terça-feira, 26 de outubro de 2021

O espectro duma crise política por eventual chumbo do OE 2022

 

Começou o debate na generalidade da proposta do Orçamento do Estado para 2022, cujo desfecho – aprovação com baixa à competente Comissão para debate na especialidade ou rejeição que, de momento, é tida como muito provável – está agendado para o dia 27.

É ponto assente que, à dita direita (Iniciativa Liberal, CDS-PP e Chega), ninguém quer nada com as bases orçamentais da proposta, mesmo com as correções anunciadas, que mais se distanciam da linha programática destes partidos com assento parlamentar, nem o Primeiro-Ministro se mostrou interessado em negociar com este conjunto de forças. Mais disse, em tempos, que, se o orçamento dependesse do PSD, o Governo acabaria. Por isso, o voto contra desta área é mais que certo e sem surpresa; e o exemplo de Marcelo Rebelo de Sousa, então líder do PSD, que viabilizou, pela abstenção, orçamentos do Governo de Guterres, mercê das responsabilidades para com a UE (União Europeia), ou está esquecido ou não colhe nesta circunstância.

Por seu turno, o PAN e as deputadas não inscritas, abstendo-se, dispõem-se a viabilizar o debate na especialidade.

Já o BE, o PCP e o PEV anunciaram o voto contra já aquando da aprovação na generalidade.

Enquanto os partidos ditos à direita se entretêm a lançar as farpas costumeiras da culpabilização das esquerdas e da forte culpa do Governo, com a consequência da saída de cena da parte das esquerdas, que puseram Costa no topo da governação, a briga está, de momento, por conta do PCP e PEV (CDU) e do BE contra o Governo. Os partidos mais à esquerda querem basicamente o retorno da legislação laboral ao tempo anterior à troika, o reforço do SNS (batendo as teclas da exclusividade de dedicação e da criação do lugar de técnico auxiliar de saúde), um aumento decente da remuneração mínima nacional e o reforço da melhoria das condições de reforma e aposentação, bem como um aumento mais vigoroso das pensões mais baixas.

O Governo argumenta com a obrigação de manter as contas certas em sintonia com o desígnio europeu, o que entende por interesse nacional e o desenho dum futuro possível em termos da contenção do défice e da redução da dívida. Os partidos inicialmente parceiros aduzem que as cedências do Executivo são manifestamente insuficientes e acusam-no de fixismo, não querendo mesmo que o orçamento seja aprovado. Mais dizem que António Costa tem governado como se tivesse a maioria absoluta no Parlamento.

Por outro lado, a relação do Governo com a concertação social degradou-se nos últimos tempos: os sindicatos estão insatisfeitos com a legislação laboral, sobretudo no atinente ao aumento salarial, às condições de trabalho e às carreiras; o patronato quer maior capacidade na gestão do emprego e na (des)vinculação laboral e maior alívio nos custos de empresa, sobretudo pela via da redução da TSU e da carga fiscal. E o Governo até indispôs o patronato a ponto de o Primeiro-Ministro sentir a necessidade de apresentar um pedido de desculpa.   

Compreende-se que PCP e BE queiram mostrar aos respetivos eleitorados uma vertebração negocial com o Governo em prol de melhores condições para trabalhadores e reformados ou aposentados. Por conseguinte, pensarão que eleições antecipadas poderão trazer a recuperação de votos perdidos nas últimas legislativas e, sobretudo, nas últimas autárquicas. Porém, é bom não esquecer que o BE foi penalizado eleitoralmente em 2011 por ter alinhado no chumbo do PEC-4, o que não sucedeu com o PCP, que até ganhou mais um lugar no Parlamento. E dá a impressão de que o BE quer tirar partido do desgaste do PCP, que se vê em condições políticas pouco sólidas, rodeado dum movimento sindical anémico e fraturado e dum patronato que recorre cada vez mais ao recrutamento de tarefeiros ou a empresas prestadoras de serviços.

Pode ser que eventuais próximas eleições deem a um e outro o sabor amargo da derrota ou capitalizem o voto de protesto à esquerda, neste caso, com possível vantagem para o BE, servido por gente mais nova, mas sem implantação consolidada, como se viu nas últimas eleições autárquicas.    

O PS está numa dupla posição: por um lado, sente-se cansado e desgastado, já que a pandemia deu cabo desta governança como daria cabo de qualquer outra, todos se atiram contra este Governo pelos erros e dislates que lhe registam e é um Governo muito numeroso, onde cada um fala para seu canto; por outro lado, teria todo o gosto em orientar e administrar a aplicação dos fundos europeus que se anunciam no âmbito do PRR e, sobretudo, no do Portugal 2030.

Correrá o país, na provável próxima campanha eleitoral António Costa a distribuir verbalmente verbas do PRR a troco de votos no PS? Fará mal, como demonstraram os resultados da última corrida eleitoral. Armar-se-á de vítima porque a esquerda e a direita o encurralaram num chumbo orçamental com um Presidente da República atento e, por um lado, a rechaçar uma crise política e a dizer que os resultados em abril manteriam a situação de forças como está presentemente, por outro, a antecipar a hipótese de crise e a prometer desencadear, quanto antes, os mecanismos para a dissolução do Parlamento e marcação de eleições para janeiro? Ora a vitimização é um pau de dois bicos: se soar a fingimento, é fatal; se tiver a áurea da sinceridade, resulta. Será Costa hábil e mobilizador que dê novo elã ao seu partido para conseguir arrancar dos portugueses em eleições a maioria absoluta ou uma reforçada maioria que ultrapasse atual debilidade? Talvez o genoma asiático lhe dê vigor, quem sabe! Ou é o flop que muitos veem.

