segunda-feira, 20 de março de 2023

A tatuagem está presente na História humana há muitos séculos

 

Ver na montra de uma parafarmácia o título História da Tatuagem despertou-me a curiosidade e fui espiolhar a História, lembrado de tantas pessoas que vi tatuadas.

tatuagem é uma das formas de modificação do corpo mais conhecidas e cultuadas do mundo. É arte permanente feita na pele humana que, tecnicamente, consiste numa aplicação subcutânea obtida com a introdução de pigmentos por agulhas.

Esse procedimento, durante muitos séculos, era irreversível. Porém, hoje, apesar de a tatuagem ser considerada permanente, é possível  a sua remoção total ou parcial, com tratamentos a laser. O preto e algumas tintas coloridas usadas nas tatuagens podem remover-se mais facilmente do que outros tipos de tintas. O custo e a dor da retirada da tatuagem são maiores do que o custo e a dor da sua aplicação. Métodos de remoção pré-laser incluem dermoabrasão e salabrasão (fricção da pele com sal), mas esses métodos foram substituídos pelo laser, mais eficaz e rápido. Não obstante, as técnicas de remoção podem deixar cicatrizes e variações de cor sobre a pele.

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A História da Tatuagem é tão antiga como a de qualquer outra forma de arte. Porém, a expressão “tattoo”, que a popularizou, só apareceu no século XVIII. Com efeito, a paternidade da palavra “tattoo” é atribuída, no Ocidente, ao capitão James Cook, também descobridor do surf, que escreveu, no seu diário, a palavra “tattow”, também referida como “tatau”, devido ao som feito na execução da tatuagem, em que se utilizavam ossos finos como agulhas e uma espécie de martelinho para introduzir a tinta na pele. Com a circulação dos marinheiros ingleses a tatuagem e a palavra tattoo entraram em contacto com diversas civilizações pelo mundo. Porém o governo da Inglaterra adotou a tatuagem como forma de identificação de criminosos em 1879. E, a partir daí a tatuagem ganhou uma conotação de fora da lei, no Ocidente.

Assim, o termo português “tatuagem” provém palavra tatau, do Taitiano, uma das línguas polinésias, e chegou até nós pelo Inglês tattoo e pelo Francês tatouage. Tinham a tradição da tatuagem os povos circunvizinhos ao Oceano Pacífico, além dos povos dos Mares do Sul.

A prática de pintar, momentaneamente, a pele para ocasiões específicas, com tinta extraída de sementes, como o urucum, ou com outras fontes naturais, está presente em muitas culturas nativas da América, da África e da Oceânia. E, além desse modo de pintura, observa-se, em muitas culturas, a prática de pintura definitiva da pele, por meio de pequenos estiletes de madeira (de bambu ou de outros caules flexíveis, às vezes com pontas de metal), os cinzéis.

A pintura permanente da pele esteve presente sobretudo na região da Polinésia, em tribos maori. 

É da língua dos Maori que vem a expressão “tattoo”. Todavia, a pintura definitiva da pele não foi exclusiva dos Maori. A prática da “tattoo” remonta a épocas de civilizações bem antigas. Algumas múmias do Egito Antigo, quando exumadas, apresentavam sinais de tatuagem. E, em outras regiões da África, da Europa e da Ásia, era cultivado esse tipo de desenho na pele. E, sobre as tribos nativas da Polinésia, é de referir que foi nelas que esta arte ganhou grande expressividade, captada aquando dos primeiros contactos de navegadores europeus com elas.

A moderna História da Tatuagem está conexa com a figura do navegador inglês James Cook, considerado o descobridor da Austrália e o responsável por uma das primeiras navegações de reconhecimento da Oceânia. Em 1769, Cook e a sua tripulação contactaram com os povos maori, que apresentavam o corpo todo pintado com desenhos feitos à base de tinta natural e do uso de cinzel e um martelo artesanal. A palava usada em referência àqueles desenhos era “tu tahou”, que os ingleses contraíram para “tattoo”. E a expressão popularizou-se, pois muitas pessoas passaram a tatuar-se. No século XIX, era muito comum ver marinheiros, presidiários, estivadores, entre outros, tatuarem o corpo para identificação de grupos ou demonstração de alguma singularidade, o que se tornou possível após a invenção da máquina de tatuar, em 1891, por Samuel O’ Reilly. Com efeito, este baseou-se num aparelho muito parecido que havia sido criado e patenteado por Thomas Edison. A invenção da máquina de tatuagem elétrica causou um aumento da popularidade de tatuagens, pois tornou o procedimento muito mais fácil.

