Disse-o o
Papa no encontro, na Sala Clementina do Palácio Apostólico, com os membros da
Fundação Centesimus Annus Pro Pontifice
e com os participantes da Conferência internacional “Solidariedade, cooperação e responsabilidade, os antídotos para
combater as injustiças, desigualdades e exclusões”, realizada no Vaticano
nos passados dias 21 a 22, e reiterando que ser “irmãos de todos” não é “utopia
inatingível”, mas “um sonho possível, o mesmo de Deus”.
Nesse encontro com Francisco, o cerne da mensagem papal foi que a construção de um mundo “mais solidário,
justo e equitativo” não é “questão política”, mas “dar corpo à fé” em Deus, o “amante
do homem” e da vida. E sermos todos verdadeiramente “irmãos”, podendo parecer “utopia
inatingível”, é mesmo “um sonho possível”, porque é o mesmo sonho de Deus. É,
pois, urgente acreditar nisto e ser coerente com esta crença bem vincada.
Os temas da
conferência “são grandes e essenciais”, no dizer do Pontífice, que agradeceu à
presidente da Fundação, Anna Maria Tarantola, pelas suas palavras de saudação “sempre
claras” e aos membros da Fundação, junto com os cientistas, economistas,
ministros, cardeais e bispos que participaram dos dois dias de trabalho, e reafirmou
que são reflexões importantes, vincando:
“Numa época em que as incertezas
e precariedades que marcam a existência de tantas pessoas e comunidades são
agravadas por um ‘sistema económico que continua a descartar vidas’ em nome do
deus dinheiro, incutindo comportamentos vorazes em relação aos recursos da
Terra e alimentando muitas formas de iniquidade”.
Esclareceu o
Santo Padre que não podemos ficar indiferentes ante a injustiça e a exploração,
mas que não basta como resposta a denúncia; exige-se, antes de mais, a promoção
ativa do bem”. Portanto, é preciso, não só “denunciar o mal”, mas também e sobretudo
“promover o bem”. Neste sentido, exprimiu o seu apreço pela atividade da
Fundação, especialmente no campo da educação e formação, bem como no “compromisso
de financiar estudos e pesquisas para os jovens sobre novos modelos de
desenvolvimento econômico e social, inspirados na Doutrina Social da Igreja”. E,
porque se trata de algo importante, comentou:
“No terreno poluído pelo
predomínio das finanças, temos necessidade de muitas pequenas sementes que
façam brotar uma ‘economia equitativa e benéfica’, à medida do homem e digna do
homem. Temos necessidade de possibilidades que se tornem realidades, de
realidades que deem esperança. Isso significa colocar em prática a Doutrina
Social da Igreja.”.
No atinente ao
“predomínio das finanças”, que emerge como “algo de inutilizável”, “de líquido,
gasoso”, e que acaba “como a corrente de Santo António”, o Papa, deixando de
lado o discurso preparado, falou dum encontro de há 4 anos com uma “grande”
economista que trabalhava para um governo:
“Ela disse-me que tentou criar
um diálogo entre economia, humanismo e fé, e religião, e que deu certo, e que
deu certo e continua indo bem, em um grupo de reflexão. Tentou o mesmo – disse-me
– com as finanças, o humanismo e a religião, e não puderam nem mesmo começar.
Interessante. Isso faz-me pensar.”.
Entretanto, Francisco
elegeu as três palavras – solidariedade, cooperação e responsabilidade – como
“três pedras angulares da Doutrina Social da Igreja”, que vê a pessoa humana
“naturalmente aberta às relações”, como “o vértice da criação e o centro da
ordem social, económica e política”, e contribui, com este olhar, atento ao ser
humano e sensível às dinâmicas da história, para uma visão de mundo oposta à
individualista, porque se alicerça na interligação entre as pessoas e tem por fim
o bem comum. Ao mesmo tempo, opõe-se à visão coletivista, que ressurge em nova
versão, oculta em projetos de homologação tecnocrática. E o Papa avisou:
“Mas não se trata de uma ‘questão
política’: a Doutrina Social está ancorada na Palavra de Deus para orientar
processos de promoção humana a partir da fé no Deus feito homem. Por isso, deve
ser seguida, amada e desenvolvida: apaixonemo-nos novamente pela Doutrina
Social, tornemo-la conhecida: é um tesouro da tradição eclesial!”.
