quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Proposta do novo Estatuto do SNS remetida para consulta pública

 

A Ministra da Saúde revelou, neste dia 21, que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) terá novo estatuto, que vai ser submetido a consulta pública, e a principal novidade é a criação dum regime de exclusividade, que impede que médicos que adiram ao regime de dedicação plena ao SNS não exerçam cargos de chefia e direção em hospitais e clínicas do setor privado.

Nos termos da proposta de lei do Governo, ora aprovada em Conselho de Ministros e a submeter a consulta pública para, a seguir, ser presente à Assembleia da República para ser discutida e aprovada como lei, “o SNS será dirigido a nível central por uma direção administrativa, o que não se confunde com alguma função preexistente no SNS”, como frisou a governante.

Conforme estabelecido na Lei de Bases da Saúde (LBS), o estatuto clarifica “o papel e a relação entre os vários atores do sistema de saúde, reafirmando a centralidade do SNS”, adiantou a Ministra, aliás como estabelece o n.º 1 da Base 19 (“O funcionamento do sistema de saúde não pode pôr em causa o papel central do SNS enquanto garante do cumprimento do direito à saúde).

Em 2019, foi publicada a nova LBS (aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro), cuja Base 20, no seu n.º 3, prevê que o SNS “dispõe de estatuto próprio, tem organização regionalizada e uma gestão descentralizada e participada”.

Agora, após a reunião do Conselho de Ministros, Marta Temido anunciou que “os médicos que aderirem ao regime de dedicação plena ao SNS, de aplicação progressiva, não poderão exercer cargos de chefia e direção nos hospitais e clínicas do setor privado. Com efeito, o regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a ser designados para exercer funções de direção de departamentos ou serviços do SNS, o que implica ainda uma limitação ao número de horas de trabalho que podem ser exercidas noutras instituições de saúde, em moldes a negociar com as estruturas sindicais.

Será criado também um regime excecional de contratação e um regime excecional de realização de trabalho suplementar, cujo valor pode ser majorado.

A lei que aprovará o novo Estatuto para o SNS revoga o Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro, que aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde e cuja última alteração foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 276-A/2007, de 31 de julho.

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O portal do Governo, que resume a proposta de lei em referência, começa por vincar que a nova LBS assumiu o propósito de clarificar o papel e a relação entre os vários atores do sistema de saúde, reafirmando a centralidade do SNS; depois, reconhece que “o compromisso político que permitiu a aprovação da referida lei está incompleto sem o novo Estatuto do SNS”, porque a nova LBS “carece de desenvolvimento em aspetos específicos” e porque “decorreram quase 30 anos desde a publicação do anterior Estatuto do SNS de 1993 e muitas foram as transformações ocorridas no setor da saúde”.

Sobre as mudanças que o novo Estatuto do SNS traz, é referido que, para lá de “revisitar e atualizar a definição de SNS, o elenco dos seus estabelecimentos e serviços, os direitos e deveres dos seus beneficiários, a sua organização territorial e funcional, as regras dos seus recursos humanos e financeiros e a participação de cidadãos, utentes, familiares, autarquias e outros setores no funcionamento do SNS, o novo Estatuto tem como principais inovações:

- Na área da gestão do SNS – Direção Executiva, o SNS passa a ser dirigido, a nível central, por uma direção executiva à qual incumbirá, sem prejuízo da autonomia das unidades de saúde que o integram: coordenar a resposta assistencial das suas unidades de saúde; assegurar o funcionamento em rede do SNS; monitorizar o desempenho e resposta do SNS; promover a participação dos cidadãos, utentes e famílias no funcionamento do SNS; representar o SNS.

Esta entidade assumirá um papel que se revelou necessário na resposta à pandemia de covid-19 e que se considera essencial reforçar. A sua função distingue-se da do Ministério da Saúde, ao qual competem, além da condução da política nacional de saúde, responsabilidades específicas relativamente ao SNS, mas não a coordenação operacional das suas respostas. Distingue-se, ainda, por exemplo, da função da Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., cuja missão se centra no planeamento em saúde nas áreas da sua intervenção, na gestão de recursos e na contratação da prestação de cuidados.

A natureza jurídica, organização e funcionamento da direção executiva do SNS constarão de diploma próprio.

- Na área da organização do SNS – Sistemas Locais de Saúde (SLS), os SLS, previstos no Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de maio, mas nunca implementados, surgem como estruturas de participação e desenvolvimento da colaboração das instituições que, numa determinada área geográfica, realizam atividades que contribuem para a melhoria da saúde das populações. Integram todos os estabelecimentos e serviços do SNS e demais instituições públicas com intervenção direta ou indireta na saúde, designadamente nas áreas da segurança social, educação e proteção civil, assim como as autarquias locais, podendo ainda integrar instituições privadas e do setor social que operam no setor da saúde.

