domingo, 24 de outubro de 2021

No sesquicentenário do nascimento de Maria Montessori

 

A 31 de agosto de 2020, ocorreu o 150.º aniversário do nascimento da mulher que, nascida  a 31 agosto de 1870, em Chiaravalle, na província de Ancona (Itália), revolucionou a educação.

Contudo, mercê da pandemia, a Obra Nacional de Montessori (ONM) italiana adiou o Congresso Internacional para 2021. E, como ainda não via condições suficientes de segurança para o evento em regime presencial, a 2 de julho passado, o Conselho Diretivo agendou o Congresso para os dias 23 e 24 de outubro deste ano em edição online.

O Congresso é promovido pela ONM em parceria com a Association Montessori Internationale, a Montessori-Pierson Publishing Company e a Comune di Chiaravalle. Palestrantes italianos e internacionais intervêm sobre aspetos históricos, científicos e pedagógicos, filosóficos e sociais do pensamento e obra de Montessori. E será apresentado o Projeto de Relevante Interesse Nacional (PRIN 2017) sobre o tema “Maria Montessori: entre a história e a atualidade. Receção e difusão da sua pedagogia na Itália a 150 anos do seu nascimento”.

Por ocasião do Congresso organizado pela ONM – consignatária da tarefa de preservar e divulgar o pensamento e a obra de Montessori, de desenvolver o seu património histórico e científico, de garantir a identidade ideal e prática do seu método, segundo a intenção original da sua Fundadora, Maria Montessori – o Papa recorda a pedagoga italiana comprometida na construção de um mundo fraterno e de paz através de mensagem subscrita pelo Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, enviada ao presidente da Associação, Prof. Benedict Scopolla. Nela fica referido que Montessori “deixou uma marca profunda no setor educacional e em toda a sociedade”, pelo que Francisco manifesta o seu apreço por esta iniciativa voltada a recordar “tão ilustre pedagoga, eminente personalidade na cena cultural do século XX”.

“Ao recordar o seu compromisso em construir um mundo mais fraterno e pacífico” – diz o texto assinado pelo Cardeal Secretário de Estado – “Sua Santidade faz votos por que a significativa recorrência favoreça uma generosa dedicação em favor das novas gerações, para formar pessoas solidárias, cidadãos do mundo abertos ao diálogo e ao acolhimento”. Por fim, “o Sumo Pontífice assegura uma recordação orante e invoca a Bênção do Senhor sobre os organizadores, palestrantes e sobre todos os que participarão do evento comemorativo”.

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A Obra Nacional Montessori com sede em Roma é herdeira e titular duma definida tradição pedagógica de carácter científico e configura-se como uma organização nacional de pesquisa e experimentação, formação e atualização, assistência e consultoria, promoção e divulgação com referência aos princípios ideais, científicos e metodológicos montessorianos.

A ONM prossegue os seus objetivos, orientando-os para a concretização da formação integral do ser humano segundo os princípios da autonomia, liberdade e responsabilidade individual que são condições para a realização e expressão do potencial humano e para a afirmação concreta dos direitos da infância. Para tal fim, a ONM participa no debate pedagógico e escolar, promovendo, a nível nacional e internacional, iniciativas de estudo e discussão com órgãos institucionais e com representantes de diversos posicionamentos científicos e culturais. Em particular, cuida das relações e contactos com o Ministério da Educação, Universidade e Investigação, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional e com o Ministério do Trabalho e Políticas Sociais, com Universidades, com Centros de Pesquisa e formação, com as Associações Montessori Internacionais, com as Associações profissionais, com os órgãos de comunicação.

Atualmente existem aproximadamente 25 mil escolas montessorianas no mundo, ou seja, que são fiéis aos valores e ensinamentos montessorianos: liberdade com responsabilidade, pois a liberdade científica conduz à disciplina; autonomia como desenvolvimento das potencialidades; e respeito pelo ritmo de cada criança e pela sua individualidade. Têm o compromisso de transmitir os ensinamentos de Maria Montessori e fazer do mundo um lugar de aprendizagem constante, como ela sempre afirmou, procurando deixar vivas as ideias do método.Ajude-me a crescer, mas deixe-me ser eu mesma” era o pedido que Montessori sentia vindo de cada criança.