Francisco,
dirigindo-se aos presentes, apontou que foi precisamente estudando a Doutrina
Social que também eles se sentiram chamados “a comprometer-se contra as
desigualdades, que ferem em particular os mais frágeis, e a trabalhar por uma
fraternidade real e eficaz”.
As três
palavras da Conferência, “solidariedade, cooperação, responsabilidade”,
recordam, segundo o Pontífice, o mistério trinitário de Deus, que a partir da “comunhão
de Pessoas” nos convida “à abertura generosa aos outros (solidariedade) por meio da colaboração com os outros (cooperação) e por meio do compromisso com os outros (responsabilidade)”. E é preciso fazer isto “em todas as expressões da
vida social, por meio das relações, do trabalho, do empenho civil, da relação
com a criação, a política” – disse o Santo Padre, que explanou:
“Em todos os âmbitos, hoje somos
mais do que nunca obrigados a testemunhar a atenção pelos outros, a sair de nós
mesmos, a comprometer-nos gratuitamente com o desenvolvimento de uma sociedade
mais justa e equitativa, onde não prevaleçam o egoísmo e os interesses de
parte. E, ao mesmo tempo, somos chamados a zelar pelo respeito da pessoa
humana, pela sua liberdade, pela proteção da sua inviolável dignidade.”.
Esta é, para
o Papa, é “a missão de pôr em prática a Doutrina Social da Igreja”. Mas, ao
fazê-lo, recordou, “muitas vezes vai-se contra a corrente”, mesmo que “não
estejamos sozinhos”. Porém, “Deus fez-Se próximo de nós”, não em palavras, mas
encarnando-Se em Jesus. Com Ele, nosso irmão, “reconhecemos em cada homem um
irmão, em cada mulher uma irmã”. Assim, como crentes, “animados por esta comunhão
universal”, colaboramos, “sem medo, com cada um para o bem de todos”, sem
fechamentos, visões excludentes e preconceitos. E o Papa explanou:
“Como cristãos, somos chamados a
um amor sem fronteiras e sem limites, sinal e testemunho de que é possível
superar os muros do egoísmo e dos interesses pessoais e nacionais; superar o
poder do dinheiro que muitas vezes decide as causas dos povos; superar as
cercas das ideologias, que dividem e amplificam o ódio; superar cada barreira
histórica e cultural e, sobretudo, superar a indiferença: aquela cultura da
indiferença que, infelizmente, é quotidiana. Todos podemos ser irmãos e,
portanto, podemos e devemos pensar e trabalhar como irmãos de todos.”.
A fraternidade
universal “pode parecer uma utopia inatingível”, admitiu o Papa, que, porém,
nos convidou a acreditar “que é um sonho possível, porque é o mesmo sonho do
Deus trino”. Com a sua ajuda, o sonho “pode começar a tornar-se realidade
também neste mundo”. E o Papa vincou:
“Para
um crente, não é algo de prático desvinculado da doutrina, mas é dar corpo à
fé, para o louvor de Deus, amante do homem, amante da vida. Sim, queridos
irmãos e irmãs, o bem que vós fazeis a cada homem na terra alegra o coração de
Deus no céu.”.
Enfim, uma
grande tarefa, a de “construir um mundo mais unido, justo e equitativo”!
***
Por
sua vez, a presidente
da Fundação Centesimus Annus pro
Pontifice, que apresentou a predita conferência internacional sobre a luta
contra as injustiças, as desigualdades e exclusões, garantiu que “a cooperação
é a chave da vitória num mundo em mudança”. Com efeito, “levantar muros não
ajuda” e “a única forma de avançar é a cooperação fraterna”.
“Solidariedade, cooperação e responsabilidade”
é o título da conferência internacional em referência, que se realizou Sala
Nova do Sínodo, nos dias 21 e 22, como se disse. Trata-se de três nomes substantivos
imbuídos de esperança que a Fundação Centesimus Annus pro Pontifice,
organizadora do evento, quis dar seguimento com o subtítulo: “Antídotos para combater as injustiças, as
desigualdades e as exclusões”.
Título e
subtítulo foram, pois, a guia do debate entre eminentes oradores de várias
disciplinas de todo o mundo, tais como o Prémio Nobel da Física 2018, Gérard
Albert Mourou, e os responsáveis pela Cúria Romana, incluindo o Cardeal
Secretário de Estado, o Secretário para as Relações com os Estados e o prefeito
do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Discussões e
mesas redondas gravitaram em torno das encíclicas Fratelli tutti e
Laudato sì, que, segundo os organizadores, “representam a continuidade da
Doutrina Social da Igreja na história”.
No dizer de Anna
Maria Tarantola, este evento visava “analisar
como concretamente os valores da solidariedade, cooperação e responsabilidade
podem ser postos em prática”, pois, como disse, “para nós, estes valores são fundamentais para afrontar eficazmente
todos os desafios que enfrentamos hoje: de saúde, económicos, digitais e de
ecologia global”.
Questionada sobre se os desafios que destacou exigem que façamos
mudanças, frisou o que designa de “mudanças
epocais”, ou seja, “nos
modelos empresariais e de liderança, na governance, nos paradigmas educativos e
de comunicação”. Porém, advertiu:
“Mas estas são mudanças que não
podem ser alcançadas sem antes nos ancorarmos nos princípios da solidariedade,
cooperação e responsabilidade. A pandemia mostrou-nos que só quando conseguimos
pôr em prática estes três valores é que as coisas melhoraram e foram alcançados
resultados notáveis.”.
Reconheceu que fechar-se e erguer muros “não produziu resultados”. Ao
invés, foi pela solidariedade que “conseguimos superar as primeiras ondas da
pandemia”. Agora o desafio de saúde (como o
Papa recordou) “é obter uma distribuição justa de vacinas, para ajudar os países mais
pobres a ultrapassar a crise”; o desafio ecológico global e o desafio digital não
podem ser vencidos sem cooperação e solidariedade. De facto, a tecnologia deve
ser guiada pela ética e não pela ganância, como infelizmente está a acontecer.
Do trabalho da Fundação neste ano disse que tem sido orientado neste
sentido. E explicou:
“E isso é feito através do
trabalho dos nossos 28 grupos que operam em 12 países. Por exemplo, alguns
deles apoiaram, num hospital católico, uma campanha de vacinação que deu
excelentes resultados graças à presença de gestores e pessoal de saúde
inspirados e motivados pela solidariedade. Assim, com esta conferência,
queremos compreender como tais resultados podem ser alcançados na prática: como
melhorar as condições de vida dos povos e da natureza, como cooperar realmente
economicamente, como ajudar os líderes a serem verdadeiramente responsáveis.”.
Por fim, sustentou que a mudança não virá apenas de cima, dos líderes; “tem
de haver também um movimento a partir de baixo”. E exemplificou com o fenómeno
de Greta Thunberg, que mostra que “os jovens começaram de baixo e estão
conseguindo um impacto muito grande”. Contudo, é realmente necessária “uma
consciência de cima, dos líderes”.
***
A 16 de outubro, o “Vatican News” anunciava a Conferência tendo
como pano de fundo o convite de
Francisco “a construir um mundo novo através de um processo de regeneração”.
Efetivamente
é preciso cuidar do mundo que está a sair da pandemia. E as três encíclicas “Laudato sí”, “Fratelli tutti” e “Caritas in
Veritate” podem ser uma bússola-guia para o caminho em direção à saída de
tantas pandemias globais: pobreza, injustiça, desigualdade e guerras. Na verdade,
“é possível tornar mais justa a comunidade em que se vive, enfrentando as
emergências sanitárias, ecológicas e socioeconómicas, somente tomando plena
consciência, em todos os níveis, da necessidade de ancorar as ações aos valores
da solidariedade, da cooperação e senso de responsabilidade” – garantia-se.
