Anuncia Pedro
Mexia, na mais recente edição da “Revista”
do Expresso, que chegará às livrarias
portuguesas a 23 de novembro, a obra indicada em epígrafe, “um roteiro mais
pessoal do que literário pela vida de um homem contraditório e brilhante”.
Philip Milton Roth, nascido em Newark (Nova Jersey), a 19 de março de 1933 e falecido s 22 de maio
de 2018, em Nova Iorque, foi um romancista norte-americano, considerado um dos
mais importantes romancistas judeus de língua inglesa e, segundo o crítico Harald
Bloom, o maior contador de histórias americano depois de Faulkner.
Para Bloom, “Roth é o culminar de um quebra-cabeça não resolvido na literatura
judaica dos séculos XX e XXI”, tendo as influências complexas de Kafka
e Freud, Kafka e Freud no mal-estar da vida judaico-americana produzido um
novo tipo de síntese em Philip”.
Filho dum mediador de seguros de origem austro-húngara,
tornou-se um grande entusiasta de baseball aos 7 anos de idade e descobriu a literatura tardiamente,
aos 18 anos.
Após ter concluído o ensino secundário, ingressou na
Universidade de Rutgers mas, ao fim de um ano, transferiu-se para a
Universidade de Bucknell. Interrompeu os estudos em 1955, ao alistar-se no
exército mas, lesionando-se durante a recruta, foi desmobilizado. Decidiu, pois,
retomar os estudos, trabalhando simultaneamente como professor para prover ao
seu sustento, tendo-se licenciado em 1957, em Estudos Ingleses.
Inscreveu-se, depois, num seminário com o intuito de
apresentar uma tese de doutoramento, e perdeu o entusiasmo, desistindo deste
seu projeto em 1959.
Preferindo iniciar um esforço literário, passou a colaborar
com o periódico “New Republic” na qualidade de crítico de cinema, ao mesmo
tempo que se debruçava na escrita do primeiro livro, que veio a ser publicado
nesse mesmo ano, com o título “Goodbye, Columbus” (1959), uma autêntica revelação, comprovada pela
atribuição do prémio literário National Book Award. Mereceu também uma
adaptação para o cinema pela mão do realizador Larry Peece.
Seguiram-se “Letting Go” (1962) e “When She Was Good” (1967), até que, em 1969, consolidou a posição
como romancista com “Portnoy’s Complaint” (1969), a história de um monomaníaco obcecado por sexo. E passou
a fazer reaparecer muitas das suas personagens em diversas narrativas. Depois
de “The Breast” (1972), romance que aludia à “Metamorfose” de Franz Kafka, David Kepesh, o
protagonista que se via transformado num enorme seio, figura em “The
Professor Of Desire” (1977) e “The Dying Animal” (2001). Outro exemplo de ressurgência é Nathan Zuckermann,
presente em obras como “My Life As A Man” (1975), “Zuckermann Unbound” (1981), “I Married A Communist” (1998) e “The Human Stain” (2000).
Tendo iniciado uma carreira docente em meados da década de
60, que incluiu a passagem por instituições como as universidades de Princeton
e Nova Iorque, Roth encontrou muita da sua inspiração em incidentes e ambientes
académicos. Em 1991 publicou um volume dedicado à história da sua
própria família, “Patrimony”, trabalho galardoado com o National Critics Circle
Award no ano seguinte, uma entre as muitas honrarias concedidas ao autor.
Em 1997, ganhou Prémio Pulitzer com “Pastoral Americana”. Em 1998, recebeu a Medalha Nacional de
Artes da Casa Branca; e, em 2002, o mais alto galardão da Academia de Artes e
Letras, a medalha de Ouro da Ficção, antes atribuída a John dos Passos, William
Faulkner e Saul Bellow, entre outros. Ganhou duas vezes o National Book Critics
Award.
Em 2005, “A Conspiração contra a América” recebeu o prémio da Sociedade de
Historiadores Americanos pelo “excecional romance histórico sobre um tema americano,
relativo a 2003-2004”, considerado Melhor Livro do Ano por inúmeras
publicações, entre elas: New York Times Book Review, San Francisco Chronicle,
Boston Globe, Chicago Sun-Times, Los Angeles Times Book Review, Washington Post
Book World, Time e Newsweek.
No Reino Unido, Recebeu ainda o W.H. Smith Award para Melhor
Livro do Ano.
