Com os votos
a favor do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda e da deputada Joacine Katar
Moreira, a Assembleia da República (AR) aprovou em
votação global final, neste dia 22 de outubro, o diploma que a promulgação
presidencial deverá transformar em lei, pela qual é extinto o Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
O texto
final apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias (1.ª Comissão) relativo à
proposta do Governo que procede à reformulação das forças e serviços de
segurança que exercem atividade de segurança interna, no quadro da reafetação
de competências do SEF, a extinguir, mereceu os votos contra de PSD, PCP,
CDS-PP, PAN, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e da deputada Cristina Rodrigues.
No final da
votação, alguns deputados fizeram declaração de voto oral.
A proposta do Governo, que foi alterada por acordo entre o PS e o BE,
extingue o SEF, passa as competências policiais do organismo extinto para a PSP
(Polícia de Segurança Pública), GNR (Guarda Nacional Republicana) e PJ (Polícia Judiciária) e estabelece a criação da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA).
A novidade
do texto ora aprovado em relação à proposta do Governo passa pela criação da
APMA, por sugestão do BE, em vez do Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA) que constava do texto do Ministério da Administração
Interna.
A proposta
determina que as atuais atribuições em matéria administrativa do SEF
relativamente a cidadãos estrangeiros serão exercidas pela APMA e pelo INR (Instituto
dos Registos e do Notariado).
O Governo
apresentará, no prazo de 60 dias a contar da data de publicação da lei, o
diploma que cria a APMA, um serviço de natureza administrativa com atribuições
específicas.
A APMA terá a “missão de concretizar as políticas públicas em matéria
migratória e de asilo, nomeadamente a de regularização da entrada e permanência
de cidadãos estrangeiros em território nacional, emitir pareceres sobre os
pedidos de vistos, de asilo e de instalação de refugiados, assim como
participar na execução da política de cooperação internacional do Estado
português no âmbito das migrações e asilo”.
O diploma
ora aprovado estabelece também que até à entrada em vigor do diploma que cria a
APMA “são mantidas em vigor as normas que regulam os sistemas informáticos e de
comunicações do SEF, incluindo as relativas à Parte Nacional do Sistema de
Informação Schengen e outros existentes no âmbito do controlo da circulação de
pessoas, passando a sua gestão a ser assegurada por uma unidade de Tecnologias
de Informação de Segurança”.
Além disso, estipula a criação,
junto da APMA, dum órgão consultivo em matéria migratória e de asilo, que
assegura a representação de departamentos governamentais e de organizações não
governamentais, como
tal reconhecidas nos termos da lei, “cujo
objeto estatutário se destine primordialmente à defesa dos direitos das pessoas
migrantes, refugiadas e requerentes de asilo, à defesa dos direitos humanos ou
ao combate ao racismo e xenofobia, competindo-lhe, designadamente, emitir
pareceres, recomendações e sugestões que lhe sejam submetidos”.
No âmbito da
transferência de competência policiais, a GNR ficará responsável por “vigiar,
fiscalizar e controlar as fronteiras marítima e terrestre”, “agir no âmbito de
processos de afastamento coercivo e à expulsão judicial de cidadãos estrangeiros,
nas áreas da sua jurisdição” e “assegurar a realização de controlos móveis e de
operações conjuntas com forças e serviços de segurança nacionais e congéneres
espanhóis”. A PSP integrará as
competências de “vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras aeroportuárias e
terminais de cruzeiros” e “agir no âmbito de processos de afastamento coercivo
e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição”. E a PJ fica com competências reservadas na investigação
dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração
ilegal, tráfico de pessoas e de outros com estes conexos.
Esta
separação do SEF entre as funções policiais e as funções administrativas
relacionadas com imigrantes constava do Programa do Governo e foi anunciada
pelo Ministro da Administração Interna após a morte dum cidadão ucraniano nas
instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, pela qual três inspetores foram
condenados, deixando a perceção pública de que fora este dramático incidente que
azou a extinção do SEF.
A proposta
de lei ora aprovada é omissa quanto ao departamento que tutelará a APMA, bem
como se esta ficará a gerir as bases de dados policiais atualmente da
responsabilidade do SEF.
Previamente
à aprovação global final, a proposta fora discutida e aprovada na especialidade
no dia 20, pela 1.ª Comissão
com um painel de votação equivalente, ou seja, com os votos do PS, BE e de Joacine Katar Moreira,
que também tinha votado a favor aquando da aprovação na generalidade.
