O Papa Francisco presidiu, neste dia 9 de outubro, à
sessão de abertura da 16.ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, que
promove um processo inédito de consulta, com assembleias diocesanas e
continentais até 2023 – tudo em torno do tema lancinante ‘Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão’.
O encontro começou em sessão plenária, com
representações de organismos internacionais de bispos, delegados de vida
consagrada e movimentos laicais, membros da Cúria Romana e do Conselho
Consultivo dos Jovens, criado após o Sínodo de 2018.
O percurso para a celebração do Sínodo está dividido
em três fases, entre outubro de 2021 e outubro de 2023, passando pela fase
diocesana e pela fase continental, que darão vida a dois instrumentos de
trabalho distintos, antes da fase definitiva, a nível mundial.
Pela
primeira vez em mais de 50 anos de história do Sínodo, a abertura do Sínodo de
2023 acontece também de forma descentralizada, em cada diocese católica, a 17
de outubro, sob a presidência do respetivo bispo.
Os trabalhos, no Vaticano, começaram com a
entronização da Palavra de Deus, numa procissão em que o jovem português
Rodrigo Figueiredo, do Conselho Consultivo dos Jovens, transportou o Evangelho.
As primeiras intervenções estiveram a cargo da teóloga espanhola Cristina
Inogés e do jesuíta Paul Béré, do Burquina-Faso, antes do discurso do Papa
Francisco. Seguiram-se as intervenções do Cardeal Jean Claude Hollerich,
relator-geral do Sínodo 2021-2023, e do Cardeal Mario Grech, secretário-geral
do Sínodo. E os mais de 200 participantes nesta sessão ouviram testemunhos de
leigos, religiosos e bispos, além duma saudação do irmão Alois, prior da
comunidade ecuménica de Taizé.
No domingo, dia 10, o Papa presidirá à Missa que
inaugura oficialmente o processo sinodal deste biénio, a partir das 10 horas (menos uma
em Lisboa), na Basílica de São Pedro, no
Vaticano.
Simbolicamente, a procissão de entrada contará com a
presença dum grupo de 25 pessoas em representação de “todo o Povo de Deus e os
diferentes continentes”, como informa a Santa Sé.
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É de recordar que Secretaria do Sínodo dos Bispos é
auxiliada no trabalho por várias comissões para a assembleia geral de 2023, com
a presença de religiosas e teólogas da África do Sul, Alemanha, Austrália,
Burquina-Faso, Estados Unidos da América, Espanha, Filipinas, França e
Singapura. A Comissão Metodológica é coordenada pela irmã Nathalie Becquart,
subsecretária do Sínodo dos Bispos, a primeira mulher com direito a voto nestas
assembleias, que referiu à agência “Ecclesia”
ser a promoção da presença feminina uma “aspiração” da Igreja e da sociedade,
realçando:
“Vejo uma evolução na Igreja. Diria que há 10, 20 anos, talvez, a
questão das mulheres era levantada, sobretudo, por mulheres, mas hoje em dia
ela é levantada e manifestada também pelos homens.”.
Além desta estrutura, o Sínodo tem a Comissão
Teológica, a Comissão de Espiritualidade e a Comissão de Comunicação, onde
estão presentes dois portugueses: o Padre Paulo Terroso, diretor do
Departamento de Comunicação da Arquidiocese de Braga e administrador do ‘Diário do Minho’, e Leopoldina Reis
Simões, profissional de assessoria de imprensa, relações públicas e comunicação.
Em setembro passado, a Santa Sé publicou o documento
preparatório do Sínodo dos Bispos onde indica os princípios da “sinodalidade
como forma, como estilo e como estrutura da Igreja”.
O Conselho Permanente da CEP (Conferência
Episcopal Portuguesa) debateu
então o processo da assembleia sinodal, apelando ao envolvimento das
comunidades católicas. E, como referiu o Padre Manuel Barbosa, secretário da
CEP, “a intenção é que todos sejam auscultados”.
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O Cardeal
Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, disse que o processo de consulta aos
católicos de todo o mundo, convocado pelo Papa, é mais do que uma luta entre
votos contra ou a favor de diversas propostas. E vincou:
“Nesta
dinâmica eclesial surge facilmente a tentação de resolver a escuta por meio de
dinâmicas democráticas, sobretudo para dar ao voto um valor que corre o risco
de transformar a Assembleia Sinodal num parlamento, introduzindo na Igreja a lógica
da maioria e da minoria”.
Ante centenas de participantes, com
representações de organismos internacionais de bispos, delegados de vida
consagrada e movimentos laicais, membros da Cúria Romana e do Conselho
Consultivo dos Jovens, o cardeal destacou que a fase inicial de consulta não é
“decorativa”; ao invés, “temos de garantir a verdade do processo sinodal, para
não comprometer a sua liberdade de desenvolvimento”, como precisou, apelando à
“escuta recíproca de todos”.
