A 31 de agosto de 2020, ocorreu o 150.º aniversário do
nascimento da mulher que, nascida a 31 agosto de 1870, em Chiaravalle, na província de Ancona (Itália), revolucionou
a educação.
Contudo, mercê da pandemia, a Obra Nacional de Montessori (ONM) italiana adiou o Congresso Internacional para 2021.
E, como ainda não via condições suficientes de segurança para o evento em
regime presencial, a 2 de julho passado, o Conselho Diretivo agendou o Congresso
para os dias 23 e 24 de outubro deste ano em edição online.
O Congresso é promovido
pela ONM em parceria com a Association Montessori Internationale, a Montessori-Pierson
Publishing Company e a Comune di Chiaravalle. Palestrantes
italianos e internacionais intervêm sobre aspetos históricos, científicos e
pedagógicos, filosóficos e sociais do pensamento e obra de Montessori. E será apresentado
o Projeto de Relevante Interesse Nacional (PRIN
2017)
sobre o tema “Maria Montessori: entre a
história e a atualidade. Receção e difusão da sua pedagogia na Itália a 150
anos do seu nascimento”.
“Ao recordar o seu compromisso em
construir um mundo mais fraterno e pacífico” – diz o texto assinado pelo Cardeal
Secretário de Estado – “Sua Santidade faz votos por que a significativa
recorrência favoreça uma generosa dedicação em favor das novas gerações, para
formar pessoas solidárias, cidadãos do mundo abertos ao diálogo e ao
acolhimento”. Por fim, “o Sumo Pontífice assegura uma recordação orante e
invoca a Bênção do Senhor sobre os organizadores, palestrantes e sobre todos os
que participarão do evento comemorativo”.
***
A Obra Nacional Montessori com sede em
Roma é herdeira e titular duma definida tradição pedagógica de carácter
científico e configura-se como uma organização nacional de pesquisa e
experimentação, formação e atualização, assistência e consultoria, promoção e
divulgação com referência aos princípios ideais, científicos e metodológicos
montessorianos.
A ONM prossegue os seus objetivos,
orientando-os para a concretização da formação integral do ser humano segundo
os princípios da autonomia, liberdade e responsabilidade individual que são
condições para a realização e expressão do potencial humano e para a afirmação
concreta dos direitos da infância. Para tal fim, a ONM participa no debate
pedagógico e escolar, promovendo, a nível nacional e internacional, iniciativas
de estudo e discussão com órgãos institucionais e com representantes de
diversos posicionamentos científicos e culturais. Em particular, cuida das
relações e contactos com o Ministério da Educação, Universidade e Investigação,
com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional e com o
Ministério do Trabalho e Políticas Sociais, com Universidades, com Centros de
Pesquisa e formação, com as Associações Montessori Internacionais, com as
Associações profissionais, com os órgãos de comunicação.
Atualmente existem aproximadamente 25 mil escolas
montessorianas no mundo, ou seja, que são fiéis aos valores e ensinamentos
montessorianos: liberdade
com responsabilidade, pois a liberdade científica conduz à disciplina;
autonomia como desenvolvimento das potencialidades; e respeito pelo ritmo de
cada criança e pela sua individualidade. Têm o compromisso de transmitir
os ensinamentos de Maria Montessori e fazer do mundo um lugar de aprendizagem
constante, como ela sempre afirmou, procurando deixar vivas as ideias do
método. “Ajude-me a crescer, mas
deixe-me ser eu mesma” era o pedido que Montessori
sentia vindo de cada criança.
Não obstante, a teoria montessoriana carrega alguns mitos, que importa
desfazer porque
distorcem os seus verdadeiros ensinamentos.
- No método montessoriano, a criança faz o que
quer. Não. Montessori valoriza muito o respeito pelo indivíduo e estimula o desenvolvimento da
sua liberdade e
autonomia, pelo que deseja
ensinar a criança a tomar as próprias decisões. Mas isso não significa falta de limites. Ao invés, a autonomia só existe quando a
disciplina foi anteriormente estimulada.