Há muitas provas arqueológicas de que se fizeram tatuagens no Egito entre 4000 a.C. e 2000 a.C., bem como de que era usual entre os nativos da Polinésia, das Filipinas, da Indonésia e da Nova Zelância (Maori), que se tatuavam em rituais ligados a religião. Os Ainu, povo indígena do norte do Japão, tinham tatuagens faciais, tal como os austro-asiáticos. Hoje, encontra-se, em diversas etnias espalhadas pelo mundo, a utilização de tatuagens faciais. É o caso dos Berberes do Norte da África, dos Iorubás, dos Fulas e dos Hauçás da Nigéria e dos Maoris da Nova Zelândia.

Foram recuperadas múmias tatuadas de, pelo menos, 49 sítios arqueológicos, incluindo locais na Groenlândia, no Alasca, na Sibéria, na Mongólia, no oeste da China, no Egito, no Sudão, nas Filipinas e nos Andes, destacando-se Amunet, Sacerdotisa da Deusa Hathor do antigo Egito (c. 2134-1991 a.C.), múltiplas múmias da Sibéria, incluindo a cultura Pazyryk da Rússia, e várias culturas da América do Sul pré-colombiana. Em 2015, a reavaliação científica da idade das duas mais antigas múmias tatuadas conhecidas, identificou Ötzi como o exemplo mais antigo hoje conhecido – corpo com 61 tatuagens, embutido em gelo glacial nos Alpes e datado de 3250 a.C.

Os registos escritos em Grego sobre tatuagens datam, pelo menos, do século V a.C. Os antigos Gregos e Romanos usavam tatuagens para penalizar escravos, criminosos e prisioneiros de guerra, mas, embora conhecessem a tatuagem decorativa, desprezavam-na. E a tatuagem religiosa continuou a praticar-se, quase em exclusivo, no Egipto e na Síria, após a anexação romana. Porém, os Romanos, na Antiguidade tardia, tatuavam soldados e fabricantes de armas, prática que era corrente ainda no século IX. As tribos germânicas, celtas e outras tribos da Europa central e setentrional pré-cristã utilizavam tatuagens, de acordo com registos sobreviventes, mas também pode ter sido tinta normal. Os pictos da Escócia podem ter sido tatuados com desenhos elaborados (inspirados na guerra) em preto ou azul-escuro (ou em cobre para tons azuis). Caio Júlio César descreveu essas tatuagens no Livro V da obra “De Bello Gallico” (Guerra da Gália (54 aC). No entanto, estas podem ter sido marcas pintadas, em vez de tatuagens.

Amade Ibne Fadalane escreveu sobre o seu encontro com uma tribo escandinava da Rússia no início do século X. Eram os tatuados de “unhas a pescoço”, com “padrões de árvore azul-escuro” e outras figuras. Contudo, podia ser pintado, já que a palavra usada significa tatuagem e pintura.

No processo gradual de cristianização na Europa, as tatuagens eram, muitas vezes, consideradas elementos remanescentes do paganismo e, geralmente, proibidas por lei. A Igreja, na Idade Média, baniu a tatuagem da Europa (o Papa proibiu-a em 787), por a considerar demoníaca. Apontava-a como vandalismo no próprio corpo, vilipendiando-o enquanto templo do Espírito Santo, pelo qual os fiéis prestam reto louvor a Deus. Esta posição, à época, partia de uma interpretação do livro veterotestamentário do Levítico e das Cartas paulinas (ver 1.ª Carta aos Coríntios 6,19-10).

Porém, de acordo com Robert Graves, no livro “The Greek Myths”, a tatuagem era comum entre certos grupos religiosos no antigo Mundo mediterrâneo, o que terá contribuído para a proibição da tatuagem entre os Judeus, como se pode ver no terceiro livro da Torah, o Levítico.

O primeiro tatuador profissional documentado na Grã-Bretanha estabeleceu-se em Liverpool, na década de 1870. Na Grã-Bretanha, a tatuagem estava associada a marinheiros e a criminosos, mas, a partir da década de 1870, tornou-se moda em membros das classes superiores, incluindo a realeza. Porém, a divisão de opiniões sobre a aceitabilidade da prática continuou, por algum tempo, na Grã-Bretanha.

Fizeram tatuagem inúmeras personalidades históricas, tais como o Czar Nicolau II, o Kaiser Guilherme II, a Rainha Vitória, Theodore Roosevelt, Winston Churchill, etc.