PSD, PCP e CDS, que também integram a Comissão, votaram contra.
Foi
na fase da discussão na especialidade que a proposta do PS e do BE introduziu a criação
de uma APMA, por sugestão dos bloquistas, em vez do SEA anunciado pelo
Governo.
Sobre
a proposta do Governo foram negativos todos os 13 pareceres chegados à 1.ª
Comissão por parte de diversas entidades às quais tinham sido pedidos.
A
proposta determina que, “no prazo de 60 dias”, o Governo apresente o diploma de
criação da APMA, que o BE quer que fique na dependência da Presidência
do Conselho de Ministros, que tutela a Secretaria de Estado para a
Integração e as Migrações, “promovendo uma separação entre a segurança interna
e as políticas de imigração”, e que o PS defende que fique na tutela do Ministério
da Administração Interna, como ficava o SEA.
Compreende-se
a opção do BE, já que a política de integração e imigração é transversal a
vários departamentos do Estado (administração interna, assuntos
externos, educação, saúde, segurança social, proteção civil, economia…) e PJ e INR dependem do
Ministério da Justiça; por outro lado, o PS não quer o esvaziamento do Ministério
da Administração Interna a quem estavam confiadas a entrada e permanência de
cidadãos estrangeiros, o que não pode deixar de ser uma preocupação deste Ministério,
e a diversa dependência das polícias nunca foi problema insolúvel.
Além
da APMA, as atuais funções administrativas do SEF, cuja separação das policiais
era o principal desígnio do governo, passam também a ser exercidas pelo INR no
respeitante aos cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência,
etc., bem como à emissão de passaportes. E as funções
policiais do SEF, repartir pela PJ, GNR e PSP, mantêm-se, no essencial segundo
o defendido pelo Governo, mas com o BE a conseguir introduzir algumas condições
relacionadas com a formação dos agentes da PSP e dos militares da GNR para as
novas funções, respondendo assim a algumas críticas constantes dos preditos 13
pareceres.
É
de relevar que a PJ assume a exclusividade da “investigação dos
crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal,
tráfico de pessoas e de outros com estes conexos”, que partilhava
com o SEF.
Por
proposta do BE, fica “assegurada a formação regular e continuada
dos efetivos da PSP, GNR e PJ, bem como dos funcionários do IRN, em
matérias de direitos humanos, direito das migrações, direito de
asilo e em outras matérias relacionadas com as suas novas
atribuições”.
A transição
dos funcionários do SEF para a APMA, IRN, GNR, PJ e PSP será
feita, no caso do “pessoal da carreira de investigação e fiscalização para
outras forças de segurança ou serviços, assim como os trabalhadores da carreira
geral” sem redução de categoria, antiguidade e índice remuneratório, sendo assegurada
a contagem de todo o tempo de serviço prestado no SEF, designadamente
para efeitos de promoção, disponibilidade e aposentação.
A
transição para outras entidades “deve ter em conta os conteúdos funcionais e a
natureza das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador nos últimos três
anos”.
Nestes termos, a deputada do BE Beatriz Gomes
Dias
referiu o entendimento de que “a proposta agora aprovada é mais
equilibrada em termos da defesa de direitos humanos dos migrantes” e também salvaguarda mais “o respeito
integral pelos direitos dos trabalhadores do SEF”.
Recorde-se que atualmente o SEF tem 1.666 trabalhadores, 1.049 dos
quais são inspetores e os restantes funcionários não policiais.
***
Como se entreleu, esta extinção-reestruturação tem sido fortemente contestada pelos
sindicatos dos inspetores e funcionários do SEF, bem como por alguns partidos
políticos, nomeadamente o CDS e o PSD. Mas, afinal, o que muda?
Estes são, em suma, alguns dos pontos essenciais sobre as mudanças com a
extinção do SEF:
- As
competências policiais do SEF vão passar para a PSP, a GNR e a PJ.
- A GNR
ficará responsável por vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras marítima e
terrestre, agir no âmbito de processos de afastamento coercivo e à expulsão
judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas da sua jurisdição e assegurar a
realização de controlos móveis e de operações conjuntas com forças e serviços
de segurança nacionais e congéneres espanhóis.
- A PSP
integrará as competências de vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras
aeroportuárias e terminais de cruzeiros e agir no âmbito de processos de
afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos estrangeiros, nas áreas
da sua jurisdição.
