Neste Dia Mundial das
Missões, o Papa, após a recitação da oração mariana do Angelus com
os fiéis, peregrinos e visitantes presentes na Praça de São Pedro, inspirado
pelas novas Beatas – Irmã Lúcia da Imaculada, religiosa das Servas da
Caridade, beatificada ontem em Brescia, e a jovem Sandra Sabattini, estudante
de medicina, que desapareceu aos 22 anos num acidente de carro, beatificada
hoje em Rimini – que apresentou como “testemunhas que anunciaram o Evangelho
com a vida”, saudou com gratidão os numerosos missionários (sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis
leigos) que na linha da frente despendem as suas energias ao serviço
da Igreja, pagando pessoalmente, por vezes a um preço elevado, pelo seu
testemunho. E referiu que o fazem, não com intenção proselitista, mas para
dar testemunho do Evangelho em suas vidas em terras que não conhecem Jesus.
Ao mesmo tempo, o Padre
Pedro Fernandes, provincial português dos Espiritanos, a partir da Tanzânia,
onde decorreu o Capítulo Geral da Congregação, que terminou neste domingo, em
entrevista à “Ecclesia” e “Renascença”, fala do diálogo inter-religioso
e da justiça e paz como áreas prioritárias da Congregação, da sua vocação
missionária e do impacto da pandemia.
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No Capítulo Geral, foi
eleito o novo Superior a nível mundial – pela primeira vez, um africano – e foi
igualmente eleito um português para o “governo” mundial da Congregação, o Padre
Tony Neves, que é um dos novos Assistentes Gerais.
A este respeito, o Padre
Fernandes reconhece que é uma escolha importante, também do ponto de vista de
Portugal, mas assegura que “é importante
sobretudo do ponto de vista da Congregação, pois, regra geral, o método de
eleição “garante a representatividade das várias sensibilidades, a nível
cultural e linguístico, de distribuição pelo mundo e de tipo de missão. E esta
escolha “tem a ver com isso mesmo”.
O novo Superior Geral, o Padre
Alain Mayama, de 50 anos, é natural do Congo Brazzaville. Sobre a importância
de pela primeira vez ser um africano a liderar a Congregação, o Provincial
destaca o lado simbólico da escolha. Porém, frisa que a Congregação, fundada para a primeira evangelização, para os mais
pobres, “tem uma longa tradição de presença em África” e que um dos fundadores
tinha “especial predileção por África”, o que induziu muitos dos países
africanos a terem hoje “igrejas pujantes, desenvolvidas”, que “foram evangelizadas
sobretudo por Espiritanos ou com uma presença muito forte dos Espiritanos”.
Assim, hoje a Congregação é “maioritariamente africana”. A eleição dum africano
como Superior Geral é consequência natural dessa realidade. Não obstante, Mayama, que é congolês, “tem uma
experiência larga em vários tipos de missão”: trabalhou nos EUA, foi formado na
Nigéria e teve longa experiência de presença em Roma e de trabalhos ao nível da
liderança na Congregação em vários lugares. Enfim, conhece bem a Congregação em
diferentes registos culturais e linguísticos e em diferentes realidades
missionárias, o que representa grande mais-valia para alguém que assume a
liderança suprema de uma Congregação missionária e internacional.
Questionado se o Capítulo
Geral, que se realiza de 8 em 8 anos, definiu hoje prioridades missionárias,
respondeu que as prioridades são as de sempre: “a primeira evangelização, a justiça e paz, etc.”, embora tenha ênfase
especial o diálogo inter-religioso no mundo contemporâneo, “em que as questões
religiosas, da paz e da justiça são tão candentes” que “parece absolutamente
prioritário que a abertura a outras culturas e sensibilidade religiosas esteja
no horizonte primeiro da ação missionária da Igreja”. Assim, hoje o diálogo
inter-religioso emerge como “uma das prioridades fundamentais”. A par desta,
ressaltam como fundamentais os compromissos pela justiça e paz “num mundo com
cada vez mais assimetrias e realidades sociais e culturais, marcadas muitas
vezes pela extrema pobreza”.