À direita, as coisas não estão fáceis. O Chega, que vem crescendo, tanto é capaz de aumentar o seu score eleitoral, se os portugueses não estiverem cansados das atoardas populistas assaz propaladas, com base no discurso que faz na linha do que muitos pensam, mas não dizem, como corre o risco de se reduzir ao líder e alguns acólitos. São tantas as inépcias registadas!               

Os demais partidos parecem não querer nada com o Chega, ou porque detestam o rótulo, ou porque já têm larvadas no seu ideário muitas das linhas que ele defende. Não esqueço que as grandes figuras do Chega vêm das alas do PSD e do CDS-PP e muitos dos militantes encontraram neste novel partido um lugar de afirmação e militância, como o poderiam ter encontrado em qualquer outro. Lembram-se de que o PRD de Eanes e Martinho foi um flop?

O CDS-PP está em disputa interna tendo a liderança em leilão. Ou sobrevive à crise interna e à provável crise política nacional e se reforça ou remete-se ao partido do táxi sem líder que seja credível e fica sem capacidade para bengala de qualquer Governo como o foi com Freitas do Amaral e com Paulo Portas.

O PSD, por sua vez, ficou deslumbrado com os ganhos obtidos nas últimas eleições autárquicas. E, em vez de a massa de militantes ter exigido da liderança o reforço do ânimo partidário, alojou de bom grado a disputa pela liderança. Assim, neste momento, perfilam-se dois candidatos a líder para as eleições diretas de 4 de dezembro, 41.º aniversário da morte de Francisco Sá Carneiro. O atual líder, que asilou contradições, virtudes e defeitos, ética e tolerância à falta de ética, surpreendeu o país, tal como em 2001, no Porto, com bons resultados nos centros urbanos e com um aumento inesperado de presidências de câmaras municipais e de juntas de freguesia para o seu partido só ou em coligação com o CDS-PP e, ainda, em coligação mais alargada. E não se pode alegar que, a nível autárquico, contam as pessoas e não o partido. Tudo conta. Assim, foi surpreendente a vitória em Lisboa e em Portalegre; correspondeu às expectativas a vitória em Funchal, em Coimbra, em Santarém; e manteve Braga, Aveiro e Viseu. Não ganhou eleições, mas teve ganhos avultados.  

Por isso, a antecipação da entrada na corrida pelo seu adversário teria justificação plena se a crise política não estivesse tão iminente. Com eleições diretas a 4 de dezembro e o Congresso a seguir, duvido de que uma liderança diferente da de Rui Rio tenha capacidade de levar o partido a eleições com êxito em tão pouco tempo, a menos que o Presidente da República tenha a paciência de esperar pelo tempo do partido de que provém, o que não é provável, ou o potencial novel líder tenha tudo preparado, desde há largo tempo, a nível de estado-maior, de estratégia e de táticas. Considero que Rio, ou por ter corrigido de algumas situações erráticas e/ou por ter sido feliz com as surpresas eleitorais quando está na mó de cima (não precisa de ser picado), apesar de me não mobilizar muito, está em melhores de disputar eleições legislativas a curto prazo.

Em todo o caso, o que está em causa é, a nível de rótulo, o desenvolvimento do país ou o interesse nacional, mas, a nível real, é a corrida aos fundos europeus. Já em 1985, em vésperas da assinatura do tratado de adesão à CEE, a 12 de junho, o PSD, de Cavaco Silva, anunciou a rutura da coligação com o PS, sendo que, em 1987, a crise política espoletada pelo PRD com a conivência do PS, de Vítor Constâncio, resultou na maioria do PSD, com o aval do Presidente Soares (nunca tinha pensado dissolver o Parlamento), replicada em 1991.

Agora, todos parecem querer eleições para orientar e administrar a aplicação de verbas europeias, não vão elas cair em mãos indesejáveis, obviamente na ótica dos diversos blocos partidários. Para alguns, o desejável nas próximas eventuais eleições seria a emergência do bloco central, pois, agarrados às coisas más a ele adstritas, teremos esquecido as boas – dizem alguns. O próprio Chefe de Estado chegou a deixar entender que a sua Casa Civil iria vigiar pela boa aplicação das verbas dos fundos estruturais. Como se esta entidade estivesse vocacionada e tivesse capacidade legal para isso.

Quanto ao Presidente da República, não é de olvidar que cedo antecipou um fim de ciclo a meio desta legislatura. Muito falava de 2021, ano de eleições autárquicas, tendo sido apontado como fautor de leitura nacional dos resultados de eleições locais. Por outro lado, afrontou o Governo promulgando diplomas do Parlamento contrários à norma-travão e demarcou-se do mecanismo governamental de combate à pandemia por diversas vezes. E, no caso vertente, ainda não estava, como não está, consumada a crise política, já avisou que iniciará, quanto antes, diligências para a dissolução do Parlamento, marcação de eleições para janeiro e apresentação de orçamento lá para abril. E não se cansa de falar do tema enquanto o debate orçamental continua. Mais disse que tudo fez para evitar a crise política. Bom, poderia ter-se contido mais em público e esperar que tudo se esclarecesse, embora seja positivo que tenha intervindo nos bastidores.

Enfim, todos parecem querer eleições. Veremos quem ganhará e quem perderá com elas. Talvez não fossem necessárias se todos assumissem as suas responsabilidades para com o país. As legislaturas são para se cumprirem. E não vale a Marcelo dizer que bem os avisou.

2021.10.26 – Louro de Carvalho    

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