A Ministra da Saúde revelou, neste dia 21, que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) terá novo
estatuto, que vai ser submetido a consulta pública, e a principal novidade é a
criação dum regime de exclusividade, que impede que médicos que adiram ao
regime de dedicação plena ao SNS não exerçam cargos de chefia e direção em
hospitais e clínicas do setor privado.
Nos termos da proposta de lei do Governo, ora aprovada em Conselho de
Ministros e a submeter a consulta
pública para, a seguir, ser presente à Assembleia da República para ser discutida
e aprovada como lei, “o SNS será dirigido a nível central por uma direção administrativa, o que não
se confunde com alguma função preexistente no SNS”, como frisou a governante.
Conforme estabelecido na Lei de Bases da Saúde (LBS), o estatuto clarifica
“o papel e a relação entre os vários
atores do sistema de saúde, reafirmando a centralidade do SNS”, adiantou a
Ministra, aliás como estabelece o n.º 1 da Base 19 (“O
funcionamento do sistema de saúde não pode pôr em causa o papel central do SNS
enquanto garante do cumprimento do direito à saúde”).
Em 2019, foi publicada a nova LBS (aprovada pela
Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro), cuja Base 20, no seu n.º 3, prevê que o SNS “dispõe de estatuto próprio, tem organização regionalizada e uma gestão
descentralizada e participada”.
Agora, após a reunião do Conselho de Ministros, Marta Temido anunciou que “os
médicos que aderirem ao regime de dedicação plena ao SNS, de aplicação
progressiva, não poderão exercer cargos de chefia e direção nos hospitais e
clínicas do setor privado”. Com efeito, o
regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a
ser designados para exercer funções de direção de departamentos ou serviços do
SNS, o que implica ainda uma limitação ao número de horas de trabalho que podem
ser exercidas noutras instituições de saúde, em moldes a negociar com as
estruturas sindicais.
Será criado também um regime excecional de contratação e um regime
excecional de realização de trabalho suplementar, cujo valor pode ser majorado.
A lei que aprovará o novo Estatuto para o SNS revoga o Decreto-Lei n.º 11/93,
de 15 de janeiro, que aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde e cuja
última alteração foi introduzida pelo Decreto-Lei
n.º 276-A/2007, de 31 de julho.
***
O
portal do Governo, que resume a proposta de lei em referência, começa por vincar
que a nova LBS assumiu o propósito de clarificar o papel e a relação entre os
vários atores do sistema de saúde, reafirmando a centralidade do SNS; depois,
reconhece que “o compromisso político que permitiu a aprovação da referida lei
está incompleto sem o novo Estatuto do SNS”, porque a nova LBS “carece de
desenvolvimento em aspetos específicos” e porque “decorreram quase 30 anos
desde a publicação do anterior Estatuto do SNS de 1993 e muitas foram as
transformações ocorridas no setor da saúde”.
Sobre
as mudanças que o novo Estatuto do SNS traz, é referido que, para lá de “revisitar
e atualizar a definição de SNS, o elenco dos seus estabelecimentos e serviços,
os direitos e deveres dos seus beneficiários, a sua organização territorial e
funcional, as regras dos seus recursos humanos e financeiros e a participação
de cidadãos, utentes, familiares, autarquias e outros setores no funcionamento
do SNS, o novo Estatuto tem como principais inovações:
-
Na área da gestão do SNS – Direção Executiva, o SNS passa a ser dirigido, a
nível central, por uma direção executiva à qual incumbirá, sem prejuízo da
autonomia das unidades de saúde que o integram: coordenar a resposta
assistencial das suas unidades de saúde; assegurar o funcionamento em rede do
SNS; monitorizar o desempenho e resposta do SNS; promover a participação dos
cidadãos, utentes e famílias no funcionamento do SNS; representar o SNS.
Esta
entidade assumirá um papel que se revelou necessário na resposta à pandemia de
covid-19 e que se considera essencial reforçar. A sua função distingue-se da do
Ministério da Saúde, ao qual competem, além da condução da política nacional de
saúde, responsabilidades específicas relativamente ao SNS, mas não a
coordenação operacional das suas respostas. Distingue-se, ainda, por exemplo,
da função da Administração Central do Sistema de Saúde, I. P., cuja missão se
centra no planeamento em saúde nas áreas da sua intervenção, na gestão de
recursos e na contratação da prestação de cuidados.
A
natureza jurídica, organização e funcionamento da direção executiva do SNS
constarão de diploma próprio.
-
Na área da organização do SNS – Sistemas Locais de Saúde (SLS), os SLS, previstos no
Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de maio, mas nunca implementados, surgem como estruturas
de participação e desenvolvimento da colaboração das instituições que, numa
determinada área geográfica, realizam atividades que contribuem para a melhoria
da saúde das populações. Integram todos os estabelecimentos e serviços do SNS e
demais instituições públicas com intervenção direta ou indireta na saúde,
designadamente nas áreas da segurança social, educação e proteção civil, assim
como as autarquias locais, podendo ainda integrar instituições privadas e do
setor social que operam no setor da saúde.
