terça-feira, 14 de março de 2023

Paira no ar o receio de nova crise financeira

 

Após a corrida aos depósitos com os clientes a tentarem levantar mais de 40 mil milhões de dólares (cerca de um quarto do total) e a incapacidade de o banco encontrar novo capital, na tarde de 10 de março, as autoridades americanas decidiram fechar o banco Silicon Valley Bank (SVB).

A falência deste banco, que arrastou a do Signature Bank (SB), seu subsidiário, e antecipada pela do Silvergate Bank (SGB), com sede na Califórnia, está a lançar o receio de nova crise financeira. É certo que os especialistas garantem que não há motivo para temor, mas quem sentiu na pele as consequências da crise de 2007 e 2008 têm os seus medos.

A falência de um banco não é, em si, um drama. Porém, em ano de forte abrandamento económico, por via da crise energética e da inflação resultantes da guerra, após dois anos de pandemia, em que a recessão ameaça, a notícia da falência de unidades bancárias do sistema financeiro americano deixou os investidores nervosos em todo o Mundo, pois até os bancos ligados às criptomoedas (SB e SGB) colapsaram. E a desconfiança dos investidores alastrou a outros pequenos bancos, muitos deles igualmente dedicados a “nichos”, com menos regras prudenciais face aos grandes bancos, e mais vulneráveis a corridas aos depósitos. Assim, o First Republic Bank, o 14.º maior banco norte-americano, com 212 mil milhões de dólares em ativos no final de 2022, e dedicado à gestão de grandes fortunas, perdeu 61,8% do seu valor de mercado na sessão de segunda-feira,13 de março. Líderes de fundos de capital de risco foram acusados de agravar a situação, ao mobilizarem as suas participadas a levantarem o dinheiro o quanto antes.

Os reguladores e as autoridades têm feito saber que a situação está controlada. Mas, em pouco tempo, já houve avanços e recuos que deixaram os mercados nervosos. Primeiro, estavam protegidos os depósitos até 250 mil dólares. Agora são todos. As bolsas, a 10 de março, tiveram perdas – os principais índices americanos caíram entre 1% e 2% – e, no dia 14, as praças europeias estavam todas no vermelho. De facto, o fantasma do Lehman Brothers assombra os mercados, quando algo de grave se passa em algum banco. Foi o colapso daquele banco de investimento, em setembro de 2008, que desencadeou a fase mais grave da crise financeira internacional.

Como todos os bancos, o SVB não tinha fundos para, no imediato, pagar todos os depósitos, caso os clientes os quisessem levantar. Ora, desconfiados da saúde financeira do banco após uma análise de rating da Moody´s, muitos clientes levantaram os depósitos. No total, foram cerca de um quinto do total de mais de 200 mil milhões de dólares. Como o banco não tinha margem para vender os ativos em tempo útil e sem enormes perdas para se manter a funcionar, no dia 8, vendeu parte da sua carteira de dívida (21 mil milhões de dólares), perdendo 1800 milhões de dólares, e tentou fazer um aumento de capital, sem sucesso, pelo que foi objeto de resolução bancária no dia 11, com a secretária de Estado do Tesouro, Janet Yellen, a descartar o resgate por parte das autoridades federais e a enfatizar que o sistema bancário dos Estados Unidos da América (EUA) é seguro e está bem capitalizado, devido aos controlos de capital e às exigências adotadas após a crise financeira de 2008.

Dizem os especialistas que isto não tem nada a ver com o que, em setembro de 2008, precipitou o colapso do Lehman Brothers, o qual, enquanto banco de investimento, nem depósitos tinha para ocasionar uma corrida. O que provocou o colapso foi a ingente desvalorização de ativos e a incapacidade de financiamento no mercado interbancário. Embora, solvabilidade (capacidade de os ativos pagarem os passivos) e liquidez (suficiência de fundos disponíveis para assegurar os compromissos de curto prazo) não são a mesma coisa, mas podem, rapidamente, confundir-se e destruir bancos. Se o banco tem de vender ativos, com brutais perdas, para pagar depósitos ou outras exigências imediatas, faz maus negócios e o que era uma pressão da liquidez redunda em problema de solvabilidade. O SVB estava a entrar num beco de saída difícil. Lehman e SVB são diferentes na génese mas, em maré de aperto, o resultado é idêntico. Vale o facto de, ao menos aparentemente, o problema sistémico atual não ser comparável ao de 2008.