- A PJ fica
com competência reservada na investigação dos crimes de auxílio à imigração
ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e de
outros com estes conexos.
- Os
processos de afastamento coercivo e de expulsão judicial de cidadãos
estrangeiros passam para a competência da PSP e GNR, que ficam também com a
responsabilidade de gerir os espaços equiparados de instalação temporária nas
suas áreas de jurisdição.
- A
transição dos inspetores do SEF para a PSP, GNR e PJ terá em conta os conteúdos
funcionais e natureza das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador nos
últimos 3 anos.
- A passagem
dos inspetores do SEF para as outras polícias não pode implicar a redução de
categoria, antiguidade e índice remuneratório, sendo assegurada a contagem de
todo o tempo de serviço prestado no SEF, designadamente para efeitos de
promoção, disponibilidade e aposentação.
- É
assegurada formação regular e continuada dos efetivos da PSP, GNR e PJ em
matérias de direitos humanos, migrações e asilo.
- As atuais
atribuições em matéria administrativa do SEF relativamente a cidadãos
estrangeiros passam a ser exercidas pela APMA e pelo INR.
- O Governo
vai apresentar, no prazo de 60 dias a contar da data de publicação da presente
lei, o diploma que cria a APMA, um serviço de natureza administrativa com
atribuições específicas.
- A APMA
terá a missão de concretizar as políticas públicas em matéria migratória e de
asilo, nomeadamente a de regularização da entrada e permanência de cidadãos
estrangeiros em território nacional, emitir pareceres sobre os pedidos de
vistos, de asilo e de instalação de refugiados, assim como participar na
execução da política de cooperação internacional do Estado português no âmbito
das migrações e asilo.
- Junto da
APMA funcionará um órgão consultivo em matéria migratória e de asilo,
assegurando a representação de departamentos governamentais e de organizações
não governamentais, cujo objeto estatutário se destine primordialmente à defesa
dos direitos das pessoas migrantes, refugiadas e requerentes de asilo, à defesa
dos direitos humanos ou ao combate ao racismo e xenofobia, competindo-lhe,
designadamente, emitir pareceres, recomendações e sugestões que lhe sejam
submetidos.
- Até à
entrada em vigor do diploma que cria a APMA, são mantidas as normas que regulam
“os sistemas informáticos e de comunicações do SEF, incluindo as relativas à
Parte Nacional do Sistema de Informação Schengen e outros existentes no âmbito
do controlo da circulação de pessoas, passando a sua gestão a ser assegurada
por uma unidade de tecnologias de Informação de Segurança”.
- O INR passará
a renovar as autorizações de residência dos cidadãos estrangeiros que vivem que
Portugal, mas o Governo ainda tem de aprovar um diploma próprio.
- O texto final
é omisso sobre que departamento tutelará a APMA, visto que o BE defende que
este organismo deve ficar sob a dependência da Presidência do Conselho de
Ministros, enquanto o PS o quer na tutela do Ministério da Administração
Interna, como estava o SEA.
- É preciso
definir quem vai gerir as bases de dados policiais atualmente da
responsabilidade do SEF: se é a APMA ou outra entidade.
***
Criado em
1981, o SEF era um serviço de segurança integrado no Ministério da
Administração Interna (MAI) que, no
quadro da política de segurança interna, tinha por missão; assegurar o controlo
das pessoas nas fronteiras, dos estrangeiros em território nacional, a
prevenção e o combate à criminalidade relacionada com a imigração ilegal e
tráfico de seres humanos; gerir os documentos de viagem e de identificação de
estrangeiros; e proceder à instrução dos processos de pedido de asilo, na
salvaguarda da segurança interna e dos direitos e liberdades individuais no
contexto global da realidade migratória.
***
Não se vê
motivo para o PR opor o veto político. Os votos do PS e do BE asseguram a maioria
exigida para a aprovação de decretos da AR que revistam a forma de lei orgânica
(a maioria
absoluta dos deputados em efetividade de funções). É certo que os pareceres solicitados eram negativos, mas também o eram os
que diziam respeito às alterações à LDN e à LOBOFA. Além disso, no caso
vertente, houve correções à proposta de lei. Ademais, a obrigatoriedade legal de
ouvir determinadas entidades não implica que o seu parecer seja vinculativo,
caso contrário seria dificílimo fazer retomas por via legislativa.
2021.10.22 – Louro de Carvalho
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