sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Prémio Nobel da Paz 2021 foi atribuído a dois jornalistas

O Comité Norueguês do Nobel, como anunciou, neste dia 8 de outubro, em conferência de imprensa transmitida online, laureou Maria Ressa e Dmitry Muratov, jornalistas, “pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e uma paz duradoura”.

A edição deste ano do prémio tinha 329 nomeados, mas foram contemplados os jornalistas que lutam pela liberdade de expressão nas Filipinas e na Rússia “pelos seus esforços na salvaguarda da liberdade de expressão”. E, segundo a presidente do Comité Nobel Norueguês, Berit Reiss-Andersen, os dois jornalistas são representantes de “todos os jornalistas que defendem este ideal num mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”. A este respeito, a presidente do Comité Nobel Norueguês vincou:

Sem liberdade de expressão e liberdade de imprensa, será difícil promover com sucesso a fraternidade entre nações, o desarmamento e uma ordem mundial melhor para ter sucesso no nosso tempo. A atribuição deste ano do Prémio Nobel da Paz está, por isso, firmemente ancorada nas disposições da vontade de Alfred Nobel.”.

Maria Ressa e Dmitry Muratov procuram destacar a importância de proteger e defender estes direitos fundamentais.

Maria Ressa, de 58 anos, é uma antiga jornalista da CNN que “usa a liberdade de expressão para expor os abusos do poder, o recurso à violência e o crescente autoritarismo que existe no seu país natal, as Filipinas”. Em 2012, a jornalista cofundou o Rappler, vocacionado para o jornalismo de investigação e da qual é presidente.

Como refere o comunicado do Comité, na qualidade de jornalista e de CEO do Rappler, Ressa “tem-se mostrado uma destemida defensora da liberdade de expressão”.

O Rappler focou-se na controversa e assassina campanha antidroga do regime de Rodrigo Duterte – “cujo número de mortes é tão elevado que a campanha se assemelha a uma guerra travada contra a própria população do país”. E o Comité recorda que Ressa e o Rappler também documentaram como os meios de comunicação social estão a ser utilizados para espalhar notícias falsas, assediar opositores e manipular o discurso público.

O Rappler entrou no ar em janeiro de 2012 e tornou-se um dos veículos de media mais importantes das Filipinas.

Maria Ressa sofre uma campanha de perseguição do Governo do país. Já foi processada e também recebe ataques de aliados do Governo. Um desses aliados, o jornal “The Manila Times”, acusou-a, sem explicar porquê, de pertencer a um grupo que planeia um golpe contra Rodrigo Duterte, o Presidente das Filipinas.

Por sua vez, Dmitry Muratov, tem defendido durante décadas “a liberdade de expressão na Rússia sob condições cada vez mais difíceis”. Em 1993, foi um dos fundadores do jornal independente “Novaya Gazeta”, de que é, desde 1995, editor-chefe. Apesar das ameaças, Muratov recusou-se a abandonar a política independente do jornal e tem defendido consistentemente os direitos dos jornalistas. O comunicado do Nobel salienta que o “Novaya Gazeta” é hoje o jornal mais independente da Rússia, com uma atitude fundamentalmente crítica em relação ao poder”. E a presidente Comité Nobel Norueguês vincou:

“O jornalismo livre, independente e baseado em factos serve para proteger contra abusos de poder, mentiras e propaganda de guerra. O Comité Nobel norueguês está convencido de que a liberdade de expressão e a liberdade de informação ajudam a assegurar um público informado.”.

 

Os laureados irão receber o prémio de dez milhões de coroas suecas (quase um milhão de euros), além de um diploma e uma medalha.

O vencedor russo do Prémio Nobel da Paz, Dmitry Muratov, editor do jornal russo “Novaya Gazeta”, dedicando o seu prémio aos colaboradores da sua Redação que foram assassinados – seis jornalistas e colaboradores desde a sua fundação –, disse que teria atribuído a distinção a Alexei Navalny, claro e impávido opositor do regime do Presidente Vladimir Putin, ou seja, “teria votado na pessoa em quem as casas de apostas estavam a apostar. E essa pessoa tem todo o futuro pela frente”.

“Não é um mérito pessoal meu. É da ‘Novaya Gazeta’. É o mérito daqueles que morreram a defender o direito das pessoas à liberdade de expressão.” – disse Muratov, citado pela agência de notícias estatal russa TASS.

Muratov, de 59 anos (fará 60 a 30 de outubro), foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz em pleno clima de repressão contra os opositores políticos, os ‘media’ independentes e as organizações não governamentais que criticam o Kremlin. E não sabe como este prémio “influenciará a censura que foi posta em prática”. Porém, doará parte da soma do prémio para apoiar “os ‘media’ independentes e autónomos” da Rússia.

Recorde-se que, neste mesmo dia 8 de outubro, as autoridades russas classificaram 9 pessoas, incluindo jornalistas, como “agentes estrangeiros”, o que os sujeita a tediosos procedimentos administrativos e controlos das suas despesas, sob pena de prisão.

