Começou
o debate na generalidade da proposta do Orçamento do Estado para 2022, cujo
desfecho – aprovação com baixa à competente Comissão para debate na
especialidade ou rejeição que, de momento, é tida como muito provável – está
agendado para o dia 27.
É
ponto assente que, à dita direita (Iniciativa Liberal,
CDS-PP e Chega),
ninguém quer nada com as bases orçamentais da proposta, mesmo com as correções
anunciadas, que mais se distanciam da linha programática destes partidos com
assento parlamentar, nem o Primeiro-Ministro se mostrou interessado em negociar
com este conjunto de forças. Mais disse, em tempos, que, se o orçamento
dependesse do PSD, o Governo acabaria. Por isso, o voto contra desta área é
mais que certo e sem surpresa; e o exemplo de Marcelo Rebelo de Sousa, então
líder do PSD, que viabilizou, pela abstenção, orçamentos do Governo de Guterres,
mercê das responsabilidades para com a UE (União Europeia), ou está esquecido ou não colhe
nesta circunstância.
Por
seu turno, o PAN e as deputadas não inscritas, abstendo-se, dispõem-se a
viabilizar o debate na especialidade.
Já
o BE, o PCP e o PEV anunciaram o voto contra já aquando da aprovação na
generalidade.
Enquanto
os partidos ditos à direita se entretêm a lançar as farpas costumeiras da
culpabilização das esquerdas e da forte culpa do Governo, com a consequência da
saída de cena da parte das esquerdas, que puseram Costa no topo da governação, a
briga está, de momento, por conta do PCP e PEV (CDU) e do BE contra o Governo. Os
partidos mais à esquerda querem basicamente o retorno da legislação laboral ao
tempo anterior à troika, o reforço do SNS (batendo as teclas da
exclusividade de dedicação e da criação do lugar de técnico auxiliar de saúde), um aumento decente da
remuneração mínima nacional e o reforço da melhoria das condições de reforma e
aposentação, bem como um aumento mais vigoroso das pensões mais baixas.
O
Governo argumenta com a obrigação de manter as contas certas em sintonia com o
desígnio europeu, o que entende por interesse nacional e o desenho dum futuro
possível em termos da contenção do défice e da redução da dívida. Os partidos
inicialmente parceiros aduzem que as cedências do Executivo são manifestamente
insuficientes e acusam-no de fixismo, não querendo mesmo que o orçamento seja
aprovado. Mais dizem que António Costa tem governado como se tivesse a maioria
absoluta no Parlamento.
Por
outro lado, a relação do Governo com a concertação social degradou-se nos
últimos tempos: os sindicatos estão insatisfeitos com a legislação laboral,
sobretudo no atinente ao aumento salarial, às condições de trabalho e às
carreiras; o patronato quer maior capacidade na gestão do emprego e na
(des)vinculação laboral e maior alívio nos custos de empresa, sobretudo pela
via da redução da TSU e da carga fiscal. E o Governo até indispôs o patronato a
ponto de o Primeiro-Ministro sentir a necessidade de apresentar um pedido de
desculpa.
Compreende-se
que PCP e BE queiram mostrar aos respetivos eleitorados uma vertebração
negocial com o Governo em prol de melhores condições para trabalhadores e
reformados ou aposentados. Por conseguinte, pensarão que eleições antecipadas
poderão trazer a recuperação de votos perdidos nas últimas legislativas e,
sobretudo, nas últimas autárquicas. Porém, é bom não esquecer que o BE foi
penalizado eleitoralmente em 2011 por ter alinhado no chumbo do PEC-4, o que
não sucedeu com o PCP, que até ganhou mais um lugar no Parlamento. E dá a
impressão de que o BE quer tirar partido do desgaste do PCP, que se vê em
condições políticas pouco sólidas, rodeado dum movimento sindical anémico e
fraturado e dum patronato que recorre cada vez mais ao recrutamento de
tarefeiros ou a empresas prestadoras de serviços.
Pode
ser que eventuais próximas eleições deem a um e outro o sabor amargo da derrota
ou capitalizem o voto de protesto à esquerda, neste caso, com possível vantagem
para o BE, servido por gente mais nova, mas sem implantação consolidada, como
se viu nas últimas eleições autárquicas.
O
PS está numa dupla posição: por um lado, sente-se cansado e desgastado, já que
a pandemia deu cabo desta governança como daria cabo de qualquer outra, todos
se atiram contra este Governo pelos erros e dislates que lhe registam e é um
Governo muito numeroso, onde cada um fala para seu canto; por outro lado, teria
todo o gosto em orientar e administrar a aplicação dos fundos europeus que se
anunciam no âmbito do PRR e, sobretudo, no do Portugal 2030.
Correrá
o país, na provável próxima campanha eleitoral António Costa a distribuir
verbalmente verbas do PRR a troco de votos no PS? Fará mal, como demonstraram
os resultados da última corrida eleitoral. Armar-se-á de vítima porque a
esquerda e a direita o encurralaram num chumbo orçamental com um Presidente da
República atento e, por um lado, a rechaçar uma crise política e a dizer que os
resultados em abril manteriam a situação de forças como está presentemente, por
outro, a antecipar a hipótese de crise e a prometer desencadear, quanto antes,
os mecanismos para a dissolução do Parlamento e marcação de eleições para
janeiro? Ora a vitimização é um pau de dois bicos: se soar a fingimento, é
fatal; se tiver a áurea da sinceridade, resulta. Será Costa hábil e mobilizador
que dê novo elã ao seu partido para conseguir arrancar dos portugueses em
eleições a maioria absoluta ou uma reforçada maioria que ultrapasse atual
debilidade? Talvez o genoma asiático lhe dê vigor, quem sabe! Ou é o flop que
muitos veem.