Na II Guerra Mundial e na nossa Guerra Colonial, a tatuagem foi muito utilizada por soldados, marinheiros e pilotos, que gravavam o nome da pessoa amada no corpo. Desde a década de 1970, as tatuagens tornaram-se parte da moda ocidental, comum entre os dois sexos, para todas as classes económicas e para grupos etários desde o início da idade adulta (18 anos) até à meia-idade.

O Hinduísmo encoraja a marca na testa, pois crê que aumenta o bem-estar espiritual. Várias mulheres hindus tatuam os rostos com pontos, especialmente ao redor dos olhos e do queixo, para espantar o mal e aumentar a beleza. Tribos locais usam a tatuagem para se diferenciarem de certos clãs e grupos étnicos. Uma das deusas do Hinduísmo, Lirbai Mata, venerada pelos grupos Marwari e Rabari, é representada com tatuagens nos braços e nas pernas.

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O Judaísmo proíbe as tatuagens com base no livro do Levítico. Rabinos contemporâneos explicam a proibição no quadro da proibição geral de modificações do corpo (com a exceção do ritual da circuncisão) que não sejam feitas por razões médicas. Mamómides, líder judeu do século XII, dizia que a proibição da tatuagem é uma resposta judia contra o paganismo.

Nos tempos modernos, a associação da tatuagem ao Holocausto e aos campos de concentração na II Guerra Mundial, devido ao facto de os prisioneiros serem tatuados para identificação, fez com que a tatuagem seja vista com um nível maior de repulsa na religião. Contudo, a crença de que qualquer judeu com tatuagens não poder ser enterrado em cemitérios judaicos é um mito.

Historicamente, o declínio na tatuagem tribal na Europa ocorreu com a expansão do Cristianismo. No entanto, alguns grupos cristãos, como os Cavaleiros de São João de Malta, tinham o costume das tatuagens. O declínio ocorreu, em outras culturas, com a tentativa europeia de conversão de povos aborígenes ao Cristianismo, alegando que eram pagãs as práticas de tatuagem. Em algumas culturas indígenas a tatuagem era feita na passagem da infância para a adultez.

A maioria dos cristãos modernos não vê problema nesta prática, enquanto uma minoria tem a visão judaica contra a tatuagem com base no livro do Levítico (“Não fareis figura alguma no vosso corpo. Eu sou o Senhor.” – Lv 19,28). Não há regra específica no Novo Testamento que proíba tatuagens e muitas denominações cristãs creem que as leis do Levítico estão obsoletas e dizem que o mandamento só foi aplicado aos Israelitas, não aos Gentios.

Enquanto a maioria dos grupos cristãos toleram tatuagens, algumas denominações evangélicas e fundamentalistas creem que o mandamento se aplica aos cristãos, sendo pecado ter tatuagem. Não há proibição por parte da Igreja Católica contra as tatuagens, não sendo considerada sacrilégio, blasfémia ou obscenidade, mas também não há encorajamento.

Mórmons ou membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias creem que o corpo é templo sagrado, pelo que os fiéis devem deixar os corpos limpos. E a tatuagem é desencorajada.

No Islamismo, enquanto os Xiismo permite a tatuagem, o Sunismo proíbe-a. Vários muçulmanos sunitas creem que tatuar-se é pecado, porque envolve mudar a criação de Alá. No entanto, existem opiniões diferentes entre os sunitas do porquê de as tatuagens serem proibidas.

Alguns muçulmanos, baseando-se num hadith duvidoso, dizem que o Profeta Maomé teria amaldiçoado quem se tatua, mas convenientemente se esquecem de que ele disse: “Em verdade, não fui enviado ao mundo para amaldiçoar, mas como um exemplo de misericórdia.”

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Os temas são muitos e variam com as personalidades (tatuadores e tatuados). E as motivações são inúmeras, não havendo forma definida ou percurso que explique o desejo e a efetivação da tatuagem, um evento, a princípio, biologicamente antinatural. É um movimento do ser simbólico-social, que supera o instinto de autopreservação, caraterística humana. O contexto, o ambiente, a época, o nível cultural, as influências, modismos, ideologias, crença e espírito despojado são níveis que podem desencadear o processo. Nenhuma teoria psicológica, psicanalítica, religiosa, antropológica ou médica dá explicação exclusiva para a tatuagem, movimento complexo sobredeterminado, desde a sua origem histórica até ao seu contínuo uso na contemporaneidade.

A motivação para os cultores da tatuagem é ser obra de arte viva e temporal tal como a vida.

2023.03.20 – Louro de Carvalho

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