O
secretário-geral do Sínodo deixou algumas sugestões para alterar a forma de
“verificar o consentimento” com as propostas das assembleias sinodais,
admitindo o fim da votação tradicional, ponto a ponto, do documento final, por
exemplo. E advertiu:
“Não
basta apresentar objeções fundamentadas ao texto, talvez assinadas por um
número adequado de membros da Assembleia, resolvido com um suplemento para
comparação, e recorrer à votação apenas como instância final e indesejada”.
Mario Grech propôs que o documento
final seja entregue às várias dioceses, onde começou todo o processo sinodal,
antes de ser entregue ao Papa. E precisou:
“Neste
caso, o documento final chegaria ao Bispo de Roma, que sempre e por todos foi
reconhecido como aquele que emite os decretos instituídos pelos concílios e
sínodos, já acompanhado do consenso de todas as Igrejas”.
Depois
da intervenção do Santo Padre, que pediu uma Igreja “diferente”, mais
aberta à escuta, ao diálogo e à proximidade, falou o Cardeal Jean Claude
Hollerich, Arcebispo do Luxemburgo e relator-geral do Sínodo 2021-2023, que se
dirigiu aos “cristãos diligentes, cristãos à margem da Igreja, cristãos
progressistas e cristãos conservadores”, indicando:
“Não
é permanecendo sentados que seremos capazes de discernir a vontade do Pai. É
caminhando juntos que encontraremos muitos cruzamentos e teremos de fazer as
nossas escolhas.”.
O
cardeal luxemburguês destacou que a Igreja “não é autorreferencial, é uma
comunhão profunda que requer a participação de todos e é enviada em missão”.
A teóloga espanhola Cristina Inogés
falou de uma Igreja “profundamente ferida”, que precisa de se transformar num
“porto seguro para todos”. E o jesuíta Paul Béré, do Burquina-Faso, evocou “os
membros da família humana que estão sem fôlego, abatidos, exaustos e muitas vezes
esmagados e bloqueados no seu grito silencioso”.
O irmão Alois, prior da comunidade ecuménica de Taizé, na saudação que
dirigiu ao Sínodo, propôs a todos que, no processo sinodal, “os crentes das
várias Igrejas, fossem convidados para um grande encontro ecuménico” em Roma e
em várias partes do mundo.
Dom Lazarus You
Heung-sik, prefeito da Congregação para o Clero (Santa Sé), recordou o seu Batismo
na véspera de Natal de 1966, aos 16 anos de idade, vincando que foi o primeiro
cristão da sua família, e elogiou o “caminho sinodal” como forma de travar o
“clericalismo” e de aprender “cada vez mais a viver como irmãos”.
Dominique Yon, jovem
sul-africana, falou da sua experiência de doença oncológica e posterior
recuperação, encontrando um “novo sentido de fé e missão” na sua vida. E
adiantou:
“Rezo
para que todos nós possamos abraçar esta oportunidade para a mudança pessoal e
estrutural tão necessária e ter a coragem, força, fé e visão para assumir este
desafio de trazer inclusão para a estrutura da igreja, envolvendo
intencionalmente mulheres e jovens nos processos eclesiais”.
O Padre Zenildo Lima
Da Silva, reitor do Seminário de Manaus (Brasil), partilhou a sua
experiência nesta zona amazónica, pedindo uma Igreja aberta a “novas
experiências”. Com efeito, este
sacerdote disse que cresceu numa paróquia conduzida por um “grupo responsável”,
onde aprendeu a valorizar os “dinamismos de comunhão e participação”.
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Francisco, cuja intervenção era aguardada com
expectativa, disse que o Sínodo tem de ser “expressão viva do ser Igreja” na escuta ao Espírito e aos irmãos e
convidou todos a viver “este
Sínodo no
espírito da ardente oração que Jesus dirigiu ao Pai pelos seus: “que todos
sejam um”, pois “é a isto que somos chamados: à unidade, à comunhão, à
fraternidade que nasce de nos sentirmos abraçados pelo único amor de Deus”. Depois,
explanou:
“Quero agradecer-vos por estardes aqui na
abertura do Sínodo. Percorrendo diversos caminhos, viestes de tantas Igrejas
trazendo cada um no coração perguntas e esperanças. Tenho a certeza de que o
Espírito nos guiará e concederá a graça de avançarmos juntos, de nos ouvirmos
mutuamente e iniciarmos um discernimento sobre o nosso tempo, tornando-nos
solidários com as fadigas e os anseios da humanidade.”.