No atinente à relação do
primeiro anúncio da fé com as preocupações de justiça social, paz e ecologia, como
forma de acompanhamento da vida concreta dos povos onde se encontram os
missionários, afora a problemática sempre presente das “diferentes dimensões da missão”, frisou que “o
primeiro anúncio, a própria dimensão litúrgica, a catequese, o acompanhamento
das comunidades cristãs já estabelecidas, etc.” nunca se podem separar do “compromisso
com a humanidade enquanto tal”. De facto, o cuidado da Casa Comum (em sintonia
com a ‘Laudato Si’ e o magistério de
Francisco) e as questões da justiça e paz, do
diálogo inter-religioso, as questões sociais do desenvolvimento (outra
grande dimensão da missão) estão em
tal entrelaçamento que “nada disso faz sentido isoladamente”. Mais: “quando nos
preocupamos com a solicitude de Deus pela humanidade”, preocupamo-nos “com
todas as dimensões que fazem parte da vida da humanidade”. Ademais, o anúncio
do Evangelho não pode separar-se das “outras dimensões ao serviço da pessoa
humana, toda, de uma maneira muito inclusiva, sob pena de se desvirtuar esse
anúncio”. E “a presença dos institutos missionários é, sobretudo, marcada por
essa proximidade, por esse entrelaçar-se com as realidades do povo em que nos
inserimos e que nos acolhe”.
***
Quanto à pandemia,
realidade transversal e universal e considerando que o Papa, na mensagem para
este Dia Mundial das Missões, apela a uma “missão de compaixão” e a
“missionários de esperança”, o Padre Pedro Fernandes diz que a Congregação percebe “com muita clareza as consequências da
pandemia e a expressão ainda presente dessa pandemia”, o que “é muito evidente,
não apenas na Europa, mas em todo mundo”. E, embora na Tanzânia a preocupação
não seja evidente, também ali o problema existe, pois “as consequências
económicas e sociais continuam muito presentes” e continuam aa marcar muito a
vida dos missionários e a vida da Igreja nas zonas ditas mais periféricas, mais
pobres, ou onde os recursos materiais e humanos não são tão abundantes”.
E sobre o impacto da pandemia
na Congregação dos Espiritanos e nas suas missões, começou por contar que, no momento de oração no cemitério dos missionários em
Bagamoyo, a primeira missão da África de Leste, recordaram os missionários que
morreram jovens e que estão ali sepultados, bem como “todos os confrades Espiritanos
que morreram durante a pandemia”. Disse-se “impressionado pelo tempo que
demorou a ler a longa lista de missionários que tinham morrido vítimas da
pandemia na Europa, em países como a França e como a Irlanda” e um pouco por
todo o mundo, em África também, e não só missionários, mas gente profundamente
ligada à Congregação. E sustenta que o impacto da pandemia na missão Espiritana
é enorme, “porque há missionários que morreram ou ficaram gravemente doentes” e
pelo impacto social e económico que as populações a quem servem sofreram (e continuam
a sofrer), o que tem uma consequência de
maior dificuldade na presença missionária junto dessas pessoas.
No respeitante aos Espiritanos em Portugal, aponta que o impacto foi mínimo,
pois não houve vítimas mortais nem situações particularmente difíceis, mas
anota que franjas importantes das populações (vg: imigrantes) a quem servem diretamente foram profundamente
afetadas. Assim, refere que o CEPAC (Centro Padre Alves Correia) – instituição espiritana que serve imigrantes,
nomeadamente os que não estão em situação de regularização documental, que são
uma população extremamente fragilizada – tem tido, como outras instituições de
caráter social, “um desafio tremendo em atender todas estas pessoas”, pois “a
ajuda alimentar multiplicou-se, a ajuda documental e o apoio psicológico, para
muitas delas, tem aumentado”, mas, da parte da Congregação, “os recursos são
mais ou menos os mesmos, até menores”.