Os
SLS não dispõem de personalidade jurídica, são criados por portaria do membro
do Governo responsável pela área da saúde e dirigidos por um conselho
coordenador composto por três elementos, eleitos de entre os representantes dos
estabelecimentos ou serviços que o integram.
-
Na área do trabalho no SNS – Dedicação Plena e Regimes excecionais de
contratação e de trabalho suplementar, em matéria de recursos humanos do SNS,
destaca-se a definição do regime da dedicação plena, de aplicação progressiva,
que se inicia pelos trabalhadores médicos do SNS, numa base voluntária, de
compromisso assistencial e de acréscimo remuneratório a negociar, sendo este
regime incompatível com o exercício de funções de direção técnica, coordenação
e chefia em instituições privadas de saúde.
O
regime de dedicação plena é obrigatoriamente aplicável aos médicos que venham a
ser designados para exercer funções de direção de departamentos ou serviços do
SNS, implicando, ainda, uma limitação ao número de horas de trabalho que podem
ser exercidas noutras instituições de saúde, em moldes a negociar com as
estruturas sindicais.
Mas
destacam-se o regime excecional de contratação (os órgãos
máximos de gestão dos estabelecimentos e serviços do SNS recuperam a autonomia
para a contratação de trabalhadores)
e o regime excecional de realização de trabalho suplementar (cujo
valor pode ser majorado),
instrumentos indispensáveis para uma gestão mais flexível num setor fortemente
dependente duma força de trabalho diferenciada que se pretende organizada em
carreiras.
-
Na área dos cidadãos no SNS – Participação pública e Avaliação da satisfação, por
um lado, os beneficiários do SNS são chamados a intervir nos processos de
tomada de decisão que afetem a prestação de cuidados de saúde à população, nos
termos da Carta para a Participação Pública em Saúde, competindo, em especial,
à direção executiva do SNS promover a participação pública; por outro lado, os
estabelecimentos e serviços do SNS implementam sistemas de avaliação
sistemática e periódica, que incluem a realização de inquéritos de satisfação
aos respetivos beneficiários ou utentes e profissionais de saúde.
Adicionalmente,
destaca-se que, ao elencar as unidades prestadoras de cuidados de saúde que
integram o SNS, o Estatuto do SNS aproveita para rever o regime de criação,
organização e funcionamento dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) e os Estatutos dos Hospitais,
Centros Hospitalares, Institutos Portugueses de Oncologia e Unidades Locais de
Saúde.
Destaca-se,
a este nível, a competência conferida aos diretores executivos dos ACES para
autorização de despesa e a previsão da participação, no órgão de gestão dos
Hospitais, Centros Hospitalares, Institutos Portugueses de Oncologia e Unidades
Locais de Saúde, de um vogal não executivo representante dos trabalhadores, por
estes eleito, em eleição a promover pelas respetivas comissões de
trabalhadores.
***
A
aprovação do novo Estatuto do SNS depende da audição de diversas entidades – Conselho
Nacional de Saúde, Ordens Profissionais, Associação Nacional dos Municípios e
estruturas sindicais – e deverá refletir o resultado da consulta pública que,
no mesmo período, o Ministério da Saúde irá promover junto de todos os
interessados.
O
novo Estatuto do SNS entrará em vigor em simultâneo com a Lei do Orçamento do
Estado subsequente à sua publicação.
O
novo Estatuto carece de alterações legislativas e regulamentares, que deverão
ser aprovadas no prazo de 180 dias a contar da data da sua entrada em vigor.
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É
de recordar que o Estatuto do SNS, bem como todas as decisões relevantes a
tomar em termos do sistema de saúde estarão respaldadas na Carta para a
Participação Pública em Saúde, aprovada
pela Lei n.º 108/2019, de 9 de setembro, e que pretende fomentar a participação
por parte das pessoas, com ou sem doença e seus representantes, nas decisões que
afetam a saúde da população e incentivar a tomada de decisão em saúde assente numa
ampla participação pública, bem como “promover e consolidar a participação
pública a nível político e dos diferentes órgãos e entidades do Estado, em
Portugal, através do aprofundamento dos processos de participação já existentes
e da criação de novos espaços e mecanismos participativos”.
Assim, a
Carta visa “promover e defender os direitos das pessoas com ou
sem doença, em especial no que respeita à proteção da saúde, da informação e da
participação” e “informar as entidades públicas sobre as prioridades,
necessidades e preocupações” destas pessoas.
E são outros
seus objetivos “tornar as políticas de saúde mais eficazes e,
consequentemente, obter melhores resultados em saúde, promover a transparência
das decisões e a prestação de contas por parte de quem decide, aproximar o
Estado e a sociedade civil, aprofundando o diálogo e a interação regular entre
ambos e legitimar as decisões sobre a avaliação custo-efetividade”.
Por isso, a participação pública na tomada de decisão em saúde contempla mecanismos de
participação presencial e remota (de iniciativa das instituições do
Estado e privadas, das pessoas e organizações que participam).
Veremos
se a Saúde no país, levará a volta de que tanto se precisa!
2021.10.21 – Louro de Carvalho
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