A crise do SVB está conexa com o facto de o banco ter grande parte (60%) dos seus ativos em ativos financeiros, sobretudo obrigações de dívida pública e privada, somando a dívida de longo prazo cerca de 90 mil milhões de dólares. O modelo de negócio, que funcionava quando os juros estavam baixos, inverteu-se no último ano. A inflação disparou, a política monetária mudou e os juros subiram rapidamente. Em janeiro de 2022, a taxa diretora da Reserva Federal Americana (FED) estava no intervalo entre 0% e 0,25%; agora está em entre 4,5% e 4,75%.

Quando os juros sobem, o valor das obrigações desce, mormente quando elas são de longo prazo. O Financial Times refere que o valor da carteira de dívida encolheu cerca de 15 mil milhões de dólares. Se mantivesse os títulos até à maturidade (onde serão reembolsados), o valor de mercado não seria relevante; mas, tendo de os vender – e à pressa – perderia bastante. E foi o que sucedeu.

A intervenção do regulador FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) garantiu os depósitos (primeiro, até 250 mil dólares; e, depois, todos), mas implicou a perda da posição dos acionistas, como é usual nestes casos. As ações do SVB estiveram em queda toda a semana. Foi um problema clássico: desvalorização rápida de ativos, dificuldades de liquidez, vendas à pressa e clientes desconfiados a levantar dinheiro. No caso do Lehman, em 2008, nada disto aconteceu. Havia desconfiança, mas era entre instituições que recusavam emprestar dinheiro ao Lehman no mercado interbancário, por não saberem da saúde financeira do banco de investimento.

O SVB não é um banco muito relevante no sistema americano, mas foi a segunda maior falência de sempre de um banco comercial, depois do Washington Mutual em 2008. O SVB tem ativos pouco acima de 200 mil milhões de dólares; o Washington Mutual tinha mais de 300 mil. Seriam dimensões relevantes para Portugal: o ativo da Caixa Geral de Depósitos (CGD) ronda os 100 mil euros. Nos EUA a realidade é diferente. O ativo do JP Morgan, por exemplo, ronda três biliões de dólares, ou seja, 15 vezes o SVB. Depois do SVB, já faliu o SB e tinha falido o SGB, bancos ligados às criptomoedas de menor dimensão – 110 mil milhões de dólares em ativos, no caso do SB –, pelos receios da cobertura dos depósitos em caso de falência. Como em Portugal (que vai até 100 mil euros), também nos EUA os depósitos estão garantidos pelo regulador (o FDIC) até 250 mil dólares.

Aquando da notícia do fecho do SVB, os reguladores avisaram que só estes depósitos estavam protegidos. No caso do SVB, do total de 170 mil milhões em dólares, só 4% estão dentro do patamar protegido. A maior parte dos depositantes perderia parte do valor aplicado.

Com o colapso do Lehman, não se levantou o problema dos depósitos, porque não existiram naquele banco. O problema eram os ativos altamente desvalorizados e as dívidas que rondavam os 600 mil milhões de dólares, bem como a dúvida sobre como iria o sistema financeiro aguentar o embate. E, porque a raiz do problema estava na relação entre bancos e nas posições cruzadas em produtos tóxicos, o colapso do banco propagou a crise por todo o Mundo. Agora, o problema parece mais circunscrito, como vincam economistas, como o Nobel da Economia, Paul Krugman, na comparação com o Lehman: “Parece, no máximo, uma crise setorial bastante limitada.”