Do CEPAC diz que funciona
na zona da Estrela (Lisboa), dispõe dum quadro de colaboradores permanentes e de grande número
de voluntários, porém, mais voluntários são bem-vindos; debate-se com dificuldades
económicas para o apoio àquelas pessoas; dá-se conta de que, se mais
possibilidades houvesse, a nível de recursos humanos e financeiros, mais
pessoas poderia atender; e percebe que o crescimento da resposta a estas
situações poderia ser quase infinita, se houvesse possibilidades infinitas, mas
sente a incapacidade em fazer face a este desafio.
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Em relação aos vários
movimentos de leigos integrados na Família Espiritana (LIAM – Liga Intensificadora da Ação
Missionária, Jovens Sem Fronteiras, …), regista como fundamental a
colaboração, já que “a missão é
conjunta, é de todos, é da Igreja, a missão somos nós”. Estes movimentos e
outras realidades da família espiritana “são expressões de compromisso na
Igreja local e na sociedade que querem visibilizar e concretizar a dimensão da
missão na vida cristã que é, pela sua natureza, missionária”. E, sobre a LIAM, desenvolve:
“Tem mais de 85
anos de existência, é um movimento pioneiro, porque, tendo a marca de uma
espiritualidade missionária, de uma congregação religiosa, é desde o princípio
um movimento de inserção paroquial. Isso traduz-se, basicamente, por cristãos
comprometidos, dentro da sua paróquia, a trabalhar ao serviço da sensibilização
e consciencialização missionária da comunidade, para que todos se sintam
verdadeiramente comprometidos com a missão – perto, nas suas paróquias, nas
suas Igrejas locais, e longe, uma vez que a missão ‘ad extra’ continua a ser
uma parte importante, uma dimensão importante.”.
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Os entrevistadores quiseram
saber o que levou este homem de 52 anos e que já celebrou os 25 anos de
sacerdócio a ser missionário espiritano. E ele aponta: “a sensibilidade às questões da justiça e da paz, a
perceção da urgência da evangelização e da primeira evangelização, a perceção
de um mundo que, maioritariamente, continua a não conhecer Jesus Cristo e que
precisa de o encontrar (…) no contexto e no registo próprio do diálogo, do
acolhimento, da busca da verdade”, que acreditamos estar “em Jesus Cristo” e “nas
culturas e nos povos que nos acolhem”, pelo que “eles podem reconhecer Jesus
como seu salvador”. Assim, a perceção dos desafios da missão terá estado,
humanamente, na origem da sua vocação. Mas recorda que a vocação “é sempre uma
iniciativa de Deus”, que está presente e nos acompanha em todas as situações da
vida, guiando-nos nas opções que faz connosco, em diálogo com a nossa
liberdade.
Do estágio missionário na
Guiné-Bissau, bem como do tempo que esteve em missão em Moçambique (de 1996 a 2009), frisa que “são realidades bastante diferentes”, pois, na
Guiné-Bissau estava numa missão de absoluta primeira evangelização, tendo
participado no Batismo dos oito primeiros cristãos, numa aldeia do interior,
distante de toda a cultura ocidental – uma experiência fascinante;
já, em Moçambique, esteve sempre em missões do interior, marcadas pela dimensão
da primeira evangelização, uma dimensão fascinante, e “pela inserção em
comunidades cristãs a nascer, de primeira, segunda geração, agora já de
terceira geração”.
Marcou-o, disse, a “experiência fantástica de perceber a presença de Deus e
a vitalidade da Igreja em tantos contextos diferentes, com culturas, línguas,
modos de expressão diversos, o que “ajuda imenso a relativizar as nossas
certezas absolutas, a colocar na sua verdadeira dimensão coisas que nos parecem
fundamentais, mas que talvez não o sejam assim tanto, mesmo a nível material,
económico…”. E considera que se tornou “mais rico vivendo em situações que,
materialmente, economicamente, eram de maior pobreza”.