Da lista constam várias organizações, incluindo o portal eletrónico de investigação “Bellingcat”, que revelou os nomes de vários agentes russos envolvidos em tentativas de assassínio, com destaque para o envenenamento de Alexei Navalny no ano passado.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, apelou à defesa da liberdade de imprensa no mundo, após a atribuição do prémio Nobel da Paz aos jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov. São do teor seguinte as declarações de Guterres:

No momento em que felicitamos os laureados, reafirmamos o direito à liberdade da imprensa, reconhecemos o papel fundamental dos jornalistas e encorajamos os esforços a todos os níveis para apoiar órgãos de comunicação social livres, independentes e plurais. (…) Nenhuma sociedade pode ser livre e justa sem jornalistas capazes de investigar infrações, informar os cidadãos, pedir contas aos dirigentes.”.

E o responsável máximo das Nações Unidas declarou-se preocupado devido ao crescimento de um “discurso anti-comunicação social”, bem como a “atos de violência e de assédio crescentes contra os jornalistas, pessoalmente e na internet”, visando em particular as mulheres jornalistas. Na verdade, como sustentou, “sem liberdade de expressão e liberdade de imprensa, será difícil promover com êxito a fraternidade entre nações, o desarmamento e uma ordem mundial melhor para sermos bem-sucedidos no nosso tempo”.

Também o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, felicitou os dois jornalistas laureados com o Nobel da Paz, salientando a luta corajosa de ambos “pela justiça e liberdade”.

Parabéns a Maria Ressa e Dmitry Muratov pela atribuição do Prémio Nobel pela vossa luta corajosa pela justiça e liberdade de expressão nas Filipinas e na Rússia”, escreveu Michel na sua conta na rede social Twitter.

O presidente do Conselho Europeu acrescentou que a atribuição do galardão pelo Comité Nobel norueguês é “um sinal importante para a liberdade de imprensa – um valor central europeu e uma condição para a democracia”.

O último líder da União Soviética, Mikhail Gorbatchev, qualificou de “muito boa notícia” para a imprensa o Prémio Nobel da Paz atribuído a dois jornalistas, incluindo o chefe de redação do jornal “Novaya Gazeta”. Disse, a este respeito Gorbatchev, citado pela agência France-Presse:

Esta é uma notícia muito boa, não apenas notícia, mas um acontecimento (...). Este prémio aumenta a importância da imprensa no mundo de hoje.”.

Mikahil Gorbachev, Prémio Nobel da Paz em 1990, é coproprietário da “Novaya Gazeta”, que ajudou a fundar em 1993, utilizando parte do prémio monetário do Nobel da Paz na compra de computadores, de acordo com o primeiro chefe de redação do jornal, Sergei Kojeurov. O ex-líder da União Soviética ainda detém uma participação minoritária no jornal, juntamente com o empresário Alexander Lebedev, que é conhecido por ser um crítico do Governo da Rússia. O resto do título é propriedade do corpo editorial.

O primeiro número do jornal foi publicado a 1 de abril de 1993, com o nome “Ezhednevnaya Novaya Gazeta”, que mais tarde foi alterado para “Novaya Gazeta”.

Mikahil Gorbachev, 90 anos, recebeu o Prémio Nobel da Paz pelo seu papel no fim da Guerra Fria entre o Ocidente e o Leste, na sequência da queda do muro de Berlim, em 1989.

O anúncio do Prémio Nobel 2021 foi feito no dia seguinte ao aniversário do assassinato da jornalista mais conhecida da Novaya Gazeta, Anna Politkovskaya, que foi morta a tiro em 7 de outubro de 2006. Tal como em vários outros assassinatos com motivações políticas na Rússia, os autores do crime foram condenados, mas a pessoa ou pessoas que ordenaram o assassinato nunca foram identificadas.

A atribuição do Prémio Nobel da Paz a Dmitry Muratov mereceu uma reação do Kremlin, cujo porta-voz destacou o talento e a coragem do jornalista russo. Segundo a agência de notícias espanhola EFE, Dmitry Peskov, no seu briefing diário à imprensa, comentou que Muratov “é fiel aos seus ideais” e que “é talentoso e corajoso”. E acrescentou que o Kremlin felicitava Muratov pelo prémio, mas sem esclarecer se o Presidente russo, Vladimir Putin, tencionava saudar o laureado.

***

Enfim, a luta da liberdade contra um poder autocrático, opressor, repressivo e discricionário é muito sofrida, mas temos de acreditar que vale a pena e que a liberdade-verdade acabará por vencer, desde que seja genuína e não alienável. Se for negociável, não é liberdade, mas cedência; se for mais do que liberdade, ou seja, abuso, acabará na intolerância, discricionariedade, autocracia, repressão e opressão. Não pelas a quem pediu, não devas a quem deveu, não sirvas a quem serviu…

2021.10.08 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário