sábado, 23 de outubro de 2021

AR aprova extinção do SEF e abre a porta à criação da APMA

 

Com os votos a favor do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda e da deputada Joacine Katar Moreira, a Assembleia da República (AR) aprovou em votação global final, neste dia 22 de outubro, o diploma que a promulgação presidencial deverá transformar em lei, pela qual é extinto o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O texto final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª Comissão) relativo à proposta do Governo que procede à reformulação das forças e serviços de segurança que exercem atividade de segurança interna, no quadro da reafetação de competências do SEF, a extinguir, mereceu os votos contra de PSD, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e da deputada Cristina Rodrigues.

No final da votação, alguns deputados fizeram declaração de voto oral.

A proposta do Governo, que foi alterada por acordo entre o PS e o BE, extingue o SEF, passa as competências policiais do organismo extinto para a PSP (Polícia de Segurança Pública), GNR (Guarda Nacional Republicana) e PJ (Polícia Judiciária) e estabelece a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA).

A novidade do texto ora aprovado em relação à proposta do Governo passa pela criação da APMA, por sugestão do BE, em vez do Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA) que constava do texto do Ministério da Administração Interna.

A proposta determina que as atuais atribuições em matéria administrativa do SEF relativamente a cidadãos estrangeiros serão exercidas pela APMA e pelo INR (Instituto dos Registos e do Notariado).

O Governo apresentará, no prazo de 60 dias a contar da data de publicação da lei, o diploma que cria a APMA, um serviço de natureza administrativa com atribuições específicas.

A APMA terá a “missão de concretizar as políticas públicas em matéria migratória e de asilo, nomeadamente a de regularização da entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional, emitir pareceres sobre os pedidos de vistos, de asilo e de instalação de refugiados, assim como participar na execução da política de cooperação internacional do Estado português no âmbito das migrações e asilo”.

O diploma ora aprovado estabelece também que até à entrada em vigor do diploma que cria a APMA “são mantidas em vigor as normas que regulam os sistemas informáticos e de comunicações do SEF, incluindo as relativas à Parte Nacional do Sistema de Informação Schengen e outros existentes no âmbito do controlo da circulação de pessoas, passando a sua gestão a ser assegurada por uma unidade de Tecnologias de Informação de Segurança”. Além disso, estipula a criação, junto da APMA, dum órgão consultivo em matéria migratória e de asilo, que assegura a representação de departamentos governamentais e de organizações não governamentais, como tal reconhecidas nos termos da lei, “cujo objeto estatutário se destine primordialmente à defesa dos direitos das pessoas migrantes, refugiadas e requerentes de asilo, à defesa dos direitos humanos ou ao combate ao racismo e xenofobia, competindo-lhe, designadamente, emitir pareceres, recomendações e sugestões que lhe sejam submetidos”.

No âmbito da transferência de competência policiais, a GNR ficará responsável por “vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras marítima e terrestre”, “agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e à expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição” e “assegurar a realização de controlos móveis e de operações conjuntas com forças e serviços de segurança nacionais e congéneres espanhóis”. A PSP integrará as competências de “vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras aeroportuárias e terminais de cruzeiros” e “agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição”. E a PJ fica com competências reservadas na investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e de outros com estes conexos.

Esta separação do SEF entre as funções policiais e as funções administrativas relacionadas com imigrantes constava do Programa do Governo e foi anunciada pelo Ministro da Administração Interna após a morte dum cidadão ucraniano nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, pela qual três inspetores foram condenados, deixando a perceção pública de que fora este dramático incidente que azou a extinção do SEF.

A proposta de lei ora aprovada é omissa quanto ao departamento que tutelará a APMA, bem como se esta ficará a gerir as bases de dados policiais atualmente da responsabilidade do SEF.

Previamente à aprovação global final, a proposta fora discutida e aprovada na especialidade no dia 20, pela 1.ª Comissão com um painel de votação equivalente, ou seja, com os votos do PS, BE e de Joacine Katar Moreira, que também tinha votado a favor aquando da aprovação na generalidade. PSD, PCP e CDS, que também integram a Comissão, votaram contra. 