Questionado se ser superior
provincial em Portugal é uma forma diferente de estar ao serviço e de fazer
missão e se Portugal é terra de missão, sublinha a diferença. Com efeito, “viver em Portugal não é o mesmo que viver em
Moçambique, os trabalhos são sempre diferentes”. Porém, destaca o essencial: “a
missão está na vida, onde quer que a gente esteja, o que quer que faça, com
quem quer que a gente tenha de interagir”, pois, “aí mesmo está o lugar
de Deus, a colocar-nos em comunicação, uns com os outros”. E missão é “Deus a fazer-nos
comunicar”, a partir do seu olhar, percebendo quanto Ele Se envolve nos nossos
compromissos.
Quanto a ser provincial hoje, em Portugal, indica-o como “um desafio”, pois
“há uma série de dificuldades, problemas” e “coisas boas, que a gente vai tendo
de gerir”. Mas ressalta “a experiência da diversidade da relação humana e da
presença de Deus na nossa vida, na presença dos homens nestes caminhos de Deus,
onde vamos sendo conduzidos às vezes de maneira muito imprevisível, na nossa
história”.
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Enquanto Provincial dos
Espiritanos e vice-presidente da CIRP (Conferência
dos Institutos Religiosos de Portugal), vê o processo sinodal em curso na Igreja como “uma das grandes maravilhas e um dos grandes desafios
do pontificado do Papa Francisco” e “uma interpelação enorme a toda a Igreja,
em particular aos institutos missionários”. Portanto, estes têm “de assumir com
maior consciência e com maior compromisso que a Igreja somos todos, todos nós”,
e que “somos chamados efetivamente a participar, não apenas em posição de
subalternidade, mas em posição de compromisso ativo”. Por conseguinte, a voz dos
Institutos é importante, pois “o que Deus vai escrevendo nas nossas vidas e na
interação de todos, uns com os outros, é importante”.
Ora, a marca a identidade dos institutos missionários, dos institutos
religiosos, é a “experiência de comunhão, de chamamento à comunhão, que fazemos
e só é autêntica se for transbordada, comunicada aos outros”. E “a sinodalidade
é a comunhão concretizada na forma como nos organizamos, na forma como pensamos
os desafios e os dons da comunidade cristã, do mundo”.
E o Padre Fernandes explana:
“A forma como
nos escutamos, como fazemos dessa escuta o lugar e o ponto de partida para
construir alguma coisa mais parecido com o que Deus quer de nós, tanto a nível
da Igreja como a nível da sociedade, da realidade humana. Em certo sentido, a
sinodalidade é a nossa missão, é o rosto próprio do ser missionário, e diria
até do ser Igreja. O Papa captou isso e está a transmiti-lo de uma maneira
formidável, aos cristãos e ao mundo.”.
Por consequência, o
entrevistado sente-se animado em relação a este processo sinodal. É certo, como
explicitou, que “há desafios
a vencer, há problemas na Igreja, de resistências, inclusive ao Papa Francisco
e aos sinais de Deus, aos sinais dos tempos”, resistências que “são bastante
humanas, transversais à história da Igreja, porque sempre existiram, em certo
sentido”, mas “tem de haver coragem para as chamar pelo nome e para ir caminhando,
no sentido de construir a comunhão, a sinodalidade”.
***
Enfim, ser Igreja é estar em missão permanentemente,
é assumir por inteiro a dimensão da sinodalidade, escutando Deus e os seus
sinais no mundo. Para tanto, requer-se a postura de disponibilidade permanente
para escutar o que Deus quer que façamos e agir em conformidade.
2021.10.24 –
Louro de Carvalho
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