A seguir, apontou
as três palavras-chave do Sínodo: comunhão,
participação e missão. De
facto, como sublinhou, “comunhão e missão são expressões teológicas que
designam o mistério da Igreja”, sendo através destas duas palavras que “a
Igreja contempla e imita a vida da Santíssima Trindade, mistério de comunhão ad intra e fonte de missão ad extra”. E a outra palavra igualmente relevante
é “participação”, pois “celebrar um
Sínodo é sempre bom e importante, mas só é verdadeiramente fecundo se se tornar
expressão viva do ser Igreja, de um agir marcado pela verdadeira participação”,
que não decorre de “exigências de estilo, mas de fé.” E, considerando que
“a participação é uma exigência da fé batismal”, Francisco explicou:
“O ponto de partida, no corpo
eclesial, é este e nenhum outro: o Batismo. Dele, nossa fonte de vida, deriva a
igual dignidade dos filhos de Deus, embora na diferença de ministérios e
carismas. Por isso, todos somos chamados a participar na vida da Igreja e na
sua missão. Se falta uma participação real de todo o Povo de Deus, os discursos
sobre a comunhão correm o risco de permanecer pias intenções. Neste aspeto, foram
dados alguns passos para frente, mas
sente-se ainda uma certa dificuldade e somos obrigados a registar o mal-estar e
a tribulação de muitos agentes pastorais, dos organismos de participação das
dioceses e paróquias, das mulheres que muitas vezes ainda são deixadas à
margem. Participarem todos é um compromisso eclesial irrenunciável!”.
Segundo o
Papa, o Sínodo, que nos proporciona uma “grande oportunidade para a conversão
pastoral em chave missionária e também ecuménica, não está isento de alguns
riscos”. E Francisco mencionou três:
o formalismo, o clericalismo e a tentação
do imobilismo.
O formalismo reduziria o Sínodo a um
evento extraordinário, mas de fachada, como se alguém ficasse a olhar a bela
fachada de uma igreja sem nunca entrar nela. E apontou a rota genuína:
“O Sínodo é um percurso de
efetivo discernimento espiritual, que não empreendemos para dar uma bela imagem
de nós mesmos, mas para colaborar melhor com a obra de Deus na história. Assim,
quando falamos de uma Igreja sinodal, não podemos contentar-nos com a forma,
mas temos necessidade também de substância, instrumentos e estruturas que
favoreçam o diálogo e a interação no Povo de Deus, sobretudo entre sacerdotes e
leigos.”.
O intelectualismo transformaria o Sínodo
num grupo de estudo, com intervenções cultas, mas alheias aos problemas da
Igreja e aos males do mundo – um “falar por falar”, pensando de modo superficial
e mundano, alheado da realidade do Povo de Deus, da vida das comunidades.
E o
imobilismo levaria a rejeitar a mudança com base no “sempre se fez assim”, o
que daria em não levar a sério o tempo que vivemos e “adotar soluções velhas
para problemas novos”.
“É importante que o caminho sinodal seja um processo em desenvolvimento
e envolva, em diferentes fases e a partir da base, as Igrejas locais, num
trabalho apaixonado e encarnado, que imprima um estilo de comunhão e participação
orientado para a missão – sustentou o Papa, que instou a viver o Sínodo como uma “ocasião de encontro, escuta
e reflexão, como um tempo de graça que nos ofereça, na alegria do Evangelho,
pelo menos três oportunidades”, a saber: a
oportunidade de nos encaminhar estruturalmente para uma Igreja sinodal como “lugar
aberto, onde todos se sintam em casa e possam participar”; a oportunidade de
nos tornarmos “uma Igreja da escuta”, fazendo “uma pausa dos nossos ritmos”,
controlando “as nossas ânsias pastorais para pararmos a escutar”, dado que é essencial
“escutar o Espírito na adoração e na
oração, escutar os irmãos e as irmãs sobre as esperanças e as crises da
fé nas diversas áreas do mundo, sobre as urgências de renovação da vida
pastoral, sobre os sinais que provêm das realidades locais; e a oportunidade de
nos tornarmos “uma Igreja da
proximidade”, que estabeleça, com a sua presença, “maiores laços de
amizade com a sociedade e o mundo “e que “não se alheie da vida, mas cuide das
fragilidades e pobrezas do nosso tempo, curando as feridas e sarando os
corações dilacerados com o bálsamo de Deus”.
E Francisco
concluiu, desejando que o Sínodo “seja um tempo habitado pelo Espírito”, pois “é
do Espírito que precisamos, da respiração sempre nova de Deus, que liberta de
todo o fechamento, reanima o que está morto, solta as correntes e espalha a
alegria”. Na verdade, “o Espírito Santo é Aquele que nos guia para onde Deus
quer, e não para onde nos levariam as nossas ideias e gostos pessoais”.
***
Por fim, é de
tomar boa nota daquilo que o Cardeal Jean-Claude Hollerich disse à agência “Ecclesia” e à “Família Cristã” no sentido de o processo visar o debate sobre o
futuro da Igreja Católica, admitindo tensões internas. Efetivamente, como
avançou o purpurado, “deveríamos fixar as regras para vermos como a Igreja irá
atravessar os tempos”, já que “nos encontramos numa mudança de civilização
muito grande”, isto é, “nos inícios duma nova era de informática” (“e isto só
agora começou” – frisou), pelo que “toda
a nossa maneira de pensar, de sentir, de reagir tem que mudar; não podemos ser
ingénuos”.
2021.10.09 – Louro de Carvalho
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