Os SLS não dispõem de personalidade jurídica, são criados por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde e dirigidos por um conselho coordenador composto por três elementos, eleitos de entre os representantes dos estabelecimentos ou serviços que o integram.

- Na área do trabalho no SNS – Dedicação Plena e Regimes excecionais de contratação e de trabalho suplementar, em matéria de recursos humanos do SNS, destaca-se a definição do regime da dedicação plena, de aplicação progressiva, que se inicia pelos trabalhadores médicos do SNS, numa base voluntária, de compromisso assistencial e de acréscimo remuneratório a negociar, sendo este regime incompatível com o exercício de funções de direção técnica, coordenação e chefia em instituições privadas de saúde.

O regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a ser designados para exercer funções de direção de departamentos ou serviços do SNS, implicando, ainda, uma limitação ao número de horas de trabalho que podem ser exercidas noutras instituições de saúde, em moldes a negociar com as estruturas sindicais.

Mas destacam-se o regime excecional de contratação (os órgãos máximos de gestão dos estabelecimentos e serviços do SNS recuperam a autonomia para a contratação de trabalhadores) e o regime excecional de realização de trabalho suplementar (cujo valor pode ser majorado), instrumentos indispensáveis para uma gestão mais flexível num setor fortemente dependente duma força de trabalho diferenciada que se pretende organizada em carreiras.

- Na área dos cidadãos no SNS – Participação pública e Avaliação da satisfação, por um lado, os beneficiários do SNS são chamados a intervir nos processos de tomada de decisão que afetem a prestação de cuidados de saúde à população, nos termos da Carta para a Participação Pública em Saúde, competindo, em especial, à direção executiva do SNS promover a participação pública; por outro lado, os estabelecimentos e serviços do SNS implementam sistemas de avaliação sistemática e periódica, que incluem a realização de inquéritos de satisfação aos respetivos beneficiários ou utentes e profissionais de saúde.

Adicionalmente, destaca-se que, ao elencar as unidades prestadoras de cuidados de saúde que integram o SNS, o Estatuto do SNS aproveita para rever o regime de criação, organização e funcionamento dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e os Estatutos dos Hospitais, Centros Hospitalares, Institutos Portugueses de Oncologia e Unidades Locais de Saúde.

Destaca-se, a este nível, a competência conferida aos diretores executivos dos ACES para autorização de despesa e a previsão da participação, no órgão de gestão dos Hospitais, Centros Hospitalares, Institutos Portugueses de Oncologia e Unidades Locais de Saúde, de um vogal não executivo representante dos trabalhadores, por estes eleito, em eleição a promover pelas respetivas comissões de trabalhadores.

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A aprovação do novo Estatuto do SNS depende da audição de diversas entidades – Conselho Nacional de Saúde, Ordens Profissionais, Associação Nacional dos Municípios e estruturas sindicais – e deverá refletir o resultado da consulta pública que, no mesmo período, o Ministério da Saúde irá promover junto de todos os interessados.

O novo Estatuto do SNS entrará em vigor em simultâneo com a Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

O novo Estatuto carece de alterações legislativas e regulamentares, que deverão ser aprovadas no prazo de 180 dias a contar da data da sua entrada em vigor.

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É de recordar que o Estatuto do SNS, bem como todas as decisões relevantes a tomar em termos do sistema de saúde estarão respaldadas na Carta para a Participação Pública em Saúde, aprovada pela Lei n.º 108/2019, de 9 de setembro, e que pretende fomentar a participação por parte das pessoas, com ou sem doença e seus representantes, nas decisões que afetam a saúde da população e incentivar a tomada de decisão em saúde assente numa ampla participação pública, bem como “promover e consolidar a participação pública a nível político e dos diferentes órgãos e entidades do Estado, em Portugal, através do aprofundamento dos processos de participação já existentes e da criação de novos espaços e mecanismos participativos”.

Assim, a Carta visa “promover e defender os direitos das pessoas com ou sem doença, em especial no que respeita à proteção da saúde, da informação e da participação” e “informar as entidades públicas sobre as prioridades, necessidades e preocupações” destas pessoas.

E são outros seus objetivos “tornar as políticas de saúde mais eficazes e, consequentemente, obter melhores resultados em saúde, promover a transparência das decisões e a prestação de contas por parte de quem decide, aproximar o Estado e a sociedade civil, aprofundando o diálogo e a interação regular entre ambos e legitimar as decisões sobre a avaliação custo-efetividade”.

Por isso, a participação pública na tomada de decisão em saúde contempla mecanismos de participação presencial e remota (de iniciativa das instituições do Estado e privadas, das pessoas e organizações que participam).

Veremos se a Saúde no país, levará a volta de que tanto se precisa!

2021.10.21 – Louro de Carvalho

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