Em 2011 recebe o Man Booker International Prize, prémio que
procura destacar a influência de um escritor no campo da literatura. Trata-se
de um reconhecimento do trabalho pessoal, e não de uma obra sua em particular.
No ano seguinte, recebeu o Prémio Príncipe das Astúrias, a maior distinção de
Espanha.
***
Morreu em glória, diz Pedro Mexia, mas sem a consagração sueca, ostensivamente
negada. As suas obras foram editadas pelas canónicas Library of America e Plêiade.
Logrou prémios americanos e estrangeiros, homenagens, condecorações, milhões de
livros vendidos em várias línguas, e 5 ou 6 títulos muito citados entre os
melhores romances do pós-guerra.
Em 2010, deu por concluída a carreira e passou a ajudar o seu biógrafo, o autor
de livros sobre Richard Yates e John Cheever. Roth sabia de ideias feitas
acerca da sua personalidade e seus romances, pelo que forneceu os elementos
necessários à correção da imagem infamante ou distorcida que dele se formara,
pedindo a Bailey, não que o reabilitasse, mas que o tornasse interessante. Entrementes,
o biógrafo caiu em desgraça sob a acusação de abusos sexuais, o que levou a que
a edição americana fosse retirada das livrarias.
Dado à estampa em abril e com versão portuguesa prevista para novembro, “Philip Roth: The Biography” é uma viagem
às contradições de Roth, atento e indiferente, dedicado e rancoroso, generoso e
mesquinho, divertido e colérico.
Bailey, que não o reabilita inteiramente, defende-o das acusações de judeu
antissemita, misógino e egotista. Todavia, o inesquecível Roth, no dizer de Mexia,
usava nos romances vidas, cartas, conversas e confissões dos outros, mas “negando,
depois, que se tivesse aproveitado disso”, pois os romances são ‘ficção’ e
qualquer semelhança com a realidade é simples coincidência. Em contraponto, não
faz sentido acusá-lo de antissemitismo, visto que, sendo verdade que “os
romances mostram judeus com mau comportamento ou mau carácter”, como lembrou
Zadie Smith, “só falando dos nossos como iguais aos outros, com defeitos, sem
idealizações, é que a identidade não descamba em chauvinismo”. Já, no atinente
à suposta misoginia, é de referir que o biografado era “um mulherengo maníaco,
um adúltero compulsivo, um heterossexual à moda antiga, condescendente ou grosseiro,
sem problemas com objetificações, diferenças etárias ou interditos
deontológicos”, muito embora haja odiado mulheres, nomeadamente aquelas com
quem casou, por via de diferenças de personalidades, priorizações, desavenças e
mesmo fraudes, a par de “raivas, boicotes, ciúmes e actos tresloucados”, o que,
se corresponder à verdade, no todo ou em parte, “terá contribuído para que Roth
se mostrasse tão esquivo às relações longas e à paternidade”.
Neste aspeto, os livros, a par da classificação das mulheres “como megeras
ou desejáveis”, apresentam personagens femininas como “algumas das personagens
mais fascinantes e mais complexas”. Assim, com base “em centenas de conversas e
numa infinidade de documentos”, Bailey dedica muitas páginas a assuntos como “o
relacionamento com os pais, os problemas cardíacos e osteopáticos, as
depressões, as zangas com amigos, as minudências financeiras”, mas interessam-lhe
imenso “os microperfis de namoradas ou aventuras fugazes”, para lá duma “avalanche
de escritoras, jornalistas, alunas, fãs e enfermeiras”. De tais conquistas Roth
guardou “um álbum fotográfico onde as identificava e imortalizava, como se
fossem tão importantes como os 31 livros que escreveu”.
Mais que biografia literária, Bailey dá-nos a biografia de um escritor, o
que não significa que a literatura fique de fora. Começando por entre os
contemporâneos, é de referir que Roth idolatrava Saul Bellow, talvez por ser,
como ele, um judeu malcomportado e um coloquial sofisticado, e gostava de Bernard
Malamud, outro judeu americano. E regressava a Kafka ou aos mestres
oitocentistas. Era ambíguo em relação a John Updike, adversário de Norman
Mailer e detestava muita gente, como Harold Brodkey. Teve, desde os tempos de “O Complexo de Portnoy” e antes disso,
inimigos ou detratores fiéis: de Irving Howe, um crítico socialista, a Gershom
Scholem, um estudioso do misticismo, de Norman Podhoretz, um jornalista e
futuro neoconservador, a Michiko Kakutani, uma destacada crítica do “New York Times”, além de rabis
indignados, académicos e feministas.