Foi na fase da discussão na especialidade que a proposta do PS e do BE introduziu a criação de uma APMA, por sugestão dos bloquistas, em vez do SEA anunciado pelo Governo.

Sobre a proposta do Governo foram negativos todos os 13 pareceres chegados à 1.ª Comissão por parte de diversas entidades às quais tinham sido pedidos.

A proposta determina que, “no prazo de 60 dias”, o Governo apresente o diploma de criação da APMA, que o BE quer que fique na dependência da Presidência do Conselho de Ministros, que tutela a Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações, “promovendo uma separação entre a segurança interna e as políticas de imigração”, e que o PS defende que fique na tutela do Ministério da Administração Interna, como ficava o SEA.

Compreende-se a opção do BE, já que a política de integração e imigração é transversal a vários departamentos do Estado (administração interna, assuntos externos, educação, saúde, segurança social, proteção civil, economia…) e PJ e INR dependem do Ministério da Justiça; por outro lado, o PS não quer o esvaziamento do Ministério da Administração Interna a quem estavam confiadas a entrada e permanência de cidadãos estrangeiros, o que não pode deixar de ser uma preocupação deste Ministério, e a diversa dependência das polícias nunca foi problema insolúvel.      

Além da APMA, as atuais funções administrativas do SEF, cuja separação das policiais era o principal desígnio do governo, passam também a ser exercidas pelo INR no respeitante aos cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência, etc., bem como à emissão de passaportes. E as funções policiais do SEF, repartir pela PJ, GNR e PSP, mantêm-se, no essencial segundo o defendido pelo Governo, mas com o BE a conseguir introduzir algumas condições relacionadas com a formação dos agentes da PSP e dos militares da GNR para as novas funções, respondendo assim a algumas críticas constantes dos preditos 13 pareceres.

É de relevar que a PJ assume a exclusividade da “investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e de outros com estes conexos”, que partilhava com o SEF.

Por proposta do BE, fica “assegurada a formação regular e continuada dos efetivos da PSP, GNR e PJ, bem como dos funcionários do IRN, em matérias de direitos humanos, direito das migrações, direito de asilo e em outras matérias relacionadas com as suas novas atribuições”.

A transição dos funcionários do SEF para a APMA, IRN, GNR, PJ e PSP será feita, no caso do “pessoal da carreira de investigação e fiscalização para outras forças de segurança ou serviços, assim como os trabalhadores da carreira geral” sem redução de categoria, antiguidade e índice remuneratório, sendo assegurada a contagem de todo o tempo de serviço prestado no SEF, designadamente para efeitos de promoção, disponibilidade e aposentação.

A transição para outras entidades “deve ter em conta os conteúdos funcionais e a natureza das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador nos últimos três anos”.

Nestes termos, a deputada do BE Beatriz Gomes Dias referiu o entendimento de que “a proposta agora aprovada é mais equilibrada em termos da defesa de direitos humanos dos migrantes” e também salvaguarda mais “o respeito integral pelos direitos dos trabalhadores do SEF”.

Recorde-se que atualmente o SEF tem 1.666 trabalhadores, 1.049 dos quais são inspetores e os restantes funcionários não policiais.

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Como se entreleu, esta extinção-reestruturação tem sido fortemente contestada pelos sindicatos dos inspetores e funcionários do SEF, bem como por alguns partidos políticos, nomeadamente o CDS e o PSD. Mas, afinal, o que muda?

Estes são, em suma, alguns dos pontos essenciais sobre as mudanças com a extinção do SEF:

- As competências policiais do SEF vão passar para a PSP, a GNR e a PJ.

- A GNR ficará responsável por vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras marítima e terrestre, agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e à expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição e assegurar a realização de controlos móveis e de operações conjuntas com forças e serviços de segurança nacionais e congéneres espanhóis.

- A PSP integrará as competências de vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras aeroportuárias e terminais de cruzeiros e agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição.

