de março), no Panamá. Esta conferência encerrou sem decisão final, mas com 341 compromissos de governos para proteger o ecossistema marinho, que contemplam fundos de quase 20 mil milhões de dólares. A próxima “Our Ocean” ocorrerá na Grécia, em 2024.
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Enfim, três iniciativas de peso para resgate das ameaças dos oceanos. Importa que saiam o papel.  

2023.03.05 – Louro de Carvalho


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