A falta de limites gera medo e
insegurança na criança. Portanto, os limites são necessários e têm uma função. É importante reconhecer
uma autoridade, mas rejeitar o autoritarismo. Assim, Montessori propõe uma nova perspetiva sobre a liberdade e
disciplina, de modo que a criança, primeiro, se guie pelos limites dados pelo
adulto responsável e, com o tempo, por si mesma.
- No
método Montessori, a criança “aprende brincando”. Esta é uma frase muito
comum, porém não é assim que funciona. Montessori
entende que o “trabalho” para a teoria não é algo
sofrido e, portanto, quando as crianças querem realizar atividades, trabalham e
gostam de fazer isso, sem necessidade de castigos ou recompensas externas. Assim, brincar é, na
verdade, o próprio trabalho da criança. Ou seja, enquanto realiza atividades
espontâneas, a criança não brinca, trabalha para a construção de si mesma
e para o desenvolvimento de seus potenciais.
- A educação Montessori é contra o uso da tecnologia. Não. A tecnologia possibilita utilizar ferramentas de aprendizagem
que ajudam muito na teoria. Porém, elas são apenas UMA ferramenta, entre as várias que existem. Portanto, depende de como e o
quanto são utilizadas.
A teoria Montessori valoriza a aprendizagem com
menos telas, é verdade, porque desenvolver as habilidades através da
estimulação sensorial é mais rico e necessário que o uso de tecnologias. Quanto mais concreta
e real for essa realidade, mais ganhos terão as crianças. Porém, isso
não significa que a tecnologia nunca deva ser usada. Antes, se a atividade com
tecnologia tiver um foco de aprendizagem, pode ser uma ótima ferramenta.
***
Como é de entender, o método nasceu em Itália, no
início do século XX, espalhou-se pelo mundo e continua vivo. A criança é
protagonista do seu caminho. Decide o que tem vontade de fazer, o tempo que há
de dedicar a temas que lhe interessam, as vezes que deve repetir uma atividade
ou experiência. O adulto é guia atento e observador, que interfere o mínimo
possível.
Maria Montessori desbravava caminhos nunca antes
explorados e fazia-o com profundidade e intensidade. Foi uma das primeiras
mulheres a estudar Medicina no seu país, dedicou-se a dar condições dignas de
vida e de aprendizagem a crianças com deficiência, que estavam internadas em
instituições psiquiátricas – um vasto projeto a três com mais dois colegas, inovador
e com resultados visíveis, palpáveis. Maria Montessori voltaria a estudar,
queria perceber melhor a antropologia pedagógica, a psicologia experimental, a
educação com seus detalhes e filosofias. Depois, abriu uma escola na
periferia de Roma para testar novos métodos de ensino. Nascia a Casa das
Crianças em ambiente livre e adaptado às necessidades de desenvolvimento e
curiosidade dos mais pequenos. Em 1907, pelas suas mãos e pensamentos, ideias e
ideais, nascia o Método Montessori que saltou fronteiras, se espalhou pelo
mundo e ganhou adeptos.
Montessori viajou por vários países para falar sobre a
nova ciência de educação e colaborar com professores espalhados por diversos
pontos do planeta. Partilhou descobertas e observações que fazia em ambientes
diversos, pensamentos e práticas na ótica do desenvolvimento integral e
profundo. Segundo esta ótica, a criança está no centro do seu crescimento e
desenvolvimento, sendo encarada como um ser ativo que se constrói a si e à
humanidade.
Porque se adere a uma escola que observa o Método Montessori?