Dizia-se que
o evento era organizado pela Fundação Centesimus Annus Pro Pontifice, quase
30 anos após a sua criação (5 de junho de 1993), e seria dedicado à “Solidariedade, cooperação e responsabilidade: os
antídotos para combater a injustiça, a desigualdade e a exclusão”. Nestes dias,
reconhecidos oradores se revezariam para refletir e dialogar sobre os valores
delineados por aquelas encíclicas, textos que juntos representam a continuidade
da Doutrina Social da Igreja na história e que oferecem uma chave para enfrentar
o impacto devastador da covid-19 e das tantas outras pandemias que afligem o
planeta: pobreza, injustiça, desigualdade e guerras. De facto, como a pandemia
do coronavírus deixou claro, 30 anos após a encíclica “Centesimus Annus” (1 de maio de 1991), 12 anos após a “Caritas in Veritate” (29 de junho de 2009) e 6 anos após a “Laudato sí”, a situação global não mudou, antes
piorou em alguns contextos.
O evento
seria aberto pela presidente da Centesimus Annus. Seguir-se-iam
os pronunciamentos de Gérard Mourou, Prémio Nobel de Física; Fabiola Gianotti,
Diretora-Geral do CERN, Genebra; Roberto Cingolani, Ministro de Transição
Ecológica; Piero Cipollone, Diretor-Geral Adjunto do Banco da Itália; Elisa
Ferreira, Comissária Europeia para a Reforma e a Coesão; Monsenhor Nunzio
Galantino, presidente da Administração do Património da Santa Sé (APSA); Cardeal Luis Antonio G. Tagle, prefeito da
Congregação para a Evangelização dos Povos; Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário
para as Relações com os Estados.
E Tarantola sublinhava:
“O Papa Francisco convida-nos a não voltar
ao passado, mas a construir um novo mundo por meio de um processo de
regeneração. Uma regeneração que deve partir do indivíduo, de comportamentos
responsáveis orientados para o bem comum e guiados pela solidariedade, caridade
e verdade.”.
Era referido
que a Conferência de 2021 – que tem como media parceiras o Corriere
della Sera, L'Osservatore Romano, Rádio Vaticano, Vatican News – era a 3.ª
etapa dum percurso iniciado em 2019 como resposta ao convite do Papa à
Fundação, na audiência privada em 2019, para trabalhar pela afirmação de um
desenvolvimento sustentável e integral para proteger a nossa casa comum. Depois
de ter tratado a urgência de mudar os comportamentos e estilos de vida,
abandonando o paradigma individualista e relativista do consumo, do desperdício
e do lucro a curto prazo para lutar por uma economia com rosto humano (2019), foram analisados os novos modelos empresariais, de
governança e educacionais que podem e devem ser adotados para buscar um
desenvolvimento econômico e social inclusivo e sustentável (2020).
Mas os novos
modelos não são concretizáveis se o comportamento das empresas, instituições, governos
e indivíduos não for orientado pela solidariedade, cooperação e
responsabilidade, como demonstrou a pandemia. A Conferência concentrar-se-ia
nestes três valores, ouvindo as vozes de cientistas, académicos, responsáveis
pelas instituições, governantes, empresas e jovens que diriam como é possível
operar enquanto ancorados nestes princípios, quais pedras angulares da Doutrina
Social da Igreja, e equilibrar eficiência e bem comum.
As empresas
desempenham um papel importante no caminho para o desenvolvimento solidário,
inclusivo e sustentável, sendo necessário olhar o novo modelo de negócios
indicado pelo Papa e ter empresas conscientes das suas responsabilidades para
com todos e o meio ambiente, que produzem renda com impacto positivo no
território e nas pessoas que interagem com elas, criando trabalho diversificado
e conhecimento, ajudando assim a superar a pobreza.
Este modelo
de empresa está a aparecer timidamente no cenário empresarial. São empresas
circulares, empresas que adotam os critérios Meio Ambiente, Social, Governança (ESG) e Sociedades Beneficentes. “São todos modelos – conclui
Tarantola – que se aproximam do perfil indicado pelo Papa e têm bons resultados
e são apreciados pelos mercados e consumidores”.
***
O programa
cumpriu-se como previsto. Espera-se que os resultados aflorem a médio prazo.
2021.10.23 – Louro de Carvalho
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