A proximidade a Roth e ao seu círculo íntimo permitiu a Bailey o acesso a
boas anedotas. É o caso do comentário de Roth aos manuscritos dos seus
protegidos; da vontade de retoma do contacto, décadas depois, com pessoas que
nem sempre estavam pelos ajustes; da máquina de escrever com o “i” de “I” (eu) gasto; das inconfidências do psicanalista; da mulher
que tentou seduzir e que fugiu dele quando leu o “Teatro de Sabbath”; ou de Herman Roth, orgulhoso, a assinar
exemplares dum livro do filho, “Portnoy”,
ode à neurastenia e à masturbação.
Roth detestava que se prestasse mais atenção aos escritores que à escrita,
mas as “autoficções” dificultavam tal separação. Bailey faz questão de lembrar,
contra os alegados solipsismo e ressentimento, os gestos decentes do seu
biografado, as visitas a doentes, o dinheiro que dava a amigos que precisassem,
a tentativa de promover gente jovem talentosa ou o apoio a autores checos
dissidentes. Contudo, é incontornável a tendência do romancista para ser tomado
por um “furor”, como nas tragédias gregas, em registo de zombaria ou vingança,
quer em livros sobre o judaísmo, o casamento, a política, a libido ou as
devastações da velhice, quer na resposta (não publicada, mas acedida por Bailey) às memórias de Claire Bloom – fúria coexistente com a
nostalgia pela Newark da sua infância e adolescência, cidade a que voltou em
obras tardias e a cuja biblioteca pública deixou um legado de milhares de
livros e milhões de dólares.
Nesta biografia tão extensa e exaustiva, Bailey consegue ainda mostrar que
a fúria e a nostalgia podem ser a mesma coisa. Por isso, “Roth inventou ficções
históricas, metaficções e narrativas contrafactuais, com duplos e alter-egos”,
de modo que se lembrava mal de certos factos na conversa com o biógrafo”, antes
se lembrando da versão dos livros. Por isso, atirou que a imaginação “é um
carniceiro: atira-se aos factos até os tornar irreconhecíveis”.
***
Aos 79 anos, Philip Roth foi
agraciado com o Prémio Príncipe das Astúrias das Letras 2012, pelo júri reunido em Oviedo, Espanha, com elogios à sua “escrita
fluída e incisiva”, derrotando, na última fase de
votações, o outro finalista, o japonês Haruki Murakami.
O júri decidiu por maioria atribuir o galardão a Roth, por considerar que a
sua obra literária faz parte do “grande romance norte-americano”, na esteira de
John Dos Passos, Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Saul Bellow ou William
Faulkner. Com efeito, como sublinha a respetiva ata, através duma “escrita
fluída e incisiva”, o escritor revela uma “complexa visão da realidade, que se
debate entre a razão e o sentimento, como sinal dos tempos e do desassossego do
presente”. De facto, Roth é considerado um dos melhores escritores
norte-americanos dos últimos 35 anos. Como ficou dito, em 1998, obteve o
Pulitzer com o romance “Pastoral
Americana” e tem uma obra que reflete a sua curiosidade pela identidade
pessoal, cultural e étnica e pela criação artística. E, em 2011, foi
distinguido com o “Man Booker International Prize” para ficção, pelo conjunto
da sua obra literária.
“Durante
mais de 50 anos, os livros de Philip Roth estimularam, provocaram e divertiram
um público imenso, que continua a aumentar”, afirmou Rick Gekoski, presidente do
júri do Prémio “Man Booker International Prize”, que acrescentou:
“A
sua imaginação não só refundou a nossa ideia de identidade judaica, como
reanimou a ficção, não apenas norte-americana, mas em geral”.
Philip
Roth escreveu duas dezenas de romances como “Adeus Colombo” (1959), “A Pastoral Americana” (1997), pelo qual recebeu o prémio Pulitzer em 1998, “O Complexo de Portnoy” (1969), “Casei com um
comunista” (1998) “A
marca humana” (2000) e “A conspiração contra a América” (2004).
O último livro “Nemesis” foi
publicado em 2010.
A sua obra
foi particularmente dedicada à sua personagem fetiche e duplo literário Nathan
Zuckerman, cujo ciclo começou com “O
Escritor Fantasma”, em 1979 e terminou com o “O Fantasma Sai de Cena”, em 2007.
***
É um
norte-americano judeu cuja vida e obra vale a pena revisitar.
2021.10.30 – Louro de
Carvalho
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