Não obstante, a teoria montessoriana carrega alguns mitos, que importa desfazer porque distorcem os seus verdadeiros ensinamentos.

- No método montessoriano, a criança faz o que quer. Não. Montessori valoriza muito o respeito pelo indivíduo e estimula o desenvolvimento da sua liberdade e autonomia, pelo que deseja ensinar a criança a tomar as próprias decisões. Mas isso não significa falta de limites. Ao invés, a autonomia só existe quando a disciplina foi anteriormente estimulada.

A falta de limites gera medo e insegurança na criança. Portanto, os limites são necessários e têm uma função. É importante reconhecer uma autoridade, mas rejeitar o autoritarismo. Assim, Montessori propõe uma nova perspetiva sobre a liberdade e disciplina, de modo que a criança, primeiro, se guie pelos limites dados pelo adulto responsável e, com o tempo, por si mesma.

- No método Montessori, a criança “aprende brincando”. Esta é uma frase muito comum, porém não é assim que funciona. Montessori entende que o “trabalho” para a teoria não é algo sofrido e, portanto, quando as crianças querem realizar atividades, trabalham e gostam de fazer isso, sem necessidade de castigos ou recompensas externas. Assim, brincar é, na verdade, o próprio trabalho da criança. Ou seja, enquanto realiza atividades espontâneas, a criança não brinca, trabalha para a construção de si mesma e para o desenvolvimento de seus potenciais.

- A educação Montessori é contra o uso da tecnologia. Não. A tecnologia possibilita utilizar ferramentas de aprendizagem que ajudam muito na teoria. Porém, elas são apenas UMA ferramenta, entre as várias que existem. Portanto, depende de como e o quanto são utilizadas.

A teoria Montessori valoriza a aprendizagem com menos telas, é verdade, porque desenvolver as habilidades através da estimulação sensorial é mais rico e necessário que o uso de tecnologias. Quanto mais concreta e real for essa realidade, mais ganhos terão as crianças. Porém, isso não significa que a tecnologia nunca deva ser usada. Antes, se a atividade com tecnologia tiver um foco de aprendizagem, pode ser uma ótima ferramenta.

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Como é de entender, o método nasceu em Itália, no início do século XX, espalhou-se pelo mundo e continua vivo. A criança é protagonista do seu caminho. Decide o que tem vontade de fazer, o tempo que há de dedicar a temas que lhe interessam, as vezes que deve repetir uma atividade ou experiência. O adulto é guia atento e observador, que interfere o mínimo possível. 

Maria Montessori desbravava caminhos nunca antes explorados e fazia-o com profundidade e intensidade. Foi uma das primeiras mulheres a estudar Medicina no seu país, dedicou-se a dar condições dignas de vida e de aprendizagem a crianças com deficiência, que estavam internadas em instituições psiquiátricas – um vasto projeto a três com mais dois colegas, inovador e com resultados visíveis, palpáveis. Maria Montessori voltaria a estudar, queria perceber melhor a antropologia pedagógica, a psicologia experimental, a educação com seus detalhes e filosofias.  Depois, abriu uma escola na periferia de Roma para testar novos métodos de ensino. Nascia a Casa das Crianças em ambiente livre e adaptado às necessidades de desenvolvimento e curiosidade dos mais pequenos. Em 1907, pelas suas mãos e pensamentos, ideias e ideais, nascia o Método Montessori que saltou fronteiras, se espalhou pelo mundo e ganhou adeptos. 

Montessori viajou por vários países para falar sobre a nova ciência de educação e colaborar com professores espalhados por diversos pontos do planeta. Partilhou descobertas e observações que fazia em ambientes diversos, pensamentos e práticas na ótica do desenvolvimento integral e profundo. Segundo esta ótica, a criança está no centro do seu crescimento e desenvolvimento, sendo encarada como um ser ativo que se constrói a si e à humanidade. 

Porque se adere a uma escola que observa o Método Montessori?