Habitualmente será por necessidade pessoal da demanda
por propostas dum ensino alternativo, da vontade duma abordagem que abranja
várias dimensões e, acima de tudo, colocando a criança no centro da
aprendizagem, retirando o foco do professor e do educador. Na verdade, as
crianças querem conhecer, aprender, explorar. O ambiente é preparado para que
tudo aconteça com naturalidade. O adulto, sempre atento, só intervém quando é
estritamente necessário e de forma a fomentar a autonomia e a independência de
quem absorve o mundo. O adulto anula-se, adota uma postura mais passiva, entra
em cena quando a criança precisa. “O
adulto é o maestro, mas que sai do centro da aprendizagem” – dizem. Importa
“replicar a sociedade, a comunidade, a vida, num microambiente na sala de
aula”, pondo as crianças a aprender, a perceber como enfrentar dificuldades,
gerir frustrações, saber esperar, ter paciência. E as crianças “escolhem,
organizam, planeiam, decidem”.
Há uma frase de Maria Montessori que é de lembrar: “Eu não ensino nada, as crianças é que
aprendem”. E fazem-no com estímulos, com materiais na sala e nos espaços no
exterior, através de atividades que encaixam nos seus interesses, nas suas
preferências.
Há três pilares fundamentais neste método: o ambiente
preparado, o adulto capacitado e a forma como se olha para a criança. É a
criança que está no centro de tudo, é a protagonista. Assim, por exemplo, uma
criança que gosta de dinossauros pesquisa sobre o assunto. E, de repente,
fala-se desses animais na sala, diz-se o som da primeira letra do nome das suas
espécies em voz alta e, com essa sonoridade fonética, contam-se os números
desses bichos. E as crianças “aprendem e descobrem com outro entusiasmo,
aprendem com emoção” – dizem os pedagogos.
As crianças querem aprender, explorar o mundo com
todos os sentidos em alerta. As crianças decidem o que fazer, o tempo de fazer,
as vezes que hão de repetir. O adulto interfere o mínimo possível e as crianças
acabam por explorar o material além do objetivo. Tudo é aprendizagem, tudo
importa, tudo interessa.
A Escola Montessori é uma escola com atividades de
estimulação cognitiva, motora, sensorial e social para crianças em idade
pré-escolar e escolar e um centro de formação, para que, acima de tudo, as
crianças sejam felizes nesse caminho que se constrói todos os dias.
As crianças partem à descoberta do que as rodeia,
segundo os seus interesses. Disponibilizam-se materiais, compõe-se a sala
consoante essas vontades. Há liberdade para escolher, liberdade para fazer. Mas
é uma liberdade com limites, conhecem-se as regras. Há um acompanhamento de
perto, ensino mais individualizado consoante as necessidades de cada um. As
crianças têm toda a autonomia. Educa-se para a vida; educam-se as capacidades,
as funções executivas, a flexibilidade do próprio pensamento, o espírito
crítico, a adaptação ao novo e diferente.
A influência de Montessori na história da educação é
evidente. As suas ideias disseminaram-se e estruturaram conceitos alicerçados
na observação constante das crianças, suas aprendizagens, vontades e
curiosidades. É uma educação assente no trabalho sensorial. Mesas e cadeiras
baixas, materiais para mexer, tocar, brincar. Tudo é importante. O que acontece
na primeira infância. As descobertas que valorizam e validam práticas
pedagógicas. Crescer e aprender sem descurar aspetos cognitivos, sociais,
emocionais. Enfim, aprender e caminhar pelo próprio pé.
***
Obviamente é de acolher esta ótica pedagógica pelos
valores que promove. No entanto, deve ser complementada com o desígnio que a
sociedade tem para a educação. Se educamos para a vida, é de advertir que a
vida é muito mais exigente do que aquilo que os educadores fechados num sistema
possam pensar e sentir. E há todo um património desenvolvimental, ético e
cultural que deve ser disponibilizado desde cedo e desenvolvido paulatinamente,
mas em crescendo e dinamismo cíclico. Com efeito, educar sem garantir a
adaptabilidade à vida em sociedade nas sua diversidade e sem promover a necessária
socialização não será certamente boa opção. A educação deve ser autónoma, mas
também deve ser integral, integrada e integradora.
2021.10.24 – Louro de Carvalho
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