- A PJ fica com competência reservada na investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e de outros com estes conexos.

- Os processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros passam para a competência da PSP e GNR, que ficam também com a responsabilidade de gerir os espaços equiparados de instalação temporária nas suas áreas de jurisdição.

- A transição dos inspetores do SEF para a PSP, GNR e PJ terá em conta os conteúdos funcionais e natureza das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador nos últimos 3 anos.

- A passagem dos inspetores do SEF para as outras polícias não pode implicar a redução de categoria, antiguidade e índice remuneratório, sendo assegurada a contagem de todo o tempo de serviço prestado no SEF, designadamente para efeitos de promoção, disponibilidade e aposentação.

- É assegurada formação regular e continuada dos efetivos da PSP, GNR e PJ em matérias de direitos humanos, migrações e asilo.

- As atuais atribuições em matéria administrativa do SEF relativamente a cidadãos estrangeiros passam a ser exercidas pela APMA e pelo INR.

- O Governo vai apresentar, no prazo de 60 dias a contar da data de publicação da presente lei, o diploma que cria a APMA, um serviço de natureza administrativa com atribuições específicas.

- A APMA terá a missão de concretizar as políticas públicas em matéria migratória e de asilo, nomeadamente a de regularização da entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional, emitir pareceres sobre os pedidos de vistos, de asilo e de instalação de refugiados, assim como participar na execução da política de cooperação internacional do Estado português no âmbito das migrações e asilo.

- Junto da APMA funcionará um órgão consultivo em matéria migratória e de asilo, assegurando a representação de departamentos governamentais e de organizações não governamentais, cujo objeto estatutário se destine primordialmente à defesa dos direitos das pessoas migrantes, refugiadas e requerentes de asilo, à defesa dos direitos humanos ou ao combate ao racismo e xenofobia, competindo-lhe, designadamente, emitir pareceres, recomendações e sugestões que lhe sejam submetidos.

- Até à entrada em vigor do diploma que cria a APMA, são mantidas as normas que regulam “os sistemas informáticos e de comunicações do SEF, incluindo as relativas à Parte Nacional do Sistema de Informação Schengen e outros existentes no âmbito do controlo da circulação de pessoas, passando a sua gestão a ser assegurada por uma unidade de tecnologias de Informação de Segurança”.

- O INR passará a renovar as autorizações de residência dos cidadãos estrangeiros que vivem que Portugal, mas o Governo ainda tem de aprovar um diploma próprio.

- O texto final é omisso sobre que departamento tutelará a APMA, visto que o BE defende que este organismo deve ficar sob a dependência da Presidência do Conselho de Ministros, enquanto o PS o quer na tutela do Ministério da Administração Interna, como estava o SEA.

- É preciso definir quem vai gerir as bases de dados policiais atualmente da responsabilidade do SEF: se é a APMA ou outra entidade.

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Criado em 1981, o SEF era um serviço de segurança integrado no Ministério da Administração Interna (MAI) que, no quadro da política de segurança interna, tinha por missão; assegurar o controlo das pessoas nas fronteiras, dos estrangeiros em território nacional, a prevenção e o combate à criminalidade relacionada com a imigração ilegal e tráfico de seres humanos; gerir os documentos de viagem e de identificação de estrangeiros; e proceder à instrução dos processos de pedido de asilo, na salvaguarda da segurança interna e dos direitos e liberdades individuais no contexto global da realidade migratória.

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Não se vê motivo para o PR opor o veto político. Os votos do PS e do BE asseguram a maioria exigida para a aprovação de decretos da AR que revistam a forma de lei orgânica (a maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções). É certo que os pareceres solicitados eram negativos, mas também o eram os que diziam respeito às alterações à LDN e à LOBOFA. Além disso, no caso vertente, houve correções à proposta de lei. Ademais, a obrigatoriedade legal de ouvir determinadas entidades não implica que o seu parecer seja vinculativo, caso contrário seria dificílimo fazer retomas por via legislativa.  

2021.10.22 – Louro de Carvalho

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