À primeira vista, o SVB não será um rastilho como foi o Lehman brothers. Com efeito, são bancos diferentes – um é comercial, outro de investimento – e as causas dos colapsos são distintas. O SVB enfrenta um problema clássico de corrida aos depósitos por receios ligados à solidez do banco, ao passo que Lehman Brothers tinha o mercado interbancário ‘seco’, por desconfiança dos pares quanto à solidez. A questão principal, mais do saber se os colapsos em si são idênticos ou se, do ponto de vista financeiro, são igualmente relevantes, é perceber até que ponto, tal como o Lehman em 2008, o SVB pode ser o rastilho de uma onda de desconfiança sobre o sistema que possa trazer problemas no futuro próximo. Na verdade, a causa do colapso – a rápida subida dos juros – pode afetar outros bancos. Em todo o caso, a banca em geral – nos EUA e na Europa – está hoje mais capitalizada do que na crise financeira.

Os mercados financeiros têm reagido com preocupação mas não há ligação estreita entre o SVB e a banca europeia, incluindo a portuguesa. Pode, efetivamente, ter ligação a startups portuguesas mas a ligação que, em 2008, existia com o Lehman e a banca americana – que exportaram os seus ‘enlatados’ de hipotecas e derivados como os Credit Default Swap (CDS), ou contratos de permuta financeira de crédito, para credores em todo o mundo – não existe agora. O problema é mais circunscrito. Tem mais a ver com a relação entre o banco e os clientes.

A não ser que alastre, de forma drástica, a todo o sistema financeiro, o que não se espera, não terá a capacidade de propagação e de destruição do Lehman Brothers. O presidente dos EUA falou na manhã do dia 13, em Washington, para assegurar que o sistema financeiro americano está sólido e a situação sob controlo. No Reino Unido, a sucursal do SVB foi comprada pelo Hong Kong and Shanghai Banking Corporation (HSBC) por uma libra. Na Europa, as palavras são de confiança: à entrada do Eurogrupo, Fernando Medina lembrou que a banca está mais sólida do que na crise anterior e que o SVB é um banco regional e especializado que não tem impacto sistémico.

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Um conjunto de fatores espoletou a crise: além de práticas de gestão duvidosa, os bancos que fecharam foram vitimados pela subida acelerada das taxas de juro no último ano e pela perda de confiança na solvência dos bancos, associados a negócios de risco como os criptoativos ou start-ups. Quando a confiança nos bancos vem ao de cima, há riscos de se tornar em algo maior, pelo que é necessário ter cautela com estes fenómenos. As medidas tomadas pelo Tesouro dos EUA e pela FED foram rápidas e adequadas, para evitar o contágio.

Assim, não há indicação de que haja contágio à Europa, mas é importante os supervisores e os governantes estarem atentos, comuniquem e decidirem de forma rápida e eficaz, se necessário.

Estes bancos seriam grandes em Portugal, mas são pequenos nos EUA. Estão abaixo dos radares de reguladores, poois não cumprem os requisitos mínimos de ativos (poucas reservas e grande exposição à imobiliária). Na Europa, a regulação foi muito reforçada após a crise financeira, de forma que mesmo os bancos mais pequenos são muito escrutinados e muito supervisionados. Por isso, os receios de contágio à banca europeia são muito infundados, na ótica dos economistas.

À medida que a crise se ia desenrolando, analistas antecipavam a revisão por parte da FED do ciclo de subidas da taxa diretora, agora entre os 4,5% e os 4,75%. A subida das taxas pelo banco central dos EUA (há um ano estavam perto do zero) enquadrada no combate à inflação pode ser alvo de calibração. E, como a crise é escrutinada na Europa, pode fazer com que o Banco Central Europeu (BCE) reforce a prudência no ciclo de normalização da política monetária em curso.

No entanto, uma nota de research divulgada no dia 14 de março, a Goldman considera “limitada” a possibilidade de contágio à Europa, dada a baixa exposição europeia ao setor bancário norte-americano e à “ampla liquidez” dos bancos do Velho Continente. Porém, admite que o BCE, na reunião de política monetária deste mês, aumente as taxas de juro em 50 pontos base, como previsto, com a diferença de que não serão sinalizadas subidas para as próximas reuniões.

2023.03.14 – Louro de Carvalho

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