Habitualmente será por necessidade pessoal da demanda por propostas dum ensino alternativo, da vontade duma abordagem que abranja várias dimensões e, acima de tudo, colocando a criança no centro da aprendizagem, retirando o foco do professor e do educador. Na verdade, as crianças querem conhecer, aprender, explorar. O ambiente é preparado para que tudo aconteça com naturalidade. O adulto, sempre atento, só intervém quando é estritamente necessário e de forma a fomentar a autonomia e a independência de quem absorve o mundo. O adulto anula-se, adota uma postura mais passiva, entra em cena quando a criança precisa. “O adulto é o maestro, mas que sai do centro da aprendizagem” – dizem. Importa “replicar a sociedade, a comunidade, a vida, num microambiente na sala de aula”, pondo as crianças a aprender, a perceber como enfrentar dificuldades, gerir frustrações, saber esperar, ter paciência. E as crianças “escolhem, organizam, planeiam, decidem”.  

Há uma frase de Maria Montessori que é de lembrar: “Eu não ensino nada, as crianças é que aprendem”. E fazem-no com estímulos, com materiais na sala e nos espaços no exterior, através de atividades que encaixam nos seus interesses, nas suas preferências. 

Há três pilares fundamentais neste método: o ambiente preparado, o adulto capacitado e a forma como se olha para a criança. É a criança que está no centro de tudo, é a protagonista. Assim, por exemplo, uma criança que gosta de dinossauros pesquisa sobre o assunto. E, de repente, fala-se desses animais na sala, diz-se o som da primeira letra do nome das suas espécies em voz alta e, com essa sonoridade fonética, contam-se os números desses bichos. E as crianças “aprendem e descobrem com outro entusiasmo, aprendem com emoção” – dizem os pedagogos. 

As crianças querem aprender, explorar o mundo com todos os sentidos em alerta. As crianças decidem o que fazer, o tempo de fazer, as vezes que hão de repetir. O adulto interfere o mínimo possível e as crianças acabam por explorar o material além do objetivo. Tudo é aprendizagem, tudo importa, tudo interessa.     

A Escola Montessori é uma escola com atividades de estimulação cognitiva, motora, sensorial e social para crianças em idade pré-escolar e escolar e um centro de formação, para que, acima de tudo, as crianças sejam felizes nesse caminho que se constrói todos os dias. 

As crianças partem à descoberta do que as rodeia, segundo os seus interesses. Disponibilizam-se materiais, compõe-se a sala consoante essas vontades. Há liberdade para escolher, liberdade para fazer. Mas é uma liberdade com limites, conhecem-se as regras. Há um acompanhamento de perto, ensino mais individualizado consoante as necessidades de cada um. As crianças têm toda a autonomia. Educa-se para a vida; educam-se as capacidades, as funções executivas, a flexibilidade do próprio pensamento, o espírito crítico, a adaptação ao novo e diferente.

A influência de Montessori na história da educação é evidente. As suas ideias disseminaram-se e estruturaram conceitos alicerçados na observação constante das crianças, suas aprendizagens, vontades e curiosidades. É uma educação assente no trabalho sensorial. Mesas e cadeiras baixas, materiais para mexer, tocar, brincar. Tudo é importante. O que acontece na primeira infância. As descobertas que valorizam e validam práticas pedagógicas. Crescer e aprender sem descurar aspetos cognitivos, sociais, emocionais. Enfim, aprender e caminhar pelo próprio pé.

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Obviamente é de acolher esta ótica pedagógica pelos valores que promove. No entanto, deve ser complementada com o desígnio que a sociedade tem para a educação. Se educamos para a vida, é de advertir que a vida é muito mais exigente do que aquilo que os educadores fechados num sistema possam pensar e sentir. E há todo um património desenvolvimental, ético e cultural que deve ser disponibilizado desde cedo e desenvolvido paulatinamente, mas em crescendo e dinamismo cíclico. Com efeito, educar sem garantir a adaptabilidade à vida em sociedade nas sua diversidade e sem promover a necessária socialização não será certamente boa opção. A educação deve ser autónoma, mas também deve ser integral, integrada e integradora.

2021.10.24 – Louro de Carvalho

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