À
direita, as coisas não estão fáceis. O Chega, que vem crescendo, tanto é capaz
de aumentar o seu score eleitoral, se os portugueses não estiverem cansados das
atoardas populistas assaz propaladas, com base no discurso que faz na linha do
que muitos pensam, mas não dizem, como corre o risco de se reduzir ao líder e
alguns acólitos. São tantas as inépcias registadas!
Os
demais partidos parecem não querer nada com o Chega, ou porque detestam o
rótulo, ou porque já têm larvadas no seu ideário muitas das linhas que ele
defende. Não esqueço que as grandes figuras do Chega vêm das alas do PSD e do
CDS-PP e muitos dos militantes encontraram neste novel partido um lugar de
afirmação e militância, como o poderiam ter encontrado em qualquer outro.
Lembram-se de que o PRD de Eanes e Martinho foi um flop?
O
CDS-PP está em disputa interna tendo a liderança em leilão. Ou sobrevive à
crise interna e à provável crise política nacional e se reforça ou remete-se ao
partido do táxi sem líder que seja credível e fica sem capacidade para bengala
de qualquer Governo como o foi com Freitas do Amaral e com Paulo Portas.
O
PSD, por sua vez, ficou deslumbrado com os ganhos obtidos nas últimas eleições
autárquicas. E, em vez de a massa de militantes ter exigido da liderança o
reforço do ânimo partidário, alojou de bom grado a disputa pela liderança.
Assim, neste momento, perfilam-se dois candidatos a líder para as eleições
diretas de 4 de dezembro, 41.º aniversário da morte de Francisco Sá Carneiro. O
atual líder, que asilou contradições, virtudes e defeitos, ética e tolerância à
falta de ética, surpreendeu o país, tal como em 2001, no Porto, com bons
resultados nos centros urbanos e com um aumento inesperado de presidências de
câmaras municipais e de juntas de freguesia para o seu partido só ou em
coligação com o CDS-PP e, ainda, em coligação mais alargada. E não se pode
alegar que, a nível autárquico, contam as pessoas e não o partido. Tudo conta.
Assim, foi surpreendente a vitória em Lisboa e em Portalegre; correspondeu às
expectativas a vitória em Funchal, em Coimbra, em Santarém; e manteve Braga,
Aveiro e Viseu. Não ganhou eleições, mas teve ganhos avultados.
Por
isso, a antecipação da entrada na corrida pelo seu adversário teria
justificação plena se a crise política não estivesse tão iminente. Com eleições
diretas a 4 de dezembro e o Congresso a seguir, duvido de que uma liderança
diferente da de Rui Rio tenha capacidade de levar o partido a eleições com
êxito em tão pouco tempo, a menos que o Presidente da República tenha a
paciência de esperar pelo tempo do partido de que provém, o que não é provável,
ou o potencial novel líder tenha tudo preparado, desde há largo tempo, a nível
de estado-maior, de estratégia e de táticas. Considero que Rio, ou por ter
corrigido de algumas situações erráticas e/ou por ter sido feliz com as
surpresas eleitorais quando está na mó de cima (não precisa de
ser picado), apesar
de me não mobilizar muito, está em melhores de disputar eleições legislativas a
curto prazo.
Em
todo o caso, o que está em causa é, a nível de rótulo, o desenvolvimento do
país ou o interesse nacional, mas, a nível real, é a corrida aos fundos
europeus. Já em 1985, em vésperas da assinatura do tratado de adesão à CEE, a
12 de junho, o PSD, de Cavaco Silva, anunciou a rutura da coligação com o PS,
sendo que, em 1987, a crise política espoletada pelo PRD com a conivência do
PS, de Vítor Constâncio, resultou na maioria do PSD, com o aval do Presidente
Soares (nunca
tinha pensado dissolver o Parlamento),
replicada em 1991.
Agora,
todos parecem querer eleições para orientar e administrar a aplicação de verbas
europeias, não vão elas cair em mãos indesejáveis, obviamente na ótica dos
diversos blocos partidários. Para alguns, o desejável nas próximas eventuais
eleições seria a emergência do bloco central, pois, agarrados às coisas más a
ele adstritas, teremos esquecido as boas – dizem alguns. O próprio Chefe de
Estado chegou a deixar entender que a sua Casa Civil iria vigiar pela boa
aplicação das verbas dos fundos estruturais. Como se esta entidade estivesse
vocacionada e tivesse capacidade legal para isso.
Quanto
ao Presidente da República, não é de olvidar que cedo antecipou um fim de ciclo
a meio desta legislatura. Muito falava de 2021, ano de eleições autárquicas,
tendo sido apontado como fautor de leitura nacional dos resultados de eleições
locais. Por outro lado, afrontou o Governo promulgando diplomas do Parlamento
contrários à norma-travão e demarcou-se do mecanismo governamental de combate à
pandemia por diversas vezes. E, no caso vertente, ainda não estava, como não
está, consumada a crise política, já avisou que iniciará, quanto antes,
diligências para a dissolução do Parlamento, marcação de eleições para janeiro
e apresentação de orçamento lá para abril. E não se cansa de falar do tema
enquanto o debate orçamental continua. Mais disse que tudo fez para evitar a
crise política. Bom, poderia ter-se contido mais em público e esperar que tudo
se esclarecesse, embora seja positivo que tenha intervindo nos bastidores.
Enfim,
todos parecem querer eleições. Veremos quem ganhará e quem perderá com elas.
Talvez não fossem necessárias se todos assumissem as suas responsabilidades
para com o país. As legislaturas são para se cumprirem. E não vale a Marcelo
dizer que bem os avisou.
2021.10.26 